21 de abr. de 2020

Diário do entre-mundos 4

Ficar em casa é perder a casa.
A casa é o lugar para onde se volta para as coisas poderem parar, relaxar, desviar dos excessos dos encontros nem sempre felizes no trabalho, na escola. É o lugar em que conseguimos inventar ritmos não dominados pela produção, pelas exigências do trabalho. Na casa, se tudo correr bem, o que frequentemente não é o caso, é a hora da conversa jogada fora, do tempo perdido na cozinha, da música e do – ai, finalmente! Minha série. Finalmente sozinho.
A casa é território, espaço organizador para um equilíbrio que garante a possibilidade de estar na realidade. Quando a casa deixa de ser o lugar para onde se volta é a própria casa que cai.

 Como manter a casa como casa quando não se sai dela? No fundo, como manter uma organização mínima com a realidade quando a velocidade e exigências são relaxadas? - Ai que saudade daquela opressãozinha, pelo menos eu podia voltar para casa.
E na TV alguém está preocupado com a perda do conteúdo das crianças nas escolas. E depois reclamam de Trump e Bolsonaro que preferem matar milhares a diminuir o estoque de ouro de alguns. Esse não tem casa para voltar, já a perderam há muito. As crianças não! Que inventem casas dentro de casas. Que inventem um mundo e depois a gente a arruma. (sem desfazer o mundo inventado)
Nós, administradores vulneráveis de nossas vidas ordinárias, vamos viver a angústia do excesso de casa ser também a perda de uma realidade. Talvez um pouco de outro mundo não seja de todo mal. Mas, se perdermos a casa, onde chorar ou se esconder depois do ataque?
-- Diário do entre-mundos 4 --

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