21 de abr. de 2020

Diário do entre-mundos 23 --

E depois de um mês de quarentena, vivemos mais um estranho processo no acontecimento. Uma mistura de naturalização do disparate: a cidade vazia, as pessoas com máscara, o excesso de casa, a impossibilidade dos encontros, a omnipresença digital, as dores e mortes, a terceirização de tudo pela elite.
Tudo que não parecia nosso mundo é o mundo com o qual temos que conviver. Ele não deixa de ser triste e estranho, mas vai se tornando nosso mundo.
Vamos espremidos entre a aceitação dessa condição e o espanto, o susto em estarmos vivendo uma rasteira nas bases e expectativas, no passado e no futuro. Vamos naturalizando o disparate.
Subitamente nos damos conta: não é uma ficção, tá rolando mesmo.
Esses sustos, em que somos surpreendidos em nossa adaptação, flagrados em nossa acomodação ao que era inimaginável, são importantíssimos.
É dessa linha que estranha nossa capacidade de aceitar que poderemos extrair forças para fazer disso tudo um corte, uma pausa, uma exigência ao pensamento, uma eleição das prioridades e urgências.
É desse susto com nossa própria capacidade para suportar que poderemos também lembrar de nossa energia para o que não é suportável, agora e depois que isso tudo acabar.
Fazer do acontecimento uma memória do inaceitável, talvez seja uma ética para esses tempos.
-- Diário do entre-mundos 23 --

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