Contra o Voto Distrital - comentários sobre o artigo de Felipe Salto e José Emygdio de Carvalho Neto - (transcrito abaixo)
Felipe Salto e José Emygdio de Carvalho Neto escreveram um artigo na Folha de São Paulo de Sábado passado (27.08) fazendo uma veemente defesa do voto distrital. Infelizmente os argumentos utilizados são muito pouco matizados e deixam de lado problemas sérios desse tipo de sufrágio.
Como sabemos, o voto distrital funciona da seguinte maneira. O território é dividido em distritos e cada distrito escolhe um deputado em dois turnos. Em dois pontos os autores tem razão, esse sistema deixa o eleitor mais próximo do eleito, pois trata-se de um “vizinho”, morador do mesmo bairro do eleitor, além disso, o sistema distrital tende a baixar o custo da campanha, uma vez que a campanha se reduziria a um pequeno espaço da cidade.
Tais argumentos são interessantes, entretanto eles trazem distorções nada desprezíveis.
1 – O voto tende a ser definido pela atuação do deputado para o bairro. Ou seja, um deputado terá o seu mandato avaliado pela sua atuação para o distrito, assim como seu programa tenderá a privilegiar as questões locais. Nada menos democrático. Se moro em Copacabana, não me interessa a atuação um deputado federal para Copacabana, mas para o Brasil. Como dizia Deleuze:
“Não ser de esquerda é como um endereço postal. Parte-se primeiro de si próprio, depois vem a rua em que se está, depois a cidade, o país, os outros países e, assim, cada vez mais longe. Começa-se por si mesmo e, na medida em que se é privilegiado, em que se vive em um país rico, costuma-se pensar em como fazer para que esta situação perdure. Sabe-se que há perigos, que isso não vai durar e que é muita loucura. E ser de esquerda é o contrário.” (Abecedaire, Letra G)
2 - O segundo argumento dos autores aprofunda o princípio antidemocrático.
Para os autores a proposta do voto misto é muito complicada. Como assim? Tenho certeza que se eu entendo, se Felipe Salto e José Emygdio de Carvalho Neto entendem é porque qualquer eleitor com mais de 18 anos pode também entender. Se as pessoas não entendem como funciona o voto em legenda hoje, por exemplo, não é porque o sistema é complicado, mas simplesmente porque não se interessam. Trata-se de um outro problema político e não de se colocar em outro patamar do eleitor, como se tivéssemos algo a ensinar para “os pobres ignorantes”.
3 – Terceiro ponto, o voto distrital inviabiliza a representatividade de programas políticos pouco consensuais. Por exemplo, seria imaginável que hoje um deputado que defende a legalização das drogas seja eleito pelo voto distrital? Praticamente impossível, uma vez que ele deve ter maioria em seu distrito. Esse tipo de voto tende assim e excluir do congresso nacional as minorias. A solução seria assim repartir a cidade: em Moema só LGBT, no Itaim Paulista só defensores do aborto, etc. Só repartindo a cidade as minorias teriam cadeiras, não é propriamente o mundo que desejamos.
Nessa linha, uma outra distorção grave pode facilmente acontecer. Por exemplo, digamos que Lula decida se candidatar para o congresso nacional. Sabemos que se fosse candidato a presidente teria grandes chances de ganhar, mas no sistema distrital ele teria que ter maioria em um pequeno distrito, correndo, claro, o risco de não se eleger por conta de uma contingência hiperlocal.
4 - Em relação aos custos da campanha, como disse, os autores tem razão. O voto distrital é uma forma de reduzir custos, mas, ao mesmo tempo, o poder financeiro pode ser ainda mais pernicioso, já que o dinheiro de um candidato poderá ocupar cada rua de um distrito, privilegiando, ainda mais, os ricos. A preocupação com os custos das campanhas é importantíssimo, mas devemos pensar em formas de reduzir custos e ampliar a democracia, como a financiamento público, a proibição de campanhas dispendiosas, etc.
Os autores do artigo na folha dizem fazer parte de um movimento livre e apartidário - www.euvotodistrital.org.br. Pode ser, entretanto o voto distrital proposto por eles produziria enormes distorções na representatividade do congresso além de ser fundado em princípios menos democráticos do que os que temos hoje.
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Pelo voto distrital no Brasil
FELIPE SALTO E JOSÉ EMYGDIO DE CARVALHO NETO
Somos contrários à proposta de reforma do sistema eleitoral do deputado Henrique Fontana (PT-RS), pois, se aprovada, pioraria os já conhecidos problemas de nosso sistema eleitoral. Segundo a proposta, o eleitor votaria duas vezes.
O primeiro voto seria computado como hoje; no segundo voto, em lista, o eleitor perderia o direito de eleger diretamente seus candidatos. Mas quem escolheria essa lista? Os caciques dos partidos.
A proposta não parece ser produto de estudos de sistemas eleitorais, mas de uma tentativa de acomodação de interesses.
Nossa proposta é bastante distinta e com objetivos bem claros.
Vemos no voto distrital uma poderosa ferramenta para reduzir o custo das campanhas eleitorais e motivar uma maior fiscalização por parte do eleitor sobre o trabalho do político. A sociedade tem se mostrado propensa a esse debate. Tal propensão ao "novo", como temos chamado, é o que se vê no movimento #EuVotoDistrital.
O sistema eleitoral proporcional, que é o atualmente empregado no Brasil, permite que votemos em candidatos a deputados federal, estadual e a vereador, mas também em suas legendas, se desejarmos.
Extremamente confusa, a mudança para proporcional misto só pioraria um sistema em que já é difícil entender como nosso voto contribui para eleger representantes.
Com o voto distrital, seria fácil entender os caminhos do voto, e o custo de acompanhar o processo eleitoral, pela facilidade do sistema (o mais votado em dois turnos ganha no distrito), seria bem menor.
Na prática, o eleitor precisaria acompanhar apenas um representante. Também o eleito teria incentivos para lutar pelas demandas do distrito, aproximando representante e representado.
Pelo lado dos custos das campanhas, os candidatos não teriam que percorrer todo o Estado, mas apenas uma região muito menor (o distrito), de modo que a demanda por financiamento cairia, segundo alguns estudos, de 50% a 70%.
Como funcionaria o sistema distrital (ou majoritário)? O país todo seria dividido em distritos -áreas com limitações geográficas parecidas e número similar de eleitores - de acordo com o número atual de deputados a que cada Estado tem direito. São Paulo, por exemplo, continuaria a eleger 70 representantes para a Câmara (70 distritos, sendo um por distrito).
Aliás, estamos às vésperas das eleições municipais. Por que não alterar nosso sistema eleitoral para a escolha dos próximos vereadores? Funcionaria como no caso dos deputados federais. Isto é, o eleitor escolheria seu representante distrital como se fosse o vereador do bairro (ou regiões que englobariam alguns bairros).
A sociedade quer e busca a mudança. Ela se organiza para isso. Diretas-Já, Ficha Limpa e tantos outros exemplos. Resta-nos potencializar a força que emana desse novo poder, dessa força pela mudança e pela Política (com "P" maiúsculo).
Eis a inflexão que queremos ver na política nacional -fruto de uma nova postura, que é a expressão do desejo de construir um país melhor.
É essa a causa que guarda e defende o movimento livre, apartidário, que surgiu da sociedade civil e que nesse momento angaria assinaturas - o #EuVotoDistrital (www.euvotodistrital.org.br).
Milhares de cidadãos de todos os Estados do Brasil já se apresentaram para essa mudança. Agora, buscamos seu apoio para que o Congresso seja compelido a realizar a verdadeira reforma política e, acima de tudo, para que façamos da nova política que queremos ver a próxima grande mudança liderada pela sociedade em benefício da democracia no Brasil!
FELIPE SALTO, economista pela EESP/FGV-SP e mestrando em administração pública e governo também pela FGV, é analista da Tendências Consultoria e cofundador do Instituto Tellus.
JOSÉ EMYGDIO DE CARVALHO NETO, formado pela FGV em administração pública e graduado pela Universidade Georgetown (EUA) em seu Global Leadership Program, é cofundador do Instituto Tellus e coordenador de mobilização do Centro de Liderança Pública. Ambos são membros do movimento #EuVotoDistrital.
Pelo voto distrital no Brasil
FELIPE SALTO E JOSÉ EMYGDIO DE CARVALHO NETO
Somos contrários à proposta de reforma do sistema eleitoral do deputado Henrique Fontana (PT-RS), pois, se aprovada, pioraria os já conhecidos problemas de nosso sistema eleitoral. Segundo a proposta, o eleitor votaria duas vezes.
O primeiro voto seria computado como hoje; no segundo voto, em lista, o eleitor perderia o direito de eleger diretamente seus candidatos. Mas quem escolheria essa lista? Os caciques dos partidos.
A proposta não parece ser produto de estudos de sistemas eleitorais, mas de uma tentativa de acomodação de interesses.
Nossa proposta é bastante distinta e com objetivos bem claros.
Vemos no voto distrital uma poderosa ferramenta para reduzir o custo das campanhas eleitorais e motivar uma maior fiscalização por parte do eleitor sobre o trabalho do político. A sociedade tem se mostrado propensa a esse debate. Tal propensão ao "novo", como temos chamado, é o que se vê no movimento #EuVotoDistrital.
O sistema eleitoral proporcional, que é o atualmente empregado no Brasil, permite que votemos em candidatos a deputados federal, estadual e a vereador, mas também em suas legendas, se desejarmos.
Extremamente confusa, a mudança para proporcional misto só pioraria um sistema em que já é difícil entender como nosso voto contribui para eleger representantes.
Com o voto distrital, seria fácil entender os caminhos do voto, e o custo de acompanhar o processo eleitoral, pela facilidade do sistema (o mais votado em dois turnos ganha no distrito), seria bem menor.
Na prática, o eleitor precisaria acompanhar apenas um representante. Também o eleito teria incentivos para lutar pelas demandas do distrito, aproximando representante e representado.
Pelo lado dos custos das campanhas, os candidatos não teriam que percorrer todo o Estado, mas apenas uma região muito menor (o distrito), de modo que a demanda por financiamento cairia, segundo alguns estudos, de 50% a 70%.
Como funcionaria o sistema distrital (ou majoritário)? O país todo seria dividido em distritos -áreas com limitações geográficas parecidas e número similar de eleitores - de acordo com o número atual de deputados a que cada Estado tem direito. São Paulo, por exemplo, continuaria a eleger 70 representantes para a Câmara (70 distritos, sendo um por distrito).
Aliás, estamos às vésperas das eleições municipais. Por que não alterar nosso sistema eleitoral para a escolha dos próximos vereadores? Funcionaria como no caso dos deputados federais. Isto é, o eleitor escolheria seu representante distrital como se fosse o vereador do bairro (ou regiões que englobariam alguns bairros).
A sociedade quer e busca a mudança. Ela se organiza para isso. Diretas-Já, Ficha Limpa e tantos outros exemplos. Resta-nos potencializar a força que emana desse novo poder, dessa força pela mudança e pela Política (com "P" maiúsculo).
Eis a inflexão que queremos ver na política nacional -fruto de uma nova postura, que é a expressão do desejo de construir um país melhor.
É essa a causa que guarda e defende o movimento livre, apartidário, que surgiu da sociedade civil e que nesse momento angaria assinaturas - o #EuVotoDistrital (www.euvotodistrital.org.br).
Milhares de cidadãos de todos os Estados do Brasil já se apresentaram para essa mudança. Agora, buscamos seu apoio para que o Congresso seja compelido a realizar a verdadeira reforma política e, acima de tudo, para que façamos da nova política que queremos ver a próxima grande mudança liderada pela sociedade em benefício da democracia no Brasil!
FELIPE SALTO, economista pela EESP/FGV-SP e mestrando em administração pública e governo também pela FGV, é analista da Tendências Consultoria e cofundador do Instituto Tellus.
JOSÉ EMYGDIO DE CARVALHO NETO, formado pela FGV em administração pública e graduado pela Universidade Georgetown (EUA) em seu Global Leadership Program, é cofundador do Instituto Tellus e coordenador de mobilização do Centro de Liderança Pública. Ambos são membros do movimento #EuVotoDistrital.