28 de nov. de 2010

Quero ser brasileiro.

Tupinambás, Nietzsche e o documentário Brasileiro, foi com esse trio que fiz minha última palestra na Universidade de Salzburg.

Falar fora de casa, para um público estrangeiro, é sempre estranho e curioso. A mistura entre Tupinambás e o alemão, no Brasil, causa algum estranhamento, aqui provou sorrisos de alegria. O Nietzsche parecia revitalizado, conectado com algo que o público jamais imaginara.

Comentando os textos de Eduardo Viveiros de Castro e a relação dos Tupinambás com os Europeus, a reação era de outra ordem. Brasileiros que vivem com austríacos se identificavam com a inconstância dos Tupinambás diante da constância dos europeus. Mas, há também os austríacos canibais, devoradores, talvez mais raros.

Ser brasileiro não é privilégio de quem nasce no Brasil ou ao sul do Equador. Esse fluxo-Brasil está ai disponível para quem se habilitar à entrar; tão sedutor, tão mobilizador e por vezes tão duro e horrível. Alguns tem no destino essa marca, como eu. Outros vão atrás, buscam sons, línguas, imagens, pessoas e ai vão fazendo variar a constância, seja ela portuguesa ou austríaca. Para esses que não tem o Brasil como destino, que estranha decisão; se associar a Tupinambás inconstantes, devoradores dos amigos e dos inimigos - de maneiras diferentes.

27 de nov. de 2010

O Rio de Janeiro é o mundo

De longe acompanho os eventos que tanto mobilizam a cidade do Rio de Janeiro.
Leio ótimo artigo  do Luiz Eduardo Soares sobre polícia, tráfico e mídia ao mesmo tempo em que recebo um mail da escolas das crianças suspendendo as atividades da tarde, por conta dos carros queimados, do clima de insegurança.
Em Salzburg neva e as pessoas circulam no mercado de natal. Não faço aqui uma montagem simplória entre a violência do Rio de Janeiro e a tranquilidade de Salzburg, não é isso. O que talvez me mobilize tanto no Rio é porque o mundo parece estar ali. Não há riqueza sem conflito, não há bem estar sem embate.
No Rio todo gesto parece ser político, urgente.
O que se passa no Rio nesse momento nos angustia porque nos exige ainda mais. Mais ação, mais mobilização, mais democracia.

26 de nov. de 2010

Neva em Salzburg

Terceiro dia em Salzburg e neva muito. A neve parece ser o que há de mais adequado para a cidade e para a paisagem.
Faz frio, todos estão em casa,  mas nas ruas há sempre muito pouca gente.
Não sei se em outros momentos isso muda muito.
De algum forma, essa tranquilidade de Salzburg não aparece sem susto. Para onde foi a bagunça, os pobres, os imigrantes, etc. O que aconteceu que a cidade ficou impenetrável, mesmo se as velhas muralhas não tem mais sentido.
Para onde foram os jovens que na madrugada andam na rua e ouvem música alta?
Salzburg parece dispensar o mundo. Parece não montar com nada. Os Mercedez e BMWs que transformam a neve em lama, quando os vemos em São Paulo, são humanizados pelos pedintes e pelo engarrafamento. Aqui não, andam livres e rápidos, param na faixa de pedestres e não encontram um pobre que possa provacar alguma mal estar, pelo menos para aqueles mais críticos, normalmente fora dos carros.
Aqui a riqueza não tem conflito. Os alpes protegem Salzburg.
Neva muito em Salzburg e aguardo a carona que me levará para a universidade onde dezenas de alunos de várias partes do mundo estudam português. Tentam, ao seus modos, abrir uma portinha nos Alpes, tentam tirar a neve do vidro de casa.
Acho que o cinema pode algo em relação a isso, talvez essa seja parte da alegria de estar aqui. Poder experimentar umas gotas de conflito.

1 de nov. de 2010

Tropa de Elite 2


José Padilha tinha razão, Tropa de Elite 2 comprova que ele não poderia votar em nenhum candidato para presidente. Para o diretor, está tudo errado! Milícias, tráfico, polícia e Brasília fazem parte de um mesmo sistema que o Capitão Nascimento e o filme conhecem bem e tratam de acusar. Não há saída, tá tudo dominado.
Movido pelo ressentimento, o Capitão denuncia e derruba as principais cabeças envolvidas com o crime, mas logo há novas peças para manter o sistema funcionando. Diante da corrupção que tudo abarca, ou não se faz nada ou se vira a mesa. Como nada indica que uma virada de mesa é possível, o melhor é não fazer nada mesmo, não votar em ninguém.
Padilha está acima dessa porcaria toda. Se é para sujar as mãos, que seja apenas com o sangue fake fartamente distribuído no filme.
Do lugar de quem sabe sobre o mundo e sobre a podridão da política, o filme pode berrar: Tá tudo errado. O público, feliz, volta para casa certo que existe alguém denunciando tudo-que-está-ai. Logo, não é preciso fazer nada mesmo. Não só não há saída possível, como já há quem denuncie. Nada mais inócuo para um filme que se quer político.
Se a inteligência é capacidade de ver diferenças onde só parece haver uniformidade, Tropa de Elite 2 é uma ode a imbecilidade. Na política é tudo igual, só tem ladrão, só tem corrupto. Se alguém escapa à essa regra -  Nascimento, Fraga ou Padilha -   não faz diferença nenhuma no sistema. A adequação desse discurso à ideologia que deseja a conservação do que é, da própria corrupção, das injustiças e desigualdades, é absoluta.
Tropa 2 se irmana ao discurso da grande mídia, que há muito já elegeu o estado como inimigo. É pela existência de forças democráticas, que passam pelo poder público também, que outras vozes podem dar limite aos poderes mais violentos, sejam eles ligados ao tráfico, à milícia, ou qualquer outra face do capitalismo.
É, Padilha, o mundo é Multiplex e não simplex, como twitava alguém outro dia. Ou apostamos nos espaços de embate e encontramos nas práticas as diferenças que forjam mundos em que um qualquer, vindo de qualquer lugar, possa fazer diferença na cidade - a política- , ou vamos ficar ai gritando, morrendo de vontade de dar porrada geral e talvez chegar à conclusão que essa é a única saída, se não para o país, pelo menos para o nosso gozo.

28 de set. de 2010

Eduardo Paes e os filmes-cabeça

Essa semana o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, avisou que a Rio Filme, responsável pela sala de cinema que será inaugurada em uma das maiores favelas do Rio de Janeiro, o Complexo do Alemão, projetará apenas filmes de grande apelo populular. - Nada de filme-cabeça, disse o prefeito.
Essa afirmação não é apenas um uma opção de programação, mas algo bem mais grave.
Não se trata apenas de dizer apenas o que o pobre deve ou não deve ver, mas de definir qual é a parte da população que
tem o direito de pensar a cidade e a vida. O recorte que Eduardo Paes é claro; a favela é um lugar de consumo e, como consumidores, essa parte da população deve ser incorporada à cidade. Entretanto, esse consumo deve dispensar a cabeça - os filmes e qualquer coisa que demande a reflexão - Ou seja, para favela, vale apenas a passividade de quem engole qualquer coisa. Consumir todos podem, mas pensar e interferir na cidade não. Trata-se de democratizar o consumo e restringir a política.

Elvis e Madona, de Marcello Laffitte.

Elvis e Madona é um filme delicioso. Assisti ontem em um Odeon lotado que apaludiu o filme diversas vezes durante a exibição e o ovacionou enquanto os créditos subiam.
Trata-se de um filme cheio de frescor e humor, com atuações excelentes. Elvis e Madona tem forte diálogo com um certo tipo de crônica de costumes cariocas tendo Copacabana como espaço central. Copa é mundo! Quem mora por aqui entende bem o que isso quer dizer. Todas as críticas que o filme poderia receber são secundárias diante do prazer em acompanhar os mundos que o filme inventa. Filme para milhões de espectadores!

22 de set. de 2010

rápidas - Brasil

Primeiro não acho que dá para chamar de pobre o que o consumo e as pesquisas de opinião chamam de Classe C.
O cara da favela que está no esforço de colocar o filho na escola e trocando de geladeira, não se diz pobre.

Segundo, os caras estão muito virulentos. O discurso agora compara nosso período a um janguismo tendo a Dilma como a perspectiva ditatorial - Jabor disse isso! Imbecilidade.

Agora, a Dilma ir para o enfrentamento com a Folha? Não dá, deixa pra lá os caras que optam por destruir qualquer credibilidade em favor de uma eleição perdida.

29 de ago. de 2010

A favela de Serra

Curioso o debate em torno da favela cenográfica que Serra usou em seu primeiro programa televisivo.
Por todos os lados ouvimos a cobrança de verdade. Mesmo pessoas do PSDB vieram dizer que foi um erro. No Estadão de hoje - domingo 29/08 - o José Gregori é rápido ao dizer que o problema fora corrigido já no segundo programa.
O que me parece curioso é a exigência de indicialidade em uma propaganda em que tudo é ficção. Não digo mentira, mas uma construção para o público, com objetivos claros e transparentes. Nenhum eleitor tem dúvida de que ali se trata de imagens e candidatos bem lustrados e modelados. Mas, no momento em que se mostra uma favela, ela deve ser verdadeira.
Ninguém do PSDB foi a público dizer que se trata de uma referência à favela ou que o partido não queria perturbar os moradores ou qualquer outra desculpa. Também eles concordaram. Se é favela tem que ser verdadeira.
A favela é verdade, último bastião do real. Não é por outra razão que todo turista que vem ao Rio deve ir a uma favela, deve ver o que a cidade tem ainda de original e puro. Não é outro o motivo da indignação em relação ao programa de Serra.
Quando for possível fazer uma favela fake em uma campanha eleitoral elas terão mudado de estatuto na cidade.

20 de ago. de 2010

Carta aberta sobre as cotas na UFRJ

Carta aberta sobre as cotas na UFRJ


Ao contrário do que pretendem afirmar alguns setores da imprensa, o debate em torno de políticas afirmativas e de sua implementação no ensino universitário brasileiro não pertence à UFRJ, à USP ou a qualquer setor, "racialista" ou não, da sociedade. Soma-se quase uma década de reflexões, envolvendo intelectuais, dirigentes de instituições de ensino, movimentos sociais e movimento estudantil, parlamentares e juristas.
Atualmente, cerca de 130 universidades públicas brasileiras já adotaram políticas afirmativas - entre as quais, a das cotas raciais - como critério de acesso à formação universitária. Entre estas instituições figuram a UFMG, a UFRGS, a Unicamp, a UnB e a USP, que estão entre as mais importantes universidades brasileiras.
Em editorial da última terça-feira, 17 de agosto, intitulado "UFRJ rejeita insensatas cotas raciais", o jornal O Globo assume, de forma facciosa, uma posição contrária a essas políticas afirmativas. O texto desmerece as ações encaminhadas por mais de cem universidades públicas e tenta sugestionar o debate em curso na UFRJ. Distorcendo os fatos, o editorial fala em "inconstitucionalidade" da aplicação do sistema de cotas, quando, na verdade, o que está em pauta no Supremo Tribunal Federal não é a constitucionalidade das cotas, mas os critérios utilizados na UnB para a aplicação de suas políticas afirmativas.
Na última década, enquanto a discussão crescia em todo o país, a UFRJ deu poucos passos, ou quase nenhum, para fazer avançar o debate sobre as políticas públicas. O acesso dos estudantes à UFRJ continua limitado ao vestibular, com uma mera pré-seleção por meio do ENEM, o que significa um processo ainda excludente de seleção para a entrada na universidade pública. Apesar disso, do mês de março para cá, o debate sobre as cotas foi relançado na UFRJ e, hoje, várias decisões podem ser tomadas com melhor conhecimento do problema e das posições dos diferentes setores da sociedade em relação ao assunto.
Se pretendemos avançar rumo a uma democracia real, capaz de assegurar espaços de oportunidades iguais para todos, o acesso à universidade pública deve ser repensado. Isto significa que é preciso levar em conta os diferentes perfis dos estudantes brasileiros, em vez de seguir camuflando a realidade com discursos sobre "mérito" (como se a própria noção não fosse problemática e como se fosse possível comparar méritos de  pessoas de condição social e trajetórias totalmente díspares) ou sobre "miscigenação" (como se não houvesse uma história de exclusão dos "menos mestiços" bem atrás de todos nós).
Cotas sociais - e, fundamentalmente, aquelas que reconhecem a dívida histórica do Brasil em relação aos negros - abrem caminhos para que pobres dêem prosseguimento aos seus estudos, prejudicado por um ensino básico predominantemente deficiente. Só assim os dirigentes e professores das universidades brasileiras poderão continuar fazendo seu trabalho de cabeça erguida. Só assim a comunidade universitária poderá avançar, junto com o país e na contra-mão da imprensa retrógrada, representada por O Globo, em direção a um reconhecimento necessário dos crimes da escravidão, crimes que, justamente, por ainda não terem sido reconhecidos como crimes que são, se perpetuam no apartheid social em que vivemos.

Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2010

Assinam os professores da UFRJ:

Alexandre Brasil - NUTES
Amaury Fernandes – Escola de Comunicação
André Martins Vilar de Carvalho - Filosofia/IFCS e Faculdade de Medicina
Anita Leandro – Escola de Comunicação
Antonio Carlos de Souza Lima – Museu Nacional
Clovis Montenegro de Lima - FACC/UFRJ-IBICT
Eduardo Viveiros de Castro – Museu Nacional
Denilson Lopes – Escola de Comunicação
Fernando Rabossi - IFCS
Fernando Alvares Salis – Escola de Comunicação
Fernando Santoro - IFCS
Flávio Gomes - IFCS
Giuseppe Mario Cocco - Professor Titular, Escola de Serviço Social
Heloisa Buarque de Hollanda – Professora Titular, Escola de Comunicação/FCC
Henrique Antoun - Escola de Comunicação
Ivana Bentes – Diretora, Escola de Comunicação
Katia Augusta Maciel - Escola de Comunicação
Leonarda Musumeci – Instituto de Economia
Lilia Irmeli Arany Prado – Observatório de Valongo
Liv Sovik – Escola de Comunicação
Liz-Rejane Issberner - FACC/UFRJ-IBICT
Marcelo Paixão – Instituto de Economia
Marcio Goldman – Museu Nacional
Marildo Menegat – Escola de Serviço Social
Marlise Vinagre - Escola de Serviço Social
Nelson Maculan - Professor titular da COPPE e ex-reitor da UFRJ
Olívia Cunha – Museu Nacional
Otávio Velho – Professor Emérito, Museu Nacional
Paulo G. Domenech Oneto – Escola de Comunicação
Renzo Taddei – Escola de Comunicação
Roberto Cabral de Melo Machado - IFCS
Samuel Araujo – Escola de Música
Silvia Lorenz Martins - Observatorio do Valongo
Suzy dos Santos – Escola de Comunicação
Tatiana Roque – Instituto de Matemática
Virgínia Kastrup – Instituto de Psicologia
Silviano Santiago, Professor emérito, UFF
Alabê Nunjara Silva, graduando em RI, UFRJ

4 de ago. de 2010

Post pessoal - Turquia

Amanhã vou para Istambul apresentar um trabalho no Visible Evidence.
Acho que pela primeira vez na vida vou para um país novo sem dedicar muito tempo tentando conhecer minimamente a história, a cultura, a comida, a música, a arquitetura, etc.
Essa situação me faz lembrar aqueles personagens do Bauman que percorrem o mundo sem sair de casa e chegam em qualquer hotel conseguindo acender as luzes no escuro, uma vez que os interruptores estão sempre no mesmo lugar, seja em Istanbul ou em Tókio.
Minha conexão até agora tem sido via Erkin Koray, um músico dos anos 60, ainda vivo. Ouvi dois discos brilhantes. Uma sonoridade que nos é familiar com ecos de todo experimentalismo e rock dos anos 60 e, ao mesmo tempo, fortemente turca, marcada pela presença do Bağlama e da Darbouka que é aquela percussão que produz um som bem seco.
Ao mesmo tempo, cheguei a pensar em inventar dispositivos para explorar a cidade. Não sair de um bairro, durante toda a estada, por exemplo. Mas tudo parece tão complexo e grande que meus poucos dias sem trabalho se resumirão ao turismo óbvio: Reina Sofia, Mesquita Azul, Grande Bazar.
Erkin Koray próximo, vou a cata dos lugares que dialogam com essa música.

Campanha do OMO - da soap-ópera ao soap-control

Veja o link para a nova campanha da OMO (sabão em pó). Matéria da Advertising Age.

A campanha é baseada na seguinte premissa. O prêmio irá até o ganhador e não o ganhador até o prêmio.

O consumidor compra o sabão e de repente é surpreendido pelo prêmio que bate na sua porta sem que ele jamais tenha dado o endereço para qualquer pessoa.

Essa nova campanha do Omo é o retrato desse caldeirão em que se misturam o controle policial, o espetáculo - que inclui a soberba tecnológica - e o capitalismo biopolítico.

Trata-se de um tubo de ensaios para as futuras ações do comércio.

Atrelado a um chip, as caixas de sabão poderão informar ao supermercado que o sabão está acabando e uma nova caixa será entregue na casa do consumidor.

Com o gps, esse material poluente poderá ser monitorado e encaminhado aos depósitos com reciclagem.

Como se vê, as vantagens são evidentes. Para isso, precisamos "apenas" permitir que tudo que consumimos venha acompanhado de um micro-chip, permitindo que tenhamos nosso consumo monitorada em filigrana e que o caminho de nosso consumo seja monitorado. Ainda não ouvi falar em GPS para alimentos, comeremos GPS?

Claro que a Advertising Age acha tudo lindo! A intrincada relação entre estratégias de controle pessoal e consumo ainda está engatinhando.

2 de ago. de 2010

Sarkozy, imigração e escola

Sarkozy fechou a semana fazendo uma discurso forte em relação a imigração.

A posição mais contestada é a de retirar a nacionalidade francesa “de quem não a merece”, um gesto que os franceses chamam de déchéance. Sarkozy pretende criar os sem-nacionalidade (Lula podia bem dizer que está disposto a recebê-los), uma vez que no próprio discurso ele reclama de franceses de terceira geração que até hoje não se integraram.

Uma seqüência de absurdos. Acabei de ler o discurso com um nó na garganta. Certo, sabemos quem é Sarkozy, mas há uma radicalização do discurso em direção à extrema direita que, independente das questões eleitorais francesas, faz eco com a história da Europa do século XX, de nazismos e fascismos, e que sempre assusta quando se faz presente, sobretudo em um político no poder. Não é por acaso que depois desse discurso vários comentaristas compararam a atual posição do presidente com o regime de Vichy.

No meio disso tudo, uma coisa me impressiona no discurso. Sarkozy dedica muito tempo falando da escola. Não apenas de macro-políticas de educação, mas do cotidiano e da sala de aula.

Me parece que há algo evidente ai. Com sabemos, a escola pública francesa é muito forte, apesar do enfraquecimento que vem sofrendo nos últimos anos, com crescentes saídas de alunos de elite das públicas em direção às privadas. Nesse ambiente das escolas públicas, o embate se evidencia. O que nas cidades está isolado, banlieu e centro, nas escolas não. Ali, professores e administradores tem que conviver com o país que existe hoje e não com o ideal francês da direita. Como é possível dizer que a terceira geração de imigrantes não se integrou? Eles são o país, queiram ou não! Pois é na escola, sobretudo nas que não estão em Paris, que imigrantes, filhos e netos, convivem com aqueles que Sarkozy diz que "merecem" ser franceses. O seja, o país está se jogando na escola.

Tenho a impressão que a França irá "resolver" o problema como o Brasil. Ou seja, isolar a pobreza na escola pública e evitar assim a politização da escola. O discurso do presidente francês é claro. O problema da escola é um problema de imigração.

Por um lado é tão lamentável que a França tenha no poder esse discurso, essa prática, por outro, a escola ali ainda é um lugar de luta, enquanto aqui é um lugar de exclusão.

Fora isso, impressiona a falta de disponibilidade para que a escola seja pensada dentro de outro formato. Como tão bem aparece no “Entre os muros da Escola”, o modelo disciplinar é falido para uma grande parte da população. O que significa isso? Sarkozy tem a resposta: a população está errada e no limite pode perder a nacionalidade e ser expulsa.

31 de jul. de 2010

O evangelho Segundo Teotônio, (1984) de Vladimir Carvalho

Notas para uma conversa sobre o filme
Festival Brasileiro de Cinema Universitário 2010
Caixa Cultural -  30/08/2010


O evangelho Segundo Teotônio, 1984 de Vladimir Carvalho
A dificuldade em comentar esse filme está em grande parte na força do personagem.
A atenção precisa estar no detalhe, nas opções que podem parecer apenas "naturais" uma vez que se tenta documentar alguém, contando sua vida. Trata-se de atentar para óbvio, nenhuma vida está pronta para ser narrada, ou melhor, uma vida é uma narração com o real.
Guardo uma admiração pela obra engajada de Vladimir Carvalho. Uma obra que se engaja no que acredita, normalmente as boas causas - no meu ponto de vista, é claro -, uma obra disposta ao embate, um embate que Vladimir faz com as armas que tem  mão, a câmera, a montagem. Nesse engajamento,  Vladimir sempre se dedicou ao homem comum, aos pequenos gestos, ao trabalho, à forma de ocupar o tempo, mas claro, pautado por um aguçado sentido de liberdade, de resistência às opressões.
O evangelho Segundo Teotônio, é preciso destacar, se trata de um filme maduro, de um cineasta com mais de 20 anos de carreira e que se permite abordar um personagem difícil, sendo muito generoso com o filme e com o personagem. A marca de Vladimir aparece na maneira com que de identifica com Teotônio, pelo desejo de luta, um desejo amparado pelo desejo e curiosidade pelo povo. Também por uma liberdade desgarrada, freqüentemente quixotesca.
Como escreveu o Carlos Alberto Mattos: “O uso maciço da poesia e da música é outra característica destacada na obra do documentarista, que rejeita o purismo dos não-intervencionistas. Com isso, erigiu-se numa espécie de rapsodo, movido ora pela indignação, ora pela admiração, mas nunca pela curiosidade indiferente. Seus filmes operam no registro da empatia, deixando o autor transparecer em cada decisão de corte, em cada escolha sonora, em cada tijolo da edificação”.  (Carlinhos)
Os filmes de Vladimir são atravessados por essa admiração pelo homem simples, e, em Teotônio, essa é a chave para entendermos o personagem.
Desde o primeiro plano do filme a opção é clara. O plano geral se fecha em zoom deixando fora de  quadro o realizador e se concentrando no personagem, em Teotônio Vilela.
Certo, trata-se de um personagem ambíguo e é isso que o filme destacará, sobretudo nas entrevistas com políticos que o conheceram de perto.
Mas, mais do que isso, o filme me parece possui uma tese e essa é talvez o ponto mais importante da minha fala. A tese, talvez óbvia, diz mais ou menos o seguinte:
Teotônio era um homem de esquerda, na política entra para a direita para depois assumir posições nacionalistas e libertárias, mas essa passagem de um campo a outro, estava dada na sua história, na maneira como cresceu, na forma como lidou com o campo, com a natureza e com a gente simples.
Nesse sentido, talvez o filme, que começa com a música: Menestrel das alagoas, em que o refrão diz: quem é esse?
Talvez tenha chegado ao fim do filme sabendo quem era esse e com a montagem tentará explicitar para o espectador.
O filme é nitidamente dividido em duas partes.
1 - Na primeira, construída cronologicamente, acompanhamos a Gênese do Senador. O trabalho, o campo, o pai e a mãe, as memórias.
Nessa primeira parte, Vladimir faz uma costura entre dois tons: a informação e a digressão.
Por exemplo, ao falar do pai, descobrimos alguns dados biográficos do pai para logo nos concentrarmos em seu radical agnosticismo, essa digressão logo ganha um tom poético:
“Você me cutucou para o passado”: entra música - filme compartilha e corrobora a reflexão de Teotônio que nesses momentos é muito menos fundada na informação do que em uma certa experiência com o cotidiano, uma experiência que no limite é estética, da relação com os animais, com o aboio, atenta aos detalhes.
O milho arrebenta a terra, diz Teotônio, e o filme está lá para corroborar sua visão. A câmera entorta e a música simula o som do milho arrebentando.
É essa relação estética com o mundo, com a natureza, com os sons e com as pessoas é o que nos leva para a bela seqüência em um bar em que são contados causos, amigos são encontrados. O filme ali é um promotor de encontros afetivos, constrói o personagem junto ao povo, rindo, alegre.
- Os operários eram meus irmãos, diz Teotônio num certo momento, e nada no filme desmente essa percepção que o personagem tem de si.
Nessa primeira parte então a política não entra, apenas informações que são mediadas por uma relação afetiva com a vida e com as coisas e pessoas simples.
Parte 2
Com mais de 35 minutos de filme, depois de ter construído esse personagem empreendedor, ligado a natureza, disposto ao trabalho duro e afeito ao povo em sua dimensão poética, o narrador volta para nos dizer que por motivos externos -  a quebra do preço da açúcar,
-       Teotônio é obrigado a abraçar a política!
Essa frase é muito curiosa. Ela é dita pelo narrador (a). Trata-se de uma conclusão tirara pelo filme. A política não era uma opção, um destino - isso que Teotônio não gosta - mas uma obrigação. A política aqui é uma fatalidade.
Tal frase tem ecos platônicos, se quisermos. Segundo Platão, a pior pessoa para exercer o poder é aquela que deseja o poder. Tal percepção levaria à escolha daqueles que devem estar no poder a uma escolha feita por sorteio.
Talvez esse fosse o princípio democrático por excelência: Por dois motivos. Primeiro que o poder seria exercido por aqueles que não o desejam, segundo que o escolhido será aquele, ou aqueles, que não tem nenhuma legitimidade outra, além de ser do povo, para estar no poder, não é nem a aristocracia (poder dos melhores) nem a plutocracia (poder dos mais ricos) nem a Theocracia, (poder dos religiosos), nem a gerontocracia (Do grego geron, o mais velho - governo dos mais velhos).
Teotônio assume a política por questões pessoais e tem plena legitimidade democrática para estar ali: sai do povo e não tem legitimidade especial, nem faz da política um lugar para representar algo ao qual já pertence
Nesse sentido, Teotônio está no lugar de torna-se um sujeito político, ou seja, não ser aquele que representa, mas aquele que rompe relações estagnadas de classe e de identidades.
É justamente esse lugar que o filme dará ao político.
Essa segunda parte será pautada pela macro-política: questões de terra, de prisioneiros políticos, de greves no ABC, de eleições, presidência do PMDB, disputas palacianas etc.
Nesse momento o filme se abre para um novo registro, construído com entrevistas com pessoas que conheceram Teotônio e tem algo para falar sobre ele. Esse conhecedores, no informam,  sobretudo, que Teotônio era um inclassificável.
Os adjetivos vão todos nessa direção: inclassificável, paradoxal, autocrítico, complexo,  nem de direita e nem de esquerda.
Teotônio é obrigado a entrar na política e, de certa maneira, está acima dela.
- Ele é o Teotônio, como diz uma dos entrevistados. Tão solitário quanto naquelas noites e dias em que levava o gado. Teotônio é engajado mas não filiado, preso a idéias estanques.
Seu engajamento com causas populares e nacionalistas tem uma linha de continuidade com o homem que conhecemos no interior das Alagoas. E é assim que o filme constrói “um herói da anistia”
- Praticamente um socialista..., diz alguém.
Neste desgarramento engajado, Teotônio participa no início dos anos 80 - da redemocratização e em 80, faz a medição do confronto entre estado e trabalhadores
Com perspicácia, o filme dá especial atenção ao ABC, intuindo que ali se jogava o futuro do pais, certamente influencia o fato de termos nesse momento depoimentos fortes de Teotônio no calor da hora, em plena movimentação.
É nesse momento que o filme traz um plano emblemático, de grande importância na sua materialidade histórica. Em um plano, sem cortes, o filme passa de Teotônio para Lula, na rua, em plena mobilização do ABC.
Lula não pode falar, “fala com os advogados, é melhor.”
A força do documentário: A tensão está ali, em meio a uma situação que está se jogando ali, naquele instante.
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Na parte final do filme, temos mais uma espelhamento entre uma dimensão pessoal e os reflexos na política. A doença o torna um radical.
 - O Delfin é jumento,
 - O Langoni, descomposto
 - O Tuma é embaixador do arbítrio
Como presidente do PMDB, novamente ele está no centro, na tensão dos acontecimentos. No silêncio de Fernando Henrique ao lado de Teotônio. Henrique Cardoso vestido com velhas roupas de inverno, trazidas ainda da época do exílio, tenho a sensação que o filme ainda não sabe a significação histórica daquelas imagens. Henrique Cardoso está longe de se tornar presidente, Lula então.... Essa falta de contexto para aquelas imagens faz com que o filme se alongue, como que nos deixando claro que aquelas cenas ainda não se articulam.
Teotônio, no calor dos acontecimentos, defende a classe operária, “pode sentar com o presidente”, mal sabia ele que estava ali, cercado pelo classe operária que assumiria a presidência e não que sentaria com o presidente.
O filme percebe que ali  - nas greves, nas diretas, naqueles personagens - Henrique Cardoso, Lula, Covas, Ulisses - há algo acontecendo e, sem pressa, espera os discursos, deixa  o narrador minimante presente, retira as músicas, o realizador não aparece mais.
O discurso de Teotônio, de esquerda e contra o imperialismo, assume o filme e o silêncio do próprio filme é uma maneira de compartilhar e aderir ao discurso de “esquerda nacionalista” que ali se ensaia.
No final do filme, temos uma síntese das duas partes do filme que se juntam pela música dos créditos, a morte, a radicalidade revolucionária, a infância com o som do milho se rompendo. Somos apresentados assim à trajetória circular da vida de Teotônio, um desfecho ideológico e política em perfeita harmonia com o homem simples engajado com as coisas simples e essências.


25 de jul. de 2010

Philippe Descola no Quai Branly

Oi Barbara,

Na sequência dos teus comentários no twitter que reproduzo abaixo:

1 - Fui ver a tal da exposição onde o Philippe Descola propõe 4 classificações das imagens. Proposta boa mas apresentação simplória.

2 - Me parece q o Descola cai numa arapuca: como colocar lado a lado, em 4 categorias (animismo/totemismo/analogismo/naturalismo) fabricação histórica de imagem com fabricações que são, por desejo desejante, a-históricas??? FABRIQUE DES IMAGES: http://bit.ly/b805pX


Antes de tudo tive um prazer nessa exposição, uma certa experiência e curiosidade, maior que normalmente tenha nas exposições, seja no Branly ou em outros lugares em que as imagens desse tipo são expostas dentro de uma ordem cronológica ou geográfica. Nesse sentido, me agrada o esforço do Descola de encontrar linhas comuns que atravessam esses quatro modos de representação, para além do contexto, é verdade. Mas, não seria essa a possibilidade dessas imagens voltarem a existir, não sendo apenas objetos que presentificam outras culturas, alienadas - a não ser pelo colonialismo -  da nossa? Mais, esse gesto não se constitui em uma forma anacrônica de se fazer história, uma história pelos modos de ser do observador?

Fiquei ainda me perguntando se quando nos aproximamos do perspectivismo e do multinaturalismo ameríndio, via Viveiros de castro, não estamos fazendo um gesto parecido do Descola. Ou seja, operando passagens conceituais entre um universo "encantado", do animismo, por exemplo, e um universo histórico? 

Acho que, no limite, o Descola respeita esse universo em que humanos e não-humanos não estão separados, o que dificulta a própria história, não? Nesse sentido, acho que o ele não está interessado em história não - nem as categorias são históricas - , o esforço é de que aquelas imagens sobrevivam à partir do modo como elas operam como o mundo, do modo como elas aparece à partir de formas específicas de ver/estar no mundo.

Obrigado pela provocação. meu abraço



19 de jul. de 2010

Paulo Renato e a meritocracia.

A entrevista de Paulo Renato para a Veja

Se faltam motivos para não se votar no Serra, vale ler a entrevista.

Todo o discurso do ex-ministro (governo Henrique Cardoso) é pautado pela meritocracia, sem nenhuma reflexividade em relação à essa adesão absoluta.

Nesse sentido, lembro um leitura recente de Luc Boltanski no livro, De la Critique em que o sociólogo coloca alguns pontos sobre a meritocracia.

Destaco dois:

Em uma sociedade pautada pela meritocrática, deve-se enraizar as competências dos atores sociais, mas, para isso, há um problema, as provas de competência não podem ser feitas o tempo todo, assim como as competências não são estáveis e apropriadas às variações que o próprio contexto demanda. Ou seja, nem os sujeitos são sempre competentes, nem essa competência tem sempre como ser avaliada, nem o lugar em que essa competência irá ser usado é imóvel. Para estabilizar essas competências, Boltanski diz que essa sociedade pautada exclusivamente pela meritocracia "é facilmente ameaçada por uma forma ou outra de racismo ou, ao menos, de naturalismo biologisante"(p.60)

O desdobramento do argumento é divertido, se não trágico:
Para que uma prova meritocrática seja realmente justa cada prova deve considerar as necessidades das capacidades da pessoa, deve considerar a pessoa em particular em situações particulares. Tal prova meritocrática impossibilitará qualquer comparação entre sujeitos o que torna essas provas inúteis.

A não ser que, claro, optemos (segundo ponto) por deixar de lado a noção de justiça e as provas meritocráticas tenham como fim a maximização das diferenças entre indivíduos concorrentes. Individualização e uniformização das diferenças - subjetivas, sociais, etc, - eis a forma da meritocracia funcionar.

Quem conhece um pouquinho a universidade sabe o que isso significou na época do Henrique Cardoso.

15 de jul. de 2010

O problema é a Turquia e o Brasil, não o Irã.

Breve nota na Folha de hoje traz declarações impressionantes do diplomata britânico Alastair Crooke.
O diploma explicita que as sanções contra o Irã feitas pelo conselho de segurança foram mais voltadas para o Brasil e para a Turquia, com o interesse de manter a atual ordem hegemônica americana, do que, propriamente, contra o Irã.

Da Folha: As sanções "expressaram os temores americanos diante da evaporação do respeito pela liderança dos EUA e sua preocupação com a ascensão das novas potências’. Em suma, elas ‘visaram a tratar rudemente [stiff] duas dessas novas potências, Brasil e Turquia’, que precisavam ser ‘colocadas na linha’.

O diplomata já havia escrito sobre o acordo em Maio:
http://mideast.foreignpolicy.com/posts/2010/05/26/secretary_clintons_cold_shoulder_on_the_iranian_fuel_swap_deal

8 de jul. de 2010

LINKs para referências citadas no labculturaviva

  1.  Cicero Silva: Editores de Vídeo online - 1) www.jaycut.com/ > 2) www.moviemasher.com/ > 3) www.gorillaspot.com/ 
  2.   Cicero Silva: Play power - Jogos para computadores de 10 USD - http://playpower.org/ 
  3. @alemos: Milk Project / Esther Polak - http://migre.me/Voj5
  4. @alemos: crossroads (what to do) by Garvin Nolte - http://vimeo.com/12748440 
  5. @gbeiguelman: Mobile Crash / Lucas Bambozzi - http://migre.me/Vo3Q

  6. @gbeiguelman: Tokojin Yoshioka / Hérmes - http://migre.me/VnZR

  7. @gbeiguelman: Vodafone Symphonia - http://migre.me/VnYp

28 de jun. de 2010

copie conforme - kiarostami

Toda história de amor tem algo de loucura.
A partir disso vamos ao filme de Kiarostami.
Dois personagens, um homem e uma mulher, flutuam etre algumas linguas - italiano, inglês, francês - e pelo menos dois personagens para cada um deles.
Nesse universo que vai se construindo entre essas passagens, os personagens se adensam para além de um indivíduo. Eles são casados e não são, se conhecem há 15 anos e há um dia, são neuróticos, sempre.
O filme não abandona nunca o casal e quanto mais nos aproximamos deles, menos sabemos sobre a relacão que eles tem.
Kiarostami aparece absolutamente surpreendente em seu primeiro filme ocidental. Lindo!

23 de jun. de 2010

O jornalismo da Globo


Esse vídeo é realmente surpreendente.
Os jornalistas deveriam pedir demissão depois de serem colocados em papel tão absolutamente ridículo, fingindo-se atores com o texto de editorial.
Tudo é tão frágil e indelicado na estratégia da emissora.
Realmente, é uma episódio muito revelador dos princípios éticos da Globo.
Vale lembrar ainda que através do jornal O Globo - pelo menos -  tentou-se pressionar a FIFA a punir Dunga.
Que disputa bisonha. Um poço de ressentimento e tristeza de ambos os lados.

5 de jun. de 2010

Beijos Proibidos e Lola Montès

Enorme prazer essa semana com dois filmes intensamente criativos, inventores de mundos enlouquecidos, independentes.
Lola Montès, do Max Olphus, que Deleuze disse ser um cristal inviolável.
Cristal perfeito.
Não há nada que possa destruir aquele mundo que se descolou de qualquer coordenada espacial ou temporal.
O filme é invenção dentro do inventável!

O outro filme é Beijo Proibidos, do Trufaut. Um roteiro de uma liberdade deliciosa. Cheio de entradas e estranhamentos.
Leaud em seu esplendor.

São filmes que no lugar de nos prolongar alguma emoção ou humor conhecido, nos invadem com mundos inimagináveis. Como se ao lado do cotidiano e do que conhecemos, um outro mundo aparecesse.

Merci la vie!

US- resta a força bruta

O evidente declínio do império americano só tenderá a radicalizar o uso da força.
A reação americana ao acordo Brasil/Turquia/Irã é parte disso.
O terror de estado praticado por Israel também.
Teremos nas próximas décadas urgencia em lidar com o fim de um império que cada vez mais tentará fazer valer seu poder pela força.

14 de mai. de 2010

Programa da Dilma na TV

O programa do PT exibido essa semana segue o padrão "história de vida".
O Lula diz que o que ele mais admira na Dilma é a sua história.
É uma forma do Lula se perpetuar, ninguém terá uma história melhor que a dele.
O Serra vem fazendo a mesma coisa, cada vez que fala conta a história do pai, do sofrimento, da família popular.
O Lula empregnou ainda mais a política como lugar de quem merece estar ali pelo sofrimento e pelo sucesso pessoal.

Marcante ainda  no programa é que a Dilma e o Lula não falam para o espectador, mas para alguém fora do quadro.
NInguém acredita mais na fala para todos, como no JN. No final da campanha cada candidato contará sua história pessoal sussurando no ouvido de alguém.

Para manter a intimidade e a presença popular, Dilma vai ao interior conversar com uma senhora que recebeu luz em sua casa. Tudo está lindo e ela, representante do povo, termina o "encontro" agradecendo. "Muito obrigado por ter feito isso pra nós". Constrangedor. Já imaginou, uma entrevista com um professor universitário: - O prédio novo foi construido, muito obrigado por ter feito isso pra nós! O personalismo que esse tipo de eleição fomenta é desastroso e o pessoal da publicidade e do PT não consegue inventar nada fora disso. Uma pena.
Uma pena que um governo com tantos pontos fantásticos se rebaixe a esse tipo de comunicação popularesca.

30 de abr. de 2010

O Brasil pode mais!

Nem o PT seria capaz de elogio tão contundente e sutil ao governo Lula.
O Brasil pode mais!

A campanha da Globo, retirada do ar, é inacreditável.
 (link)
Foi ao ar na mesma semana que Serra colocava o seu slogan na rua.
(link)

As duas com o mesmo slogan que reverencia o atual governo.

As más linguas dizem que era uma estratégia da Globo para fazer campanha para o Serra, mas não é não. É pior.
Entre as pessoas da Globo e do Serra não há distância, elas estão nos mesmos restaurantes, nos mesmos sites, no mesmos cafezinhos depois da reunião. Trata-se de uma só galera.

- O que o Serra vai dizer?
- Pois é? Robada né?
- Só dá pra dizer que vai manter.
- O bolsa Família, o PAC, etc.
- Robada né?
- Cada coisa que fala que vai mudar perde voto!
- O negócio é que dá pra fazer mais coisa.
- Isso é verdade
- Ainda tem pobre né?
- Dá pra vender a Petrobrás, essas coisas...
- Pois é... No Brasil ainda tem coisa pra fazer.
- O Brasil pode mais né?
- Pode sim.
- Falou, deixa eu ir que o pessoal tá me esperando.
- Dupla ou simples?
- Dupla, com essa minha barriga a quadra tá ficando grande.
- Abração
- Outro

24 de abr. de 2010

Cineastas e Imagens do Povo, no CCBB

Enorme prazer de ver hoje no CCBB alguns filmes da mostra Cineastas e Imagens do Povo.
Aruanda, é um filme lindo. Com todas as questões, mas ali está o chão seco, o homem, o barro.
Me basta.
A Pedra do Reino, a mesma coisa. A voz do garimpeiro, a mão da criança na pá. Está tudo ali.
Não é possível julgarmos os filmes por conta de um gesto, de uma voz off e esquecer que as imagens estão ali, nos afetando.
Brasília segundo Feldman, Essas imagens existirem já seria o suficiente. Está tudo ali. A voz se esvanece com o tempo, as denúncias se dissolvem na magia de um país que se esboça nas imagens. O encanto e o desastre de Brasília estão absolutamente presentes.
Congo, ora, que filme infinito.
Lavra-dor, inventivo, forte.

Com todos esses filmes, Bernardet, os realizadores e agora os curadores dessa mostra, mais que fazer cinema, estão inventando um país, gostemos dele ou não, há uma invenção ali. Memória viva e pulsante dos últimos 40 anos. Ver e presenciar essa invenção em uma sala de cinema é inesquecível.

Marco Aurélio Mello "A ditadura foi um mal necessário"

Continuando o Post anterior.:
Se Piñera ainda tem esse prestígio, no Brasil a falta de uma Comissão da Verdade sobre o regime militar, como propõe o Plano Nacional dos Direitos Humanos 3, é o que permite que Marco Aurélio Mello, Ministro do Supremo nomeado pelo primo, Fernando Collor, diga que a ditadura militar foi um mal necessário. (http://www.redetv.com.br/portal/Video.aspx?113,24,89352,Jornalismo,E-Noticia,Marco-Aurelio-Mello-Bloco-3 - Aos 15min.)
Isso não é uma opinião que um ministro possa dar em público. É um insulto.
Se o argumento de Mello é que havia um perigo que se avizinhava, o forjado perigo comunista que tanto interessava os golpistas, mesmo argumento utilizado por Pinochet, então todas as ditaduras latino-americanas foram um mal necessário.

Mas o que, exatamente, foi um mal necessário?
Os mais de 100 mil torturados no Cone Sul?
Os 30 mil mortos na Argentina e destruição de uma geração?
A produção de países com extrema desigualdade social?
A OBAN e a participação de empresários no financiamento da repressão?
A lista de horrores seria bem extensa.

Depois de dizer isso, Mello volta para o supremo para julgar as mais importantes questões do país.

23 de abr. de 2010

José Piñera, o Chicago Boy em ação.

Em A Doutrina do Choque, Naomi Klein dedica uma parte importante de sua pesquisa ao Chile.
Nos anos 70, com o golpe contra Allende, o Chile se transforma em um país-teste para o liberalismo econômico radical, intelectualmente organizado por Milton Friedman e operado no Chile pelos Chicago Boys.
Os Chicago Boys era um grupo de jovens estudantes chilenos que nos anos 60 frequentam a Universidade de Chicago e são treinados para o liberalismo a la Friedman. Depois do golpe no Chile, eles são os principais responsáveis pela economia chilena.
Um dos Chicago Boys, até hoje orgulhoso com o título, era José Piñera. Formado em Chicago e Harvard.
Piñera foi responsável pela privatização da previdência social. Personagem importante no governo Pinochet.
Governo que nos 17 anos em que ficou no poder realizou coisas como:
Desmembrou as escolas públicas
Encontrou a hiperinflação e o desemprego de 30% da população em 1982.
Colocou em 1988 mais de 40 % da população abaixo da linha de pobreza.
Aumentou em 83% a renda dos 10% mais ricos.
Em 2007 o Chile estava entre os 10 países com a maior desigualdade do mundo.
A situação não foi pior porque Pinochet não privatizou a Codelco, estatizada por Allende e responsável por 85% das exportações chilenas.

Bem, pois apesar de ter sido peça importante nessa história de violência e aberrações sociais, Piñera ainda está no ar.
Para minha surpresa, cruzei com uma entrevista com ela feita pela Fox News. Piñera é tratado como um expert bem sucedido quando o assunto é previdência. Na Fox, ele diz o que os EUA tem que fazer. É simples; cada um paga 10% do que ganha, o governo não pode mexer nisso e no final da ele recebe o que economizou. Privatiza-se tudo. Em uma sociedade desigual, o estado simplesmente reforça a desigualdade.

Esse personagem ainda fazer parte do debate, é triste. Suas idéias pautarem a oposição ao governo Obama, é risível.

22 de abr. de 2010

O Globo vê coisas

Ibope: Serra amplia vantagem sobre Dilma

sem que nenhum dos dois candidatos tenham saído da margem de erro da pesquisa - Serra de 35% para 36% e Dilma de 30 para 29% -  o jornal consegue fazer a manchete acima.

é baixo!

19 de abr. de 2010

Eu-empresa 1 - com Carlos Hilsdorf

As estéticas e discursos produzidas pelo mundo das empresas, o mundo corporativo, são altamente reveladoras de um desejo de mundo que abarca muito mais que as empresas. Como diz o consultor (de empresas e muito mais) Carlos Hilsdorf nessa entrevista para a CBN: "se nós aplicássemos as ferramentas de gestão a nós mesmo, seríamos um "ser humano-empresa" melhor. O ser humano-empresa deve perceber onde estão suas forças, fraquezas, riscos e oportunidades".

Genial. Definitivamente não é através de um mergulho interior, uma reflexão introdirigida que o sujeito se fará melhor para si e para o mundo. Não é esse homo-psychologicus que constrói e é construído pela corporação. Mas, também não se trata se um sujeito que se constrói ao se narrar, que vive uma certa liberdade fluida pós-moderna. A narrativa aqui não é da ordem da organização e filtragem da memória e da história pessoal em que se mescla vivências e experiências públicas e privadas.

O ser-humano empresa é de outra ordem. Claro, ele é alter-dirigido. Deve ser construído para o outro, mas para escolher esse outro - uma espécie de público alvo - há de se ter talento. Uma vez escolhido o público alvo do eu inicia-se um processo de gestão que pode ser dividido em dois momentos. Aquele em que se avalia as forças e fraquezas. Não interessa qualquer força ou qualquer fraqueza, essa avaliação é um princípio de gestão e não um princípio de vida, por mais que as duas se confundam. Logo, nenhuma avaliação pode ser uma questão de princípio mas de aplicação. Por exemplo, um sujeito caseiro, dedicado à família e à poucos amigos, isso pode ser uma característica não qualificável como força ou fraqueza, mas uma vez que a ordem de organização do eu é a via da gestão, essas características devem, certamente, ser revistas. Falta a esse eu-caseiro uma maior sociabilidade, assim como um maior potencial em abrir uma maior "carteira de relações".

O eu-empresa opera na absoluta funcionalização de todas as caracteríticas do humano.

Depois de avaliada as forças e fraquezas o eu-empresa pode entrar em ação. Ver o mundo como risco ou oportunidade. Certamente que estes dois pólos são aplicáveis a tudo. Do jogo de tênis com os amigos (quais amigos?) às operações com o cartão de crédito. No meio disso, certamente, o trabalho e o auto-conhecimento.

Como nos diz  Carlos Hilsdorf, "o auto-conhecimento é um coisa estratégica".

Quando comentamos que no mundo contemporâneo a distinção entre vida e trabalho se tornou bastante fluida. O eu-empresa nos apresenta a fórmula acabada desse sujeito contemporâneo.

18 de abr. de 2010

Goldman Sachs entre o público e o privado.

Robert Zhurami é o principal agente da SEC Securities and Exchange Commission - agencia reguladora do governo americano- envolvido na investigação contra o Banco de Investimentos Goldman Sachs.
Durante 5 anos Zhurami foi "general counsel of the America" para o Deutsche Bank, até 2009.
Hoje, repercutindo o NYT e a Welt am Sonntag, o Globo faz uma matéria dizendo que o governo alemão está entre os que avaliam ir a justiça contra o GS.
Uma certa permissividade entre o público e o privado não é exclusividade latina, muito pelo contrário.
Detalhe, segundo o site Who runs Gov:  Khuzami donated $4,300 in 2007, including $2,300 to Sen. John McCain (R-Ariz) . Ai!

17 de abr. de 2010

Entrevista de Sérgio Besserman para a Veja

Sérgio Besserman tornou-se um especialista em Rio de Janeiro.
Como bom especialista ele circula entre o Jornal da Dez, na Globo News, a CBN e as páginas da Veja.
Constrói-se o espaço para o explicador da cidade.

Como bem desejam esses meios, os problemas da cidade são todos colocados na ordem da administração e qualquer reflexão de fundo, que exija pensar o modelo de desenvolvimento, baseado nos carros, na especulação e esquadrinhamento da cidade, na falta de reserva do solo para moradias populares, na elitização dos espaços de consumo, etc, não é questão.

Na entrevista da Veja SB explica o problema das favelas a partir de dois pilares.
1 - Falta racionalidade
2 - O estado é incompetente.

Claro que junto de seu discurso vem a acusação a todos aqueles que podem eventualmente serem críticos. Estes estão contaminados pelos "vícios populistas" que são produtores de favelas.

Mas, mesmo correndo o risco de ser "populista", entendo que a posição de SB, merece algumas considerações.

Primeiramente não é possível falar em remoção de favelas sem falar  na organização urbana como um todo.  O privilégio que certas áreas tem em relação a outras; no funcionamento dos transportes, nas ofertas de cultura, na organização imobiliária, na coleta de lixo, na existência de escolas e hospitais, etc, será sempre parte da existência das favelas.
Nesse sentido, não existe a possibilidade, fora de um certo cinismo elitista, de se falar de remoção de favelas sem que a cidade como um todo seja colocada em questão.

Ninguém mora em área de risco porque quer, mas porque avaliou os riscos e ali significa o menor deles. O risco de ficar longe de um hospital ou longe de uma escola para os filhos é parte do que leva uma família para uma favela.

Quando se fala que há uma população que vive em uma área de risco, devemos perguntar: mas de qual risco ela está se livrando fazendo essa opção?

Certo, não desejamos favelas, nem os moradores das favelas as desejam. Mas falar que elas são fruto do populismo  deste ou daquele governante é esquecer que em TODAS as grandes cidades do Brasil e da América do Sul existe uma massa de pessoas vivendo em condições precárias e, claro, esses lugares se sustentam entre a desobediência civil e a ilegalidade. Tal ordem - ou desordem urbana - é parte de um modelo de desenvolvimento, em relação a isso, o Rio não tem nenhum privilégio. Caracas, Buenos Aires, Recife, para começar a lista com nomes bonitos.


Talvez a fala mais chocante de SB seja essa:

"as áreas favelizadas provocam uma acentuada degradação da paisagem da cidade, um ativo cujo valor é incalculável. Portanto, quando uma análise de custo-benefício revelar que a realocação de uma favela trará retorno financeiro e social elevado, por que razões não cogitar sua remoção?"

Primeiro porque tão degradante para a paisagem da cidade é um prédio como os que cercam a lagoa Rodrigo de Freitas, mas esse seria o menor dos problemas. O maior problema é pautar a ordem urbana pela valorização da paisagem e não por princípios democráticos. O que não significa que cada um pode ficar onde quiser, mas pensar qual a cidade mais inclusiva em termos de bem estar, circulação, acesso a serviços e bens? Certamente que o discurso da remoção baseada na valorização da paisagem não responde a esses princípios democráticos.

A fala do Besserman se instala em um discurso que parte de premissas corretas para tirar conclusões elitistas. Sim, as favelas são um problema, sim, existe ali um forte potencial para a ilegalidade e o estado é frequentemente conivente. Entretanto, a remoção sem uma reorganização e uma democratização urbana é de um simplismo primário.
As favelas são ruins, logo é preciso removê-las - eis a lógica que mantém as cidades como estão e se joga para longe aqueles que estão atrapalhando.

CQC, Barueri e o desejo de corrupção

Realmente, a matéria do CQC em Barueri é espetacular.

Como sabemos, espetacular não quer dizer que ela é boa, mas que nos mobiliza em sua dimesão excesiva.
É difícil não tirar grande prazer em ver corruptos e autoridades concentradas em suas auto-promoções sendo expostos ao ridículo.
Mas, se o programa nos dá toda essa satisfação é bom desconfiar.

Primeiramente, a TV assume um papel que faz com que o entretenimento ande junto do papel de polícia. Tal prática é corriqueira em programas populares que não só fazem as vezes da polícia mas também do juiz e do carrasco.

Investigar, julgar e penalizar são ações contíguas a uma mesma emissão, tudo isso com o ritmo do espetáculo, com a música bem escolhida, com a ironia e a precisão do humor dos rapazes do CQC.
Pois, o primeiro estranhamento diz respeito então a esse papel da TV.

É essa a televisão que queremos e que nos mobiliza? Policial e vingativa, fazendo justiça com as própria mãos. Note que este questionamento deve ser feito antes de a TV ter escolhido a causa - a corrupção, um assassino, um artista excentrico, não interessa.
Unir essa lógica da política com a do sistema de julgamento e punição é que me parece especialmente grave, não apenas por que entregamos para uma emissora privada o direito de escolher que investigação fazer e como julgar, mas, também, porque deixamos que a lógica do espetáculo tenha primazia sobre a lógica da justiça.

Podemos perceber bem no caso do CQC em Barueri o funcionamento que subsume o justo ao espetacular.
Antes de tudo, para o CQC, a corrupção é desejada.
Tudo começa com uma televisão de plasma de 32 polegadas. Há um abuso de poder econômico ai. Nas escolas públicas não há espaço simbólico para essa televisão. O que é o sonho de consumo privado o CQC leva para o espaço público, para escolas que lidam com outras carências, outros "sonhos".
O CQC, antes de documentar a corrupção é o corruptor. Claro que nada justifica o roubo que a funcionária da prefeitura faz, mas ao doar uma TV desse tipo para uma escola, o programa da Bandeirantes e seus anunciantes  tratam o estado como o inimigo que deve ser humilhado em sua pobreza e fragilidade.
O CQC escolhe ainda um período sem aulas para a doação.
Por todos os lados o CQC vai se garantindo, feliz por garantir o espetáculo, com a certeza de estar do lado certo, contente por corrigir a sociedade.

Doutrina do Choque, de Naomi Klein.

Leio com grande interesse a Doutrina do Choque, de Naomi Klein.
Jornalismo americano engajado em demonstrar como o neoliberalismo dos últimos 30 anos dependeu de guerras, desastres naturais e políticos e muita tortura para poder implementar suas práticas. De Pinochet ao Iraque, passando pelo Katrina e o 11 de setembro, a autora constrói um quadro cheio de exemplos e ao mesmo tempo investigativo.
O primeiro capítulo do livro é dedicado a uma longa história que relaciona o estado americano e a tortura como método.
Voltarei ao livro.
Um dado: antes do furacão Katrina, New Orleans possui 123 escolas públicas, agora são 4.
Não para de pensar na remoção das casas do Alemão anunciadas na semana que as chuvas causaram tamanho estrago na cidade.

Para baixar o livro A doutrina do Choque, Naomi Klein: http://migre.me/xbtD (em inglês) - em Português lançado pela Nova Fronteira (o livro, instigante e de fácil leitura custa quase 80 reais. Esses editores... Ou estão boicotando ou são muito incopetentes mesmo.)

Carteira de Relações

E ai ele me diz assim, tentando explicar porque não vai deixar a empresa em que está.
- Eu preciso também levar em conta que a "carteira de relações pessoais" que eu estou fazendo nessa empresa não tem preço.

Relações, carteira? O cinismo que leva alguém a dizer isso como se fosse algo normal agride.
A carteira de relações dele é anterior ao fim que pode ter uma relação. Por que estamos juntos? O que podemos fazer juntos?
Fiquei pensando na minha carteira de relações pessoais.... Não passei de uns 3 ou quatro autores, todos mortos.

10 de abr. de 2010

Em meio à tragédia causada pela chuva e pelo capitalismo

Infelizmente nenhuma matéria em nenhum órgão de imprensa começou assim.

A chuva é muito importante, assim como o capitalismo é o nosso mundo hoje e não estou aqui para negá-lo, mas da mesma forma que o excesso de água causou as mortes, nossas opções por um determinado tipo de exploração das cidades também. E, essa exploração da cidade, fundada nas separações drásticas entre ricos e pobres em que a especulação é anterior ao bem estar urbano é próprio da inundação de capitalismo que nos afoga.

O que vimos em meio à tragédia foi uma culpabilização constante da população que mora nos morros e nas "áreas de risco". Para a mídia e muitos governantes, ser pobre é ser irresponsável para consigo mesmo, uma vez que ao morar em uma área de risco estaria colocando a vida em perigo e perante a sociedade, uma vez que os "invasores" não pagam os devidos impostos.
Repete-se isso incessantemente.
O vontade de não querer entrar no problema faz com que os defensores dessa organização criminosa da cidade fundamentem suas posições no preconceito mais deslavado.

Alguém pode imaginar que um morador de uma favela acha que está em plena segurança ali?
Alguém pode imaginar que ele não preferia estar na altura do asfalto, sem ter subir centenas de metros a pé?
Ou ainda, alguém imagina que agrada estar em um lugar com péssimas condições sanitárias?
Obvio que não.
Trata-se justamente de uma avaliação de risco.

As pessoas que moram nas ditas áreas de risco ali estão porque as opções que lhe são dadas trazem ainda mais risco.

Morar longe dos centros empregadores e o risco de não ter trabalho, o risco de ter uma escola pior para os filhos, o risco de não ter acesso a nenhum bem cultural, o risco de dormir no emprego depois de passar 2 horas em pé no trem.

Post com tom de desabafo, é verdade. Mas a tragédia na cidade serve antes para reafirmar um modelo de especulação do que para questioná-lo e isso é feito chamando pobre de burro e irresponsável.

Indico vivamente a entrevista com a Raquel Rolnick sobre a questão urbana nas grandes cidades : http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=8037

25 de mar. de 2010

"Be stupid"- Biopoder e a Diesel

Recentemente coloquei um link no Twitter para a mais nova campanha da Diesel.
Link
A primeira vista, trata-se apenas de mais um caso de cinismo, típico do modo como o capitalismo se legitima hoje.
Ou seja, be stupid - como nós - não critique, não pense, não reflita nem mesmo sobre o fato de eu estar te chamando a ser estúpido.

Como temos visto, a falência da crítica, como chamou o Safatle, está ligada à forma como o enunciado capitalista já contém as possíveis críticas que podem ser feitas ao capitalismo ou ao consumo.
Seria estúpido aceitar a publicidade, comprar pelo valor da marca, participar do espetáculo fetichista do consumo; o público da Diesel sabe disso, logo: be Stupid.

Be stupid é o slogan que liberta para participar desse mundo Diesel sem culpa. Be stupid é Just do it bombado!

Mas ainda há mais.

O slogan é referido a outros valores. Por exemplo.


DIESEL- BE STUPID
"Are you doing something particularly stupid right now… like starting a band, building a tree house or creating art installation"


Ser estúpido é viver uma vida despojada, inventiva, criativa, guiada pelo coração e pelas utopias, pela experiências destemidas.
(veja os anúncios)

Ou seja, a Diesel entende que no mundo do qual ela participa, seria estúpido fazer coisas despropositadas, ligadas à arte, ao prazer desfuncionalizado, as empreitadas sem sentido. No capitalismo tradicional essas coisas não teriam lugar, seria estúpidas. Mas no mundo Disel não.

O que há como valor a ser capturado pelo Be stupid é profundamente ambíguo: por um lado, não pense no mundo em que essa marca te introduz, por outro, ao não pensar, viva a vida em sua plenitude. Aceitar o capitalismo em sua forma plena é um gesto contíguo - na lógica cínica- a aceitar a própria vida. Eis a lógica acabada do Biopoder contemporâneo que faz do que há de mais humano e vital - a criação, a experiência, a invenção de si e do outro - o seu mais importante valor.

A lógica cínica é o que faz com que esse texto não tenha sentido, uma vez que ele não tem como deixar mais explicita a estratégia da Diesel do que a própria Diesel. Para eles, qualquer tentativa de reflexão, como esta, é ser smart, logo negar a vida.

15 de mar. de 2010

sala de aula

As vezes, em sala de aula, é simplesmente perturbador que um aluno converse com outro ou que alguém saia de sala no meio de uma aula expositiva.

Tento não tomar como algo pessoal, mas fico pensando o que poderia fazer para que isso não aconteça.
Ao mesmo tempo, detesto aulas espetáculo. Aquelas em que o professor anda de um lado para o outro, alterna ritmos, faz o público rir, etc.

Lendo hoje uma aula do Deleuze sobre Bergson.Uma aula brilhante: link, percebo que o problema atinge a todos.
Ele precisa interromper duas vezes para reclamar de alunos que estão rindo e perturbando.

veja a sua fala: "vous m'emmerdez, vous savez, non cela ne peut pas durer, vous...ce n'est que cela me gêne, ou que cela me vexe mais cela m'empêche de parler vous comprenez, dés que j'ai les yeux sur vous je vous vois hilare alors que se soit un tic, ou que vous rigoliez dans le fond de vous même, moi cela m'est égal , mettez vous là bas, c'est très très embétant pour moi, un espèce de ricanement, c'est gênant, oui, oui, il me fait taire une idée"

um alento!

14 de mar. de 2010

Forcine e Audiovisual na Universidade

Nos últimos três dias participei do Forcine, o FÓRUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL,  na UFF

Já postei no Twitter algumas decisões do Fórum que teve uma excelente fala do Giuseppe Cocco em uma mesa, apresentando sua reflexão sobre o trabalho no capitalismo contemporâneo.
Pensando nessas questões e no atual momento da tecnologia de cinema, aprovamos a proposta a ser encaminhada às agências de fomento de que o estado deve patrocinar pessoas e não apenas filmes.

Saídos da universidade, os jovens precisam 1 ou dois anos para poder se dedicar a trabalhos que não tenha imediata remuneração. Se não estamos atentos a esse momento da vida profissional, acabamos empurrando todos os jovens que não tem uma base financeira familiar para longe do cinema.
Percebemos que muitos para de filmar, escrever, fotografar, produzir, etc. Por conta de necessidade de ganhar 1000, 1500 reais mensais, deixam o cinema e o trabalho dedicado à criação.
Fora isso, os meios, câmeras, ilhas, etc estão dados; são acessíveis. Logo, são as vidas que precisam ser fomentadas.

Fora esse debate, que o representante da Ancine, Mario Diamante, disse ter achado uma ótima idéia. O Forúm é fundamental. Pensar em grupo quem, como e para que estamos formando milhares de jovens é fundamental.

Certamente que há divergências.
As vezes a Universidade é vista apenas como algo que deve entregar formados ao mercado. Sabe-se que a idéia de mercado é uma certa abstração nesse meio.

Paulistas e cariocas reclamam da falta de mercado. Mas, formamos pessoas em Manaus, Goiânia, Fortaleza, Aracajú, etc, etc. Que mercado podemos esperar para esses jovens, fora dos centros de produção audiovisual?

 O que é formar para o mercado de Aracajú, por exemplo. A Universidade, a reflexão e a possibilidade de produção ali dentro, está muito na frente do "mercado" dessas cidades em termos estéticos. Ter o mercado como norte, nesses casos, é jogar a universidade para baixo.

Essa é, na verdade, uma dimensão altamente democrática da Universidade.
Alunos de qualquer Federal do Brasil tem praticamente a mesma condição técnica e intelectual, assim como o mesmo suporte para produzir audiovisual.

Algum tempo atrás fiz um post sobre a idéia que ontem foi aprovada como proposta do Forcine. Uma proposta pensada inicialmente em reunião de preparação do congresso.http://tiny.cc/MmcsB

6 de mar. de 2010

Renda Básica de Cidadania: 3 artigos

Selecionei 3 bons artigos sobre Renda Básica de Cidadania:


10 propostas sobre Renda Básica
Artigo de 2000 baseado em pensadores que refletem sobre o atual estágio do capitalismo: Negri, Lazzarato, Gorz, Hardt. Um dos pontos levantados é, justamente, a atualidade da Renda Mínima no estágio pós-fordista do capitalismo. Segundo a autora, trata-se de pensar o capitalismo separado do conflito capital trabalho.

Renda Básica: renda mínima garantida para o século XXI?
Este é um artigo muito abrangente sobre a Renda Básica, escrito por um dos criadores do BIEN - O Basic Income Eartn Network, Philippe Van Parijs. O BIEN tem um enorme congresso programado para este ano em São Paulo.
Parijs tem um ótimo livro sobre o tema escrito com Yannick Vanderborght.

Renda Básica para o Iraque
Nesse artigo Suplicy defende a Renda Básica como forma de estabelecer novas relações sociais em lugares que foram degradados por guerras. A proposta é interessante, sobretudo por explicitar que o que interessa, em muito desses casos, não é que a sociedade se reconstrua com independência.

27 de fev. de 2010

Documentário e Fra-Angélico

Estou cá a pensar a questão do encontro no cinema documentário quando cruzo com o Bergala:

"Na nossa cultura cristã, todo encontro entre duas figuras pode, em certas condições e sob certas circunstâncias, vir a ser uma Anunciação, um eco distante dessa figura fundadora da Anunciação." (Nul mieux que Godard)

Ora, o encontro só interessa como acontecimento. O que pode Maria?

Uribe e o estado de direito

A suprema corte colombiana votou ontem o pedido de Uribe pelo direito a uma nova reeleição, seria seu terceiro mandato.
Uribe perdeu, 7X2.

É interessante ver presidentes como Uribe ou FHC que apesar de terem sido eleitos legitimamente, dentro das regras do jogo democrático, na hora de deixar o governo se prestam a esse papelão. Chavez nem se fala.
Bom ver na Colômbia os poderes funcionando de forma independente.

A fragilidade democrática, a mesma que faz com que Uribe demande uma nova reeleição, é expressa, por exemplo,  em uma carta aberta do ex-presidente César Gavíria em que parabeniza Uribe por acatar a decisão. Era imaginável então que ele pudesse não acatar?

 vídeo de Uribe - em que ele assume o papel de professor sobre o estado de direito para assumir a derrota.

26 de fev. de 2010

Félix Guattari entrevista Lula

Uma preciosidade. (download) (original da Elianne Ivo, obrigado)

Lula é entrevistado em 1982 por Guattari.

Fundado em 1980, o PT estava prestes a apresentar seus primeiros candidatos em uma eleição.

Lula, com 37 anos, fala de um desejo de país que atravessou esses anos todos e que se realiza nesses seus dois governos, apesar de tantas diferenças.

Os mais críticos ao governo Lula verão uma entrevista cheia de contradições. Lula recusa qualquer apoio ao PMDB, fala em estatização de Bancos, etc.
No meu caso, sou tocado por uma enorme percepção da política mesmo, do que era ou não possível fazer, dos embates que se colocariam e da necessidade democrática.

"é preciso estar com os pés no chão, e saber que os processos de transformação não se dão porque queremos, mas sim em virtude das forças políticas sobre as quais eles se apóiam."

Ontem - dia 26.02.10 - O Globo ainda fazia uma matéria sobre a visita de Lula a Cuba ignorando a relação que o Brasil tem hoje com a América Latina, ignorando o que Lula foi fazer naquele país, como se o PT apoiasse um certo modelo de estado.

Nessa entrevista, FG pergunta se Lula vê o PT adotando algum modelo constituído, de tipo soviético, chinês ou cubano.
Lula - Não, de forma nenhuma. E aliás, nem francês, nem sueco!

ainda:

"é preciso criar condições que nos permitam não depender nem do imperialismo americano nem do imperialismo soviético"

É curioso ainda ver alguns assuntos na ordem do dia:
Lula: Minha posição é que as Malvinas pertencem à Argentina.

O final da entrevista é também revelador.
Guattari agradece e Lula devolve fazendo uma pergunta pragmática:
O partido socialista na França "está colocando em prática o que propunha antes das eleições?"
Guattari fala longamente e Lula continua demandando mais de seu interlocutor.

Uma das últimas palavras de Lula:
"A grande força, a melhor arma do PT é justamente isto - o não dogmatismo."