21 de abr. de 2020

Diário do entre-mundos 1

De repente tudo para. Mas será mesmo?
Com o isolamento, com as perdas e a crise econômica, estamos constantemente nos perguntando se isso tudo irá alterar a forma como vemos e vivemos a vida.
Ou seja, isso tudo altera os processos subjetivos individuais e de grupo?

Talvez tenhamos que pensar em termos de velocidade.
A vida no capitalismo é organizada por uma intensa velocidade. Estamos sempre ocupados, 24 horas por dia/7 dias por semana. Não é possível perder tempo. Produzir, fazer, ser, são os imperativos. Tudo é rápido. Nem sonhar é mais viável. Uma perda de tempo. 

Subitamente precisamos parar e, ao parar, temos a surpresa de que na verdade, o que parecia velocidade é uma extrema repetição, uma lentidão imensa. Nada acontece. Nossa memória guardou pouco de tudo isso.
Nas últimas semanas, quando parecemos parados, percebemos, de todos os lados, movimentos que vinham sendo adiados e que a atual circunstância trouxe uma urgência, uma coragem mesmo. O isolamento ou a intensificação de relações em uma mesma casa, diante da insegurança generalizada, está servindo como um acelerador nos processos subjetivos. Não dá mais pra ficar nesse rame-rame. Agora vai!
É o que tem acontecido nas relações de casal, de pais e filhos, de trabalho, etc. Não é por acaso que somos tão rapidamente tomados pela necessidade de ocupar produtivamente o tempo morto. Não se trata de ocupar, mas de neutralizar as forças que podem nos levar a movimentos e velocidades que não estamos acostumados.
Sim, um paradoxo. Quando tudo parece parar, somos atravessados por velocidades extremas. Olhe em volta.
Não será a mesma coisa na revolta em relação a esse governo? O que acontecerá no nível macro? 

Os processos subjetivos sempre vêm antes. Não nos perguntamos então como veremos a vida depois disso tudo. Já está acontecendo. O que parecia estabilizado vai se tornando insustentável. O que parecia adiável não é mais. O que parecia organizado desaba. Onde havia medo de movimento: se joga!.
Talvez esse paradoxo da velocidade tenha uma relação direta com a forma de vermos a morte. Como se essa concretude cotidiana da morte produzisse uma urgência das forças vitais. Ao mesmo tempo em que nos deparamos com a evidência de que a submissão às regras produtivas, do capital, da moderação, é apenas ridícula diante da fragilidade que essa situação nos coloca.
Que corpo temos para a velocidade extrema?
Essa parece ser a atenção que precisamos ter.
Que corpo temos para parar, e ao mesmo tempo, sermos tomados pela velocidade extrema sem sucumbir à angústia, pânico, etc.
Individual e coletivamente trata-se de permitir que essa velocidade chegue, embarcar nela sem estanca-la em novos produtivismos, novas rodas que giram em falso, nem deixar que a velocidade seja só algo que nos atropele. Tempos sombrios, mas reveladores. Tempos tristes, mas não imobilizadores.
-- Diário do entre-mundos 1 --

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