21 de abr. de 2020

Diário do entre-mundos 2

Em uma carreata curitibana, uma família em um carro-preço-de-apartamento, passa pela câmera e suplica:
- Deixe a gente voltar ao trabalho.
- Vamos morrer de fome.
Talvez o “a gente" aqui seja uma estranha figura de linguagem em que os donos do carro dizem “nós” pela impossibilidade de dizer eles.
- Deixem eles – nossos empregados, servidores, motoristas, cozinheiras – voltar ao trabalho. O problema não é termos que lavar a louça. Claro, lavar a louça é uma merda, mas o problema é não poder reclamar da empregada, não ter para quem dar o tênis velho, não poder ser legal com o outro de classe. Isso é insuportável. Não, mentira, o insuportável é limpar o banheira. Pinho-sol, lusoforme, etc.
Crianças – caralho. Não dá tempo de fazer nada. Chega!
Deixem a gente voltar ao trabalho pra ficar livre dessa porra toda! Não paro de comer, não para de beber. Não tenho assunto com mais ninguém.
Deixem eles voltar ao trabalho. Vamos voltar à organização que estava dando certo!
Eles nos livram de nossa casa – sujeira do banheiro, excesso de presença do marido sem futebol – e a gente paga aquele dinheirinho e ainda tem assunto no final de semana.
Por favor presidente. Me livra dessa casa. Me livra dessa vida.
- Deixe a gente voltar ao trabalho.
- Vamos morrer de nós.
-- Diário do entre-mundos 2 --

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