19 de ago. de 2007

Ser e Ter, cinema direto e com crianças


Assisti ontem pela segunda vez o documentário Ser e Ter (Être et Avoir), de Nicolas Philibert.
O filme foi um enorme sucesso na França e ainda gerou grande debate - depois do sucesso - porque a produção foi processada pelo personagem do filme, o professor M. George
Loopes.

O processo pedia reconhecimento de propriedade intelectual para o professor uma vez que era o seu "texto" que estava no filme, seu método, sua disciplina, seu carinho com os alunos. Por isso, ele pedia no processo que ele fosse conhecido como
co-autor.

Delicioso dilema do documentário.
Os tribunais franceses negaram o pedido do professor por entender que ele não pode ser conhecido como autor porque 1) o que ele faz não é uma criação para o filme, mas algo que pré-existe, seus hábitos, palavras, etc 2) suas aulas não podem ser protegidas pelo direito de autor - como os cursos de
Roland Barthes no Collège de France em 1992 - porque não se trata de uma produção original.

Finalmente o professor dizia ter tido seu direito de imagem explorado, uma vez que não dera direitos expressos para cada meio de difusão - cinema, tv dvd. Os tribunais responderam dizendo que uma vez que ele se deixou filmar por nove meses e participou da divulgação do filme a autorização está tacitamente consentida.

Este caso me faz lembrar o filme Santo Forte, de Eduardo Coutinho em que os personagens eram pagos em cena. Ou o filme Mato Eles, de Bianchi em que os personagem pergunta para o diretor " Quanto o senhor tá ganhando para fazer esse filme?" Dois momentos brilhantes do documentário brasileiro.

Esses casos todos explicitam a impossibilidade de se avaliar e pagar
(corretamente) pessoas que estão na imagem porque desejam explicitar, mostrar e comunicar o seu mundo e idéias. Talvez se o professor tivesse dito que em algum momento fez o que não acreditava ser a sua crença, talvez ele tivesse ganho.

Mas iniciei esse post porque dessa vez assisti o filme com meu filho de nove anos e ele expressou um estranhamento em relação ao documentário e talvez particularmente ao cinema direto que me pareceram interessantes. Primeiro ele disse " Nossa, o diretor do filme entra dentro da casa das pessoas...", depois "Caramba, o diretor fica escutando essa conversa deles", se referindo à cena em que o professor, fora de quadro, discute a briga de dois de seus alunos mais velhos com os próprios, de aproximadamente 10 anos.

Não só o diretor mas todo mundo entra na casa não é ?

Acho que ele expressa nessas duas frases o incômodo com esse tipo de filme, algo que já naturalizamos, claro, como sendo o documentário direto. Mas aqui isso fica mais explicito por se tratar de crianças e de suas relações em família. No espaço comum da escola este problema não aparece.

O espaço privado de país e filhos parece demandar a câmera com os próprios pais e filhos, em que esses limites entre realizador, personagem está mais perturbado.

Eu mesmo realizei um filme nessas condições "Meu nome é Paulo Leminski", em que filmo meu filho.
Penso ainda em Carlos Magno, realizador mineiro que fez muito filmes com o filho. No momento da filmagem não há equipe, não há uma pessoas estranha à "cena", mesmo que ela depois vá ser mostrada em um cinema. Essa preservação do instante da filmagem como algo íntimo, sobretudo com crianças produz uma imagem absolutamente distinta do cinema direto.

A responsabilidade pela câmera atribuída ao pai traz uma mediação para a imagem que o cinema direto, Ser e Ter, por exemplo tende a apagar.


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