13 de nov. de 2014

Filme-carta em Centro de Ações Socioeducativas


       Quando começamos o Inventar com a Diferença, não sabíamos ao certo as faixas etárias que trabalhariam com o projeto, nem que tipo de escola teria interesse em utilizar nossa metodologia. Nosso princípio era de confiança no professor, ou seja, não cabia a nós dizer a idade dos alunos que poderiam se interessar em nossas propostas, mas ao professor que não só conhece a turma que tem, como tem a capacidade de adaptar o material às características e possibilidades do grupo.
     Graças ao engajamento e interesse de muitos mediadores tivemos a grata surpresa de ver o projeto chegar a um grupo para alfabetização de idosos, em BH, escolas de educação especial e à três escolas destinadas aos jovens que estão internados, cumprindo medidas socioeducativas. Antes da temática dos direitos humanos, o acesso desses jovens ao meios do audiovisuais, lhes permitindo uma experiência de mundo e estética com a ajuda dos professores e mediadores, nos parecia, em si, uma vigorosa intervenção política na vida de jovens que terão desafios gigantescos pela frente, para não terem suas vidas definitivamente marcadas pelo universo da delinquência e das prisões.
       Em uma dessas escolas, no Recife, o mediador Caio, já havia nos mostrado um minuto Lumière feito por uma interna. No CASE Santa Luzia uma adolescente de 16 anos se filma sem mostrar seu rosto, ao mesmo tempo em que desvenda o que ela chama de pergaminho. Uma carta em forma de rolo de papel, com muitos metros de comprimento com escritos como “eu te amo” em letras garrafais, desenhos, aprendizados e uma grande carga afetiva. Já havíamos ficado tocados com o contraste entre os desejos da menina expressos nesse vídeo e a sua condição em “medida socioeducativa”. Sem nos pedir nada, a menina havia conseguido inventar um “nós” nessa história. Nós que escrevemos, desejamos, inventamos e temos projetos. Por um instante, um mundo comum se fazia entre ela e os que pelos mais diversos motivos tiveram a sorte de não estar ali.
       Alguns meses depois, esse mesmo grupo produziu um filme-carta em que diversos Minutos Lumières foram montados e narrados. Em cinco minutos, com simplicidade, o filme traz essa intensa carga documental de que o cinema é capaz. Estão ali presentes, de maneira como raramente vemos, a vida de adolescentes em situação de grande fragilidade, sob a tutela do estado.
       Muitos dos planos escolhidos pelas adolescentes utilizam as janelas e portas como moldura, seguindo um dos dispositivos do material de apoio: Molduras e máscaras. Entretanto, aqui as molduras são gradeadas. Vemos com frequência a tentativa das meninas em mostrarem o lado de fora, fazendo menção ao que elas ainda conseguem ver da rua ou das comunicações que estabelecem com o exterior e com as famílias; como nos pergaminhos.
       “O tempo vai passando, às vezes vai piorando, às vezes vai melhorando e assim a gente vive a vida da gente aqui nesse lugar horrível” Escutamos isso enquanto vemos uma janela com grades e do lado de fora e palmeiras que com o vento reproduzem o que levou Geoges Mélies a dizer, em 1895, vendo os primeiros filmes dos Lumière: "no cinema, as folhas se movem". A beleza do filme está nesses pequenos contrastes e na forma como o trabalho com o cinema parece ter trazido mais uma possibilidade de reflexão sobre o lugar e a condição das meninas, uma reflexão mediada por uma escritura frequentemente poética.

Mediação: Caio Sales
Orientação: Carlos Tomaz, Lourdes Paz
Realização E.M.S.S., G.B., G.S.A., M.M.S., P.B.S.

http://www.inventarcomadiferenca.org/v%C3%ADdeos/filmes-carta/escola-carlos-alberto-gon%C3%A7alves-de-almeidacase-santa-luzia-filme-carta-de-recife

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