29 de jul. de 2016

Militância polícia

10 abril 16


Militância polícia
A polícia enquadra, aponta os culpados, organiza quem pode circular e quem não pode, quem pode falar e quem deve apenas escutar, define os que podem sair de casa e a que horas o toque de recolher encerra a todos.
Com a polícia pode haver revolta, mas não há argumentação, espera, humor, poesia ou diálogo.
A lógica policial impregnou a militância.
Por todos os lados os enquadramentos estão fechados e asseverados. Por vezes, mais do que isso, aquele que não milita é focado como o inimigo.
Nos últimos tempos, não tomar posições assertivas sobre a continuidade ou não do governo Dilma, por exemplo, virou um mal maior. A militância polícia aponta o dedo e diz da impossibilidade da dúvida ou do desinteresse mesmo.
Passado o século que viu as artes militantes descobrirem que não precisavam tratar seu público como receptores passivos, a militância polícia parece jogar no lixo o primeiro gesto fundamental em relação ao leitor/receptor: o outro pensa e sente e não precisa ser tutelado, organizado.
Em alguns meios, por exemplo, o uso do genérico masculino – amigos, caros – para se referir a um grupo multigênero, passou a ser visto sinal de preconceito. Em algum lugar alguém se levantará pra dizer: prezadxs vocês não vão militar não?
O mesmo vale para a radicalidade policialesca no uso linguagem em relação às questões de gênero. Caminhar entre noções e definições, em que o uso do termo opção sexual, por exemplo, - no lugar de orientação sexual - pode ser visto como um gesto fóbico faz com que poucos se arrisquem em campo tão minado.
A polícia sabe quem pode circular em certos espaço e quem não pode. A polícia esquadrinha, divide, separa.
Para andar em determinada parte da cidade é preciso ser identificado, usar as mesmas roupas, pertencer às mesmas facções. Como em uma cidade, os espaços abertos a todos se tornam também os espaços não políticos, clean, sem pichações ou marcas da presença humana. A militância polícia se adequa ao modo de ser das cidades, dividas entre os espaços impenetráveis para uns ou outros – favelas e shoppingcenters - e os vazios de política – novas praças com hiperpresença arquitetônico policial.
Com a polícia não se brinca – aprendemos isso cedo.
O que diria a militância polícia hoje de um filme como “Mato Eles?”, de Sérgio Bianchi, que com humor trata a questão indígena eventualmente se colocando no lugar do opressor para explicitar o massacre? Ou com a capa de 1978 do Charlie Hebdo que, para criticar os negacionistas da época, exacerba seus pontos de pontos de vista e coloca Hitler como o cara “super simpático”? A resposta não é difícil. Seriam massacrados primeiro por não terem direito de falar da questão indígena sem serem índios – a polícia sabe quem pode falar; segundo porque “com essas coisas não se faz humor” – a policia tem certezas e a inteligência do outro para entender o humor não pode ser considerada.
As recentes críticas ao trabalho de Rafucko, são exemplares. Quando o artista faz como Bianchi ou Charlie, exacerbando o lugar do opressor para desnaturaliza-lo, os críticos iluminados dizem: as pessoas não vão conseguir entender, eles vão ler ao pé da letra, eles vão achar que você está dizendo que é isso mesmo, que Hitler é simpático e que revistar negros indo para a praia no Rio de Janeiro são coisas legais.
O primeiro gesto da militância polícia é dizer: eu penso e você não. Eu sei e você não.
Desmontar a polícia não é simples. Ela organiza nossos mundos complexos. Desmontar a polícia é poder ir a qualquer lugar, circular sem fronteiras, partir do princípio de que todos pensam e são inteligentes, de que qualquer um pode ser um interlocutor, é poder incluir a dúvida, o humor, a poesia e a espera.

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