6 de mai. de 2020

Diário do entre-mundos 40

A vida não para. Moro, mortes, cala boca, e daí? A cada dia Bolsonaro investe em sua forma singular de governar. Onde está ruim ele piora, onde há calmaria se acende um coquetel molotov.
Nos jornais as celebridades estão lá fazendo selfies da quarentena e dando as melhores dicas de como higienizar os produtos entregues pelos motoboys, como higienizar o motoboy, como higienizar.
Esse é o paradoxo Bolsonaro. O projeto higienista depende de tudo sujar, tirar a máscara e limpar a meleca na camisa da seleção do apoiador.
Para todos a vida continua. Os que estão podendo ficar em casa estão se acostumando e começam a fazer planos para esse novo jeito de viver: a quarentena vai ser curta, comecei a estudar chinês. Momento difícil: agora que nos organizamos, daqui a pouco acaba. Meio que nem ter 50 anos.
Isso não é vida, me disse o motorista do taxi me explicando que rua vazia é só aqui na Zona Sul. Na baixada, tá bombando! Isso não é vida. Quem pode parar faz planos, acostuma e até escreve sobre angústias.
40 dias de diário de quarentena. Em tese amanhã deveria acabar. Não é esse o problema? Há algo errado em uma quarentena que dura mais de 40 dias.
E, se o Covid afeta o olfato, não seria melhor usar pequenos potes com cheiros específicos e nós teríamos que descobrir o cheiro, no lugar de tirar a temperatura? “Bom dia, será que a senhora poderia dizer que cheiro está sentindo nesse papelzinho descartável?” Patchouli! Capim limão, suor, café.. E assim os aeroportos e rodoviárias se transformariam em uma espécie de game olfativo, com torcidas e viagens em odores mil. Chiclete de melancia, geladeira do Roberto.
Se a covid afeta paladar. Bem...
Sim, há o que fazer. Quem trabalha com educação, por exemplo, relata: não damos aula mas o governo está exigindo relatórios de trabalho. A opressão é tanto mais humilhante quanto mais ela for patética.
E nas casas, os pais reclamam. Não aguento mais ensinar matéria da quarta série para escolas que não param de mandar boletos como se todos estivessem sentindo o mesmo cheiro de sempre.
Nas últimas semanas alguns movimentos começaram... Tenho uma tia que vive no interior de Minas, vou passar uma semana por lá. Outros reabilitaram a casa dos avós em Araruama – é ótimo para ... Ele disse pra que que era ótimo, só não lembro.
No zoom já tirei a minha imagem! 10 horas na frente do espelho é a coisa mais exaustiva que se pode fazer. No final do dia você quer não ter cara. Uma espécie de Síndrome de Teich.
Antes de dormir, um gelinho – da geladeira do Roberto - no ombro ou no cotovelo. As articulações não aguentam tanto clique. Ah como é difícil ser contemporâneo.
E a quarentena 1 já acabou e ainda não li Joyce. Não li aquele Foucault já empoeirado – espirros. (não estou com o vírus! Sabia que Foucault seria útil!)
Vamos a Quarentena 2. Entre-mundos é isso. Aos pulos. Parado queima e no ar ninguém fica.
-- Diário do entre-mundos 40

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