24 de jun. de 2015

O dissenso necessário


Um mesmo processo político-subjetivo parece atravessar questões no Brasil e na Europa. Esse processo é pautada pela impossibilidade do dissenso.
Na Inglaterra, muitos educadores e políticos dizem que a resposta possível ao caso das meninas que foram se juntar ao Estado Islâmico é dar uma maior ênfase nos Valores Britânicos. Essa solução parte do princípio que a sociedade está pronta, que os valores são imutáveis e que resta aos cidadãos se adequarem a estes valores.
Esquecemos que das mais importantes mudanças no século passado aconteceram por conta de “revoluções moleculares”, como diria Guattari. O direito das mulheres, negros e homossexuais aconteceram por conta de transformações nos valores, antes de serem leis. O que a imobilidade dos valores traz é uma enorme exclusão, uma ame-o ou deixe-o que não abre espaço para nenhum dissenso.
Em Londres, a escola das meninas não tinha nenhuma pista da radicalização de suas posições políticas, ao mesmo tempo, mais de dez dias depois de elas terem abandonado o país, o assunto não foi levantado nas escolas das redondezas, com muitos muçulmanos. Trazer a comunidade para a escola é perceber que uma comunidade se faz diferenciando-se de si mesma e não reproduzindo-se como igual.
Ainda nas palavras de Guattari: uma revolução molecular, uma transformação nos valores e práticas de uma comunidade, “é menos uma questão de criar consenso, ao contrário, quanto menos concordamos, mais criamos uma área, um campo de vitalidade em diferentes ramos dessa revolução molecular”. No caso inglês, os valores britânicos operam, antes, uma dicotomia entre o dentro e o fora, o aceito e o não aceito, o pensável e o não pensável. Sem trazer para a comunidade o dissenso, ele parece acabar explodindo em violências, com a do britânico que matou o jornalista inglês no Oriente Médio, ou radicalizações dicotômicas, como a das meninas.
No Brasil nossos problemas são outros, mas o adensamento da dicotomia política tem impossibilitado a criação e o pensamento. A dicotomia é a negação da transversalidade, ou seja, quando tudo se organiza em dois lados, não é possível relações e conexões parciais, construções momentâneas e intensificações circunstanciais. Se não trouxermos o dissenso para aquilo que constitui o nosso mundo, a nossa comunidade, operamos isolando, julgando e excluindo. Cada vez mais milimétrico, o julgamento do outro impossibilita que esse dissenso produtivo, de que fala Guattari, se estabeleça.
Não são poucos hoje os exemplos em que as dicotomias são reforçadas: PT e PSDB, evangélicos e os outros, homens e mulheres, intelectuais e pessoas da prática, etc, etc. A consequência é o empobrecimento geral da comunidade, a moralização das práticas, o isolamento e a radicalização de posições que tendem a se tornar violentas. Sem a dissenso nega-se o outro, uma negação que pode ser sempre milimetricamente intensificada.


1.3.15

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