29 de abr. de 2020

Diário do entre-mundos 33

E daí? Pergunta Bolsonalro quando questionado sobre as quase 500 mortes de ontem.
Dai que para entender do que estamos falando você teria que ter duas sensibilidades.
A primeira de que a vida importa. Mas já sabemos há muitos anos que o que importa é o gozo com a morte.
A segunda é mais complexa. Bolsonaro é um negacionista. Transforma a história em um problema de opinião. Tudo pode ser relativizado, tudo depende de um ponto de vista.
Em 2020, o negacionista olha para a ditadura e se autoriza a dizer e a criar o que quiser. Para que isso seja possível, para que o cinismo se efetive, é preciso olhar a ditadura como um bloco total sem vidas.
Quando nos aproximamos do que se passava com cada família que perdia parentes, como cada pessoa que tinha que deixar o país, com cada perseguição, com cada sessão de cinema proibida, com o medo cotidiano e com cada torturado, não há história que possa se livrar das pessoas. Não há história que se torne apenas um nome a ser defendido em um carro de som em Brasília.
O negacionista só pode existir se nega que o grande evento, o grande marco histórico, é formado por uma infinidade de vidas que não estão nos holofotes.
Ao perguntar "E daí?" Bolsonaro mata uma segunda vez os que sofrem. Depois de mortos pelo Covid e pela incompetência fascista desse governo, são mortos porque devem ser eliminados da história. As formas de vida, de moradia, de saúde, as desigualdades, as formas de trabalho e alimentação, o transporte, tudo isso eliminado para que se possa retirar da história tudo que constitui cada uma das vidas perdidas.
A segunda sensibilidade é simples na verdade. As pessoas existem.
Um mundo sem vida e sem pessoas, e daí?
-- Diário do entre-mundos 33 --

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