30 de jun. de 2007

Peter Weibel, curador ZKM

Parece que o futuro da arte no século XXI vai ser determinado no mundo islâmico, terceiro mundo e ex-colônias, palavras de Peter Weibel em catálogo do ZKM. Se Weibel tem razão ou não é difícil dizer, mas se ele acredita nisso a profecia tem mais chances de se cumprir.
Uma verdadeira arte global é pós-étnica.

ZKM - Youngjin Kim



Fluid de Youngjin Kim é uma máquina de fazer imagens. Não uma câmera, mas um dispositivo com bomba hidráulica, máquina de vapor, limpador de parabrisa, banheira e um monte de coisas que fazem a água evaporar, circular, escorregar, condensar enquanto uma câmera vai jogando, em tempo real, as imagens para a tela na nossa frente. Nossa atenção se divide entre as imagens aleatórias que surgem da máquina e a máquina em si. Uma brincadeira delicada, divertida que filma uma curiosa mistura entre natureza e dispositivo técnico

29 de jun. de 2007

Em Kassel, Alemanha

ZKM - Ki-bong Rhee


Entre muitos trabalhos de singular força e beleza que o ZKM, em Karlsruhe, na Alemanha, apresenta na exposição Thermocline of Art: New Asian Wave, começo destacando dois trabalhos do coreano Ki-bong Rhee. No primeiro - Bachelor - The dual body - o artista construiu uma espécie de aquário que a primeira vista parece uma grande televisão. No interior do objeto um livro, com as páginas abertas faz delicados movimentos no interior de um líquido azul.



Na segunda instalação - Extra-Ordinary-Late-Summer - Rhee construiu uma sala em que uma chuva permanente cai sobre uma mesa de estudos onde repousa um livro aberto.

O livro está presente em ambas os trabalhos em situações em que o papel seria rapidamente destruído, mas eles resistem tornando-se um objeto fortaleza, forte. E, ao mesmo tempo em que resiste, está envolto em uma atmosfera poética, delicada, de movimentos muito leves e sutis.

Os trabalhos não me parecem metáforas do livro em si, mas diálogos com a criação, tanto da literatura como da própria arte.
São trabalhos preciosos que com facilidade nos emprestam um ritmo contemplativo ao visitante. Falo desses trabalhos como se fossem um lugar que visitei e que agora tento recuperar a sensação de estar lá, de ver o tempo passar em um ambiente novo e aconchegante.

Ki-bong Rhee comenta seu trabalho.

Links de cinema

Belo texto de Luiz Carlos Oliveira Jr., Personagem ou mensagem, na Contracampo, sobre personagens recentes no cinema brasileiro.

Excelente artigo de Felipe Bragança após visita à Cinemateca do Rio de Janeiro, na Cinética.

27 de jun. de 2007

Documenta 12 / Yilin e Van de Ven

O que talvez cause também um estranhamento da Documenta 12 é uma opção por uma arte bem pouco espetacular. São muitos trabalhos pequenos e delicados, como os da brasileira Mira Schendel, presente com muitas obras, mas também de artistas jovens como o holandês Lidwien Van de Ven ou o chinês Lin Yilin. Ambos apresentam videos em single channel (uma só tela). O trabalho de Van ver Ven dura 3 minutos e mostra em um plano fixo uma criança, de uns 4 anos deitada no tapete de uma mesquita enquanto pessoas passam ao seu lado. É um trabalho muito simples em que a criança joga o espectador para uma dimensão trascendente daquele universo através de uma imagem banal.

O vídeo de Yilin é uma performance em que um homem sozinho faz uma parede de tijolos atravessar uma rua. Um trabalho que parece também discutir a tranformação das cidades chinesas ao mesmo tempo em que me lebrou o livro Música ao Acaso, de Paul Auster em que o personagem depois de perder uma partida de pôquer é obrigado a construir um gigantesco e inútil muro que não separa nada de nada.

Lazzarato em Kassel - a esquerda contemporânea.

Não há contradição entre neo-arcaismo e hipermodernidade na eleição de Sarkozy, uma convivência que acontece em toda Europa e que já era a forma de Berlusconi fazer política - com a mídia, com a comunicação de ponta e os partidos neo-fascistas.
As noções são emprestadas de Deleuze e Guatarri por Lazzarato em palestra (Francês e alemão) sobre a esquerda contemporânea, feita em Kassel, durante apresentação da revista Multitudes, por Maurício Lazzarato.

O capitalismo precisa de um mercado global e o poder de um território definido.
A economia não é capaz de produzir seu próprio território.
O neo-arcaísmo (Deleuze/Guatarri) é necessário na invenção deste território do poder, como uma forma arcaica de manter unida uma sociedade, fazendo o que o capitalismo não faz.

Lazzarato finaliza sua palestra citando Pasolini e o modo como percebe um duplo processo do capitalismo. Ele descreve um processo de hipermodernização da sociedade italiana que acontece entre o final dos anos 60 e início dos 70; consumação e cultura de massa. Pasolini chama de genocídio o modo como esses dois aspectos da hipermordenidade iriam destruir duas culturas; a dos camponeses e a dos trabalhadores.

Esse processo fomentará dois fenomenos de reação; frutração - não há dinheiro para realizar o consumo - e ansiedade - não conseguem incorporar o novo modelo como comportamento - nas pessoas que estão vivendo a passagem.
Para Pasolini, nem o consumo nem a comunicação são capazes de construir um território, uma sociedade, uma singularidade. Eles precisam recorrer a outras formas de "estar juntos" e, ao fazerem isso, é Berlusconi e Sarkozy que ganham terreno se aliando ao neo-arcaísmo.

26 de jun. de 2007

Documenta 12/ Ai Weiwei

O trabalho do chinês Ai Weiwei talvez seja dos mais marcantes na Documenta, por diversas razões. Weiwei transita entre a arte conceitual e um postura mais formalista que está presente na grande escultura que montou em Kassel.
O projeto que marcou a Documenta foi "Fairytale" (Conto de Fadas) em que Weiwei trouxe para Kassel 1001 chineses para passarem um mês na cidade, a mais cara obra feita na Documenta esse ano, 3.1 milhões de euros. Eles não tem nenhuma tarefa especial, apenas estar na cidade. Nos museus e galerias em que a Documenta acontece, Weiwei e os curadores - Roger Buergel e Ruth Noack - espalharam 1001 cadeiras da dinastia Quing (1644 -1911) pertencentes a uma coleção pessoal de Weiwei. As cadeiras podem ser utilizadas pelos visitantes e são simples e belíssimas, todas aparentemente diferentes entre si.

O outro trabalho de Weiwei, uma grande escultura feitas de portas e janelas da dinastia Ming e Quing, vindas de casas destruídas por projetos imobiliários recentes, veio abaixo durante uma tempestade, logo depois da abertura da exposição.

Documenta 12 / Nedko Solakov


Um dos trabalhos antigos que a Documenta apresenta é o trabalho do búlgaro Nedko Solakov.
O artista teve uma rápida passagem pelo serviço secreto búlgaro como um informante voluntário antes do final do comunismo no país e alguns meses depois do colapso do comunismo búlgaro, em 89, ele produz um arquivo ficcional do serviço secreto. Ao mesmo tempo em que o trabalho aponta para um futuro diferente do país ele é impregnado de um conteúdo fortemente autobiográfico e desestabilizador. Top secret consegue engajar a macro e a micro política em conectar a história e o futuro do país aos indivíduos ordinários.

25 de jun. de 2007

Ricardo Basbaum na Documenta



Você gostaria de participar de uma experiência artística?
Assim começa o dispositivo de Basbaum. Se a pessoa aceita ela deve ficar um mês com um objeto inventado pelo artista, utiliza-lo como quiser e documentar essa utilização. O projeto acontece desde 1994.

O objeto passa a fazer parte da vida e aparece então como um shifter de subjetividade, como escreveu Guatarri e as imagens que aparecem documentam esses deslocamentos, do objeto e do participante.

O que as imagens documentam é o modo como o objeto inspira gestos e ações ao mesmo tempo em que a utilização do objeto da a ver o indivíduo que o utiliza - o que é dos desdobramentos mais interessantes desse trabalho infinito (ele pode acontecer para sempre, crescendo, se alterando e se constituindo como um imenso banco de dados atravessado por uma poética), work in progress.

A relação do artista com os participantes se dá pelo objeto, não é necessário nenhuma pergunta, nenhuma intervenção mais específica; a entrada do objeto na cena do participante acaba por ser delicamente reveladora do indivíduo ou grupo que o utiliza. Uma revelação que é sempre desindividuada, transubjectiva, como escreveu Brian Holmes (inglês - espanhol) sobre o trabalho de Basbaum. O que se vê é sempre o indivíduo deixando um lugar estável, identitário, para jogar com gestos e modos possíveis de lidar com essa New basis of Personality.

Se o indivíduo é algo que sempre aparece em um processo de individuação, distante sempre de uma realidade substancial, o trabalho de Basbaum intensifica essa percepção inventado um dispositivo que materializa e traz uma presença estética para o próprio processo de individuação.

O objeto pode ser um instrumento de percursão, banheira, cama, roupa, máscara, balde de gelo, esteira de praia, barco ou simplesmente o motor para a invenção de grandes narrativas, como do rapaz do Rio Grande do Sul que vê todo seu entorno contaminado pela forma do objeto.

Na rua, é a cidade que é transformada pelo objeto.

Na instalação apresentada na Documenta há uma saborosa heterogeneidade de imagens que se unificam no objeto. Imagens normalmente ordinárias que perdem a banalidade porque são impregnadas por um desejo de encontro com o artista, com o objeto.

O que acho que o muitos perdem no trabalho de Basbaum é o humor que aparece na relação que as pessoas tem com o que é produzido pelos participantes, esse mais óbvio, mas perdem também o humor que está no objeto em si e no nome mesmo do projeto: New Basis for Personality. Claro que a idéia é que a arte está sempre dando essas new basis, inventado objetos em que o processo de subjetivação seja uma constante, interminável. Mas, uma vez que esse vira o nome de um longo e complexo projeto, há uma dimensão irônica que se instala.

Se levado muito a sério, o projeto ganha uma dimenssão utópica que perde sua força tanto como obra que efetivamente mobiliza o público e o participante como comentário generoso e irônico às artes em geral.

Brincadeira com NBP em Kassel
Soraia Vilela narra a ação do Grupo Vaca Amarela com o objeto de Basbaum
De maneira geral o humor está ausente da Documenta 12 e essa ausência acaba fazendo que tenhamos dificuldade de encherga-lo mesmo onde ele está presente.


Este post gerou um ensaio publicado em julho na Revista Cinética

24 de jun. de 2007

Documenta de Kassel



Este é apenas um primeiro post sobre a Documenta. A primeira impressão desta mega-exposição é de um grande estranhamento. Tento na verdade manter o estranhamento para não ser levado a fazer críticas fáceis e severas, como fazem muitas das pessoas que encontrei por aqui. Duas coisas mobilizam este estranhamento, a primeira é o fato de a Documenta ser composta por muitas obras antigas, alguma históricas, outras apenas já vistas em outros lugares, a segunda esta na montagem mesmo e principalmente pela opção de usar cores na paredes. Na Neue Galerie, por exemplo, as salas são verdes e azuis, na Museu Fridericianum vemos até projeções de vídeo sobre parede verde.

Matéria do Guardian destróia Documenta 12.

O comentário de várias pessoas que encontrei aqui é de fracasso, mas tento não me contaminar e confesso nutrir até uma simpatia pela Documenta, sobretudo por conta de obras que não funcionaram. A Friedrichsplatz deveria estar coberta de papolas vermelhas, um trabalho da artista Sanja Ivekovic. Infelizmente a natureza se impôs e apenas duas das milhares de flores esperadas vingaram. Uma mega escultura de Ai Weiwei, que trouxe 1001 chineses para Kassel, foi derrubada pelo vento, formando uma nova bela escultura, existem ainda outros casos como estes.


O Brasil e super presente esse ano aqui, mas dentre vários trabalhos é preciso destacar o trabalho de Ricardo Basbaum, que comentarei mas longamente em breve.

todos os posts sobre a Documenta

21 de jun. de 2007

Arte da Asia no ZKM

Esse post e apenas um lembrete, uma vez que neste cybercafe de karlsruhe, na Alemanha, nem acentos eu consigo colocar nas palavras.
Vi hoje uma das melhores exposicoes de arte contemporânea dos últimos tempos. Fortíssima selecao de asiáticos de vários países reunido apuro técnico, poesia, radicalidade politica e otimas ideias. Dentro de alguns dias comento algumas obras e idéias.

19 de jun. de 2007

Humanismo sem política 2


Algumas horas depois de publicar o post abaixo o site do O Globo foi atualizado com uma nova imagem.
Um esfoço para apenas corroborar o papel irrelevante da imagem. Elas vão apenas sendo substituídas para quebrar a monotonia do site ao mesmo tempo em que vão banalizando esse universo dos que sofrem.





Foto de Michel Filho

Humanismo sem política

No Globo de hoje uma foto mostra mulheres e crianças que fogem de um tiroteio. Essa foto, que já não tem mais poder de comunicar coisa alguma diante da reincidência expõe a incapacidade e/ou o conservadorismo do jornalismo.
A imagem aparece como uma indignação - crianças não podem ir à escola, "lição de violência" "morador agredido por policiais" - mas o mesmo gesto de indignação se torna uma reclamação enfadonha corroborando uma ordem em que a explicitação do puro sofrimento dos moraodres desta área da cidade são saturados e nada mais falam. A indignação do jornal é também o gesto que cala as vítimas e as separam do mundo em que vivem os jornalistas e os leitores do jornal. Crianças e mulheres nessa situação são vítimas absolutas, já tem seu papel definido na narrativa, logo não aparecem como atores de uma política possível. São indivíduos calados pelas balas e pelos jornalistas da matéria.
A matéria contrói ainda uma simplificação dicotômica entre traficantes e policiais de uma lado e moradores - mulheres e crianças - de outro.
"Traficantes e policiais travam batalha... enquanto crianças da Vila Cruzeiro, na Penha, comemoravam a volta às aulas"
Essa série de simplicações ocupa o jornal que percebe apenas dois campos possíveis: as vítimas - mudas, fora do jogo político onde tudo que lhes resta é o direito puro de ir à escola, como se não fizessem parte dos acontecimentos - e os carrascos, representados pelo tráfico e o estado; como se esses dois lados explicassem a totalidade das partes envolvidas, como se dessem conta do conflito como um todo.
O desafio do jornalismo me parece ser a tentativa de se aproximar dos que estão diretamente envolvidos no conflito e que não se reconhecem como vítimas, policiais ou traficantes apenas, mas isso imporia uma complexidade para o que se passa, imporia a política mesmo em que os sujeitos não se reduzem ao papel que fazem na foto e isso é complicado e desestabilizador, ai voltamos ao conservadorismo da matéria.
Em caso como esses podemos dizer como Rancière "o pensamento se inclina diante do impensável" É isso que faz esse jornalismo, tornar a violência, o tráfico, a corrupção, parte de um grande impensável onde a única reação possível é a indignação inócua.
"Nós somos todos traficantes e policiais, mães e filhos, jornalistas e fotógrafos" a política se fará quando esses papéis perderem suas objetividades.

A mão que pensa



No meio dos anos 90 os filmes deixavam de ser montados nas moviolas, estas grandes máquinas, normalmente italianas, americanas ou alemãs, onde se assistia, cortava-se e colava-se o copião (cópia em positivo para trabalho). A partir dali começamos todos usar computadores. Na época ouvi de vários montadores que algo se perdia, o contato manual com a película, o toque no filme. Esta reclamação sempre me pareceu ser parte por uma certa nostalgia ou uma simples dificuldade em aceitar que alguma coisa mudava nos gestos e odores, mas que o fundamental; o corte, a montagem, as decisões que se toma na sala de montagem, continuavam sendo o que importava no trabalho e isso não era muito diferente da moviola para o computador.

Pois, assim como os cegos desenvolvem uma tal sensibilidade com as mãos que os torna até capazes de identificar as cartas de um baralho, algo parecido acontecia com os montadores na moviola. Não era só com olhos que os montadores escolhiam o lugar do corte, mas com as mãos, com o tato apurado de anos de trabalho. O que os montadores sentiam falta não era o contato com a película, mas com a imagem mesmo.


Para o montador a mão é a fronteira entre o corpo e o que está for a dele. A mão opera essa mistura entre o intelecto que pensa o que a ela deve fazer e o corpo que faz sem passar pelo intelecto; um corpo que pensa. A mão torna-se não só o que faz o contato, mas o que pensa e seleciona o mundo.

A primeira imagem é de uma Steenbeck, rápida, precisa e com ótima qualidade de imagem. Conta-se que quando elas chegaram ao Brasil dizia-se que elas eram tão boas que nem precisava de montador.
A segunda é uma autêntica Moviola, americana.

17 de jun. de 2007

"Não somos demais, somos o a mais"

"Nous ne sommes pas en trop, nous sommes en plus" com esta frase usada pelos desempregados franceses dos anos 90, Brian Holmes - que recentemente citei por conta de seu artigo sobre Ricardo Basbaum - abre seu texto, Práticas artísticas, estéticas e políticas, em que discute a relação da arte com a política tendo Rancière como marco teórico.
A prática artista tem a possibilidade de provocar um deslocamento de lugar e de identidade dos indivíduos que reconfigura os espaços de fala permitindo a invenção uma comunidade de sujeitos com voz. Essa operação é o que impossibilita a separação da argumentação da operação estética. Ou seja, em um mesmo gesto a ação política inventa a cena da fala por um ato poético em que a própria fala aparece.

Texto de Holmes publicado em espanhol na revista Brumária

Rodrigo Amarante e o jornalismo

Divertida reação didática de Rodrigo Amarante, do grupo Los Hermanos, com reporter.

15 de jun. de 2007

Pós-democracia e educação

Depois da vitória de Sarkozy na França, essa semana se decide as eleições legislativas. Sarkozy deve ter uma ampla maioria na câmara. A vitória de Sarkozy é um perfeito exemplo do que Rancière chama de uma pós-democracia. Pós, não no sentido de uma democracia pós-moderna mas no sentido de uma paradoxal forma da democracia - A França é um país democrático - que consiste em destruir as formas de democracia mesmo. Ou seja, chamamos de democracia, na França e no mundo todo, uma administração dos dispositivos estatais e das composições entre as forças que participam do jogo "democrático". Na pós-democracia deixa-se de fora o que está fora - os gritos que ainda não são palavras - e organiza-se a política como administração das partes, identidades e indivíduos que não trazem o que há de mais próprio à democracia; o litígio, o deslocamento das identidades sociais. A democracia implica uma virtualidade do ser, o que ele pode ser e não uma administração do que ele já é.
O exemplo da reforma que o governo Sarkozy propõe à educação é paradigmática desta democracia que destrói a essência da democracia. Na França as crianças e jovens devem estudar em escolas próximas de casa, do mesmo bairro. Isso traz um problema para alguns pais pois seus filhos são obrigados a estudarem em escolas piores que a do bairro ao lado ou em escolas em que a maioria dos alunos não é de origem francesa. A escola pública é um espaço eminentemente político e esta regra obrigava que os pais estivessem sempre tomando a questão para si, brigando por escolas melhores, com menores desníveis entre bairros e com uma multiplicidade que evitasse a formação de guetos. Pois a proposta que deve ser adotada à partir de agora dá direito aos pais de colocarem seus filhos nas escolas que desejarem. Evidentemente não há lugar para todos nas escolas mais desejadas, o que dá à administração da escola a possibilidade de escolher os alunos que deseja, normalmente os melhores e menos problemáticos. Nesse gesto, o governo consegue, homogeneizar as escola melhores e as piores, aumentar o desnível entre elas, aumentar os guetos, tanto dos ricos como dos pobres e, claro, falar em democracia - "todos tem direito em estar na escola que quiser" - destruindo a democracia - lugar de embate e dissenso.
Ainda nos termos de Rancière, a escola deve deixar cada vez mais de ser política para ser polícia. (na entrevista abaixo ele desenvolve os conceitos)

Entrevista com Rancière - em Português

14 de jun. de 2007

Paulo Leminski e a linguagem

Roma 3

Mas o que é muito forte em Roma é a presença das imagens - telas, esculturas e afrescos - nas igrejas. Antes do Cristo na Cruz, das Pietas e dos santos, é com a crença na imagem que nos deparamos. Algumas igrejas em Roma insistem em serem igrejas em meio a Caravagio, Bernini e Michelangelo. A peregrinação dos turistas encontra poucos limites e talvez o maior deles seja a presença dos padres e fiéis entre essas imagens.

Carravaggio (1571-1610) "O chamado de São Matheus" na Capela de São Luis dos Franceses

Madonna, Michelangelo e Bacon

Talvez sempre tenha sido assim, mas a multidão de turistas no Museu do Vaticano para visitar a Capela Sistina é tão impressionante quanto a Capela. O Museu é organizado de uma maneira que para se chegar à Capela o visitante é obrigado a andar com a multidão durante quase uma hora. Durante esse tempo eu tinha a sensação de estar entrando em estádio para um jogo de futebol. O problema é que a grande parte dos turistas ali só quer ver a Capela mas se vê obrigada a percorrer quilómetros de corredores. No meio desses corredores resolvo entrar no Museu do Egito (existem vários pequenos museus no interior do Museu do Vaticano), ali, algumas salas com peças fascinantes do Egito, mas o problema é que ao sair do museu, obrigatoriamente por uma porta diferente da que eu entrara, percebi que havia recuado uns 15 minutos nos corredores que levam à Michelangelo. Paciência.
Talvez sempre tenha sido assim, mas essa multidão me faz pensar em duas coisas. A primeira é que Roma é um modo rápido, divertido e eficaz de se melhorar um currículo onde cada vez mais uma cultura geral que não tem função pré-determinada é valorizada. Nos termos de Zygmunt Bauman, podemos dizer que o "turista" aqui melhora seu CV para poder continuar sendo turista e não vagabundo.
O segundo é que a lógica da celebridade é atemporal. Michelangelo e Madonna fazem (p)arte do mesmo universo de consumo imaterial para nós, turistas.

Uma outra cena que me impressionou foi a passagem da multidão pela parte dedicada à arte moderna e contemporânea do Museu. No corredor que leva à Sistina há um belo Francis Bacon e por ele a multidão passava sem nem uma olhada - às vezes uma foto, claro, mas nem uma olhada.

Entrevista com Zygmunt Bauman "The tourist syndrome"

9 de jun. de 2007

Bush em Roma

Chego ontem a Roma e me deparo com uma cidade tomada da maneira triste e constrangedora pela presença do presidente dos Estados Unidos. Em primeiro lugar acho que jamais havia visto tantos policiais juntos em uma cidade. Em qualquer lugar víamos grupos de dezenas, centenas deles. Algumas ruas forma fechadas e ocupadas por dezenas de caminhões da polizia, lançadores de agua para dispersar a multidão, etc. Entretanto, a multidão estava em outros lugares - na Fontana de Trevi ou na Capela Sistina. A multidão esperada pelas forcas italianas não veio. O aparato policial fechou ainda 4 estações centrais do metro, diminui a circulação de ônibus e os táxis desapareceram por conta das ruas fechadas e do excesso de passageiros. Voltar para casa foi uma dura tarefa.
Bush parece só ser importante para as forcas policiais e para os governos, não para as pessoas. O foco da resistência, se alguma existe, não é contra o presidente americano.

7 de jun. de 2007

Lula e Venezuela

Entrevista em que Lula fala sobre o caso RCTV, no blog do Josias de Souza.

"Eu acho que não dá para ideologizar essa questão da televisão”, disse o presidente. “O mesmo Estado que dá uma concessão é o Estado que pode não dar a concessão. O Chávez teria praticado uma violência se tivesse, após o fracasso do golpe [contra o venezuelano em 2002], feito a intervenção na televisão."

Death Proof/Tarantino

A sensação de ter perdido um cineasta brilhante se confirma a cada novo filme de Tarantino. Death Proof apresentado em Cannes e em cartaz agora é mais uma banalização da reciclagem de gêneros. Um filme triste, sem idéias, que parece achar divertido e inteligente refazer o óbvio com selo de cult. A fetichização de tipos clássicos do cinema americano pode gerar personagens ricos e engraçados com em Pulp Fiction ou apenas a banalidade dos "motherfuckers" da vida. Tarantino faz um filme trash apostando na revitalização que lhe dará o selo cult, mas, na verdade acaba fazendo um filme velho, que nasce e morre velho. A piadinha dos arranhões na película e as desnecessárias marcas de troca de rolo materializam a armadilha que o filme inventou e caiu. O desfile de clichês se mantém no nível dos clichês, sem conseguir desarmá-los. Talvez Tarantino esteja se divertindo, mas nós....

6 de jun. de 2007

Bioarte

Links para os sites de todos os artistas que estão expondo no Centro Andaluz de Arte Contemporáneo na exposição ARTE BIOTECNOLÓGICO Y AMBIENTAL com curadoria de Antonio Cerveira Pinto.

30 fragmentos sobre o cinema (do lugar do espectador)

Ensaio inédito na Revista Cinética sobre o lugar do espectador em diálogo com o artista japonês, Hiroshi Sugimoto

Puma, arte e capitalismo contemporâneo

Artigo inédito publicado na Revista Cinética
«Você tem que viver a criação. Palavras no papel não valem nada. Você tem que viver tudo você mesmo.», diz Jochen Zeitz, presidente da Puma.

5 de jun. de 2007

Política da literatura


Entrevista com Jacques Rancière sobre seu novo livro, Política da literatura

Que política os livros fazem por eles próprios?
Não que causa eles estão servindo.
Que efeito sobre a configuração do mundo comum, da capacidade de ver e dizer dos habitantes desse mundo? Que relação entre igualdade e inigualdade no mundo comum?
Como os"mudos"falam é uma questão política.

Moderno, pós-moderno, Flaubert, anacronismo, consumo, o corpo do leitor, a cidade contemporânea, democracias, igualdades, micro-eventos, dos Passos, etc

4 de jun. de 2007

Hasan Elahi

O artista Hasan Elahi é um potencial utilizador da SenseCam - post abaixo. Ele utiliza fotos e um gps para colocar em seu site o seu posicionamento constante no mundo e as coisas que está fazendo. Tudo começou no momento em que ele foi investigado pelo FBI por suspeita de terrorismo. (Na verdade o FBI deve investigar todos os Hasan residentes ali) A partir desse momento Elahi decidiu se antecipar e explicitar para o FBI e para quem mais quiser saber a sua localização e atividades.


A estratégia de Elahi é ambigua, por um lado explicita a estratégia do FBI e torna ridícula as ações do policiais que se interessam pela banalidade de uma vida qualquer. Por outro lado, o artista entra na lógica que privilegia o "bem da maioria" em detrimento da liberdade. Se a maioria acredita que para ter segurança todos os Hasan do mundo devem ser investigados, eles serão. O perigo dessa lógica é evidente. A vontade da maioria prevalece em relação aos direitos e liberdades das minorias. Se a maioria for contra o casamento homosexual ou a interrupção voluntária da gravidez, assim será.

A dica do artista foi do blog Dispositivos de Visibilidade e Subjetividade Contemporânea

Hasan Elahi apresenta o filme Tracking Transience no Festival Pocket Film - Paris/Beaubourg: 8 de junho 21h30 e 9 junho 21h30.

3 de jun. de 2007

Limite


Análise quadro-a-quadro de Limite de Mario Peixoto (em inglês).

Estado do mundo / Quinzena dos realizadores - Cannes

O filme foi apresentado na Quinzena dos realizadores de Cannes e conta com curta-metragens dos realizadoes Chantal Akerman, Apichatpong Weerasethakul, Vicente Ferraz, Ayisha Abraham et Wang Bing.
Weerasethakul faz um filme estranho que parece um documentário sobre pessoas que fazem uma viagem de barco e realizam uma cerimônia. O estranhamento de Luminous People está na forma como há uma narrativa que vai se construido com pequenos elementos, quase imperceptíveis. Há também no filme uma investigação com a textura da imagem. Weerasethakul utiliza a instabilidade da luz na câmera digital que traz um efeito de vibração nas imagens bastante interessante.
Pedro Costa faz um filme em que falta tempo para nos colocar no universo tão particular que já construi em outros filmes como Ossos e Juventude em Marcha. Neste curta ele trabalha com a mesma estética e personagens. Mas, o paradigma dos curtas colocados juntos nesse O estado do mundo é o filme de Chantal Akerman, Tombée de nuit sur Shanghaï . O filme é feito de duas sequências contemplativas da publicidade em Shangai. A primeira sequência mostra um barco que leva um telão luminoso e a segunda é um plano-sequência que deve durar mais de 10 minutos e filma em plano fixo alguns prédios em Shangai onde são exibidas gigantescas publicidades. Os prédios se tornam telas de mais de 30 metros de altura. Nos prédios vemos da Mona Lisa aos efeitos banais de computador que fazem rodopiar os anúncios e o próprio Leonardo da Vinci.
Chantal Akerman dá continuidade à contemplação distanciada, como no seu último longa metragem, Lá Bas. Aqui é a publicidade gigantesca que é contemplada como se estivessemos diante do sublime. Nada acontece, nenhuma intervenção, como se o ready-made bastasse. O filme é fundado em uma profunda descrença nas imagens e na possibilidade do cinema ser uma forma privilegiada de pensar o mundo, o estado do mundo. A vontade é de nada dizer. O curta de Akerman leva ao extremo uma postura que perpassa diversos outros filmes. Em um mundo em que as imagens são a natureza, nos resta a contemplação; este é o estado do mundo para Chantal Akerman.

Estado do mundo / Quinzena dos realizadores - Cannes

O filme foi apresentado na Quinzena dos realizadores de Cannes e conta com curta-metragens dos realizadoes Chantal Akerman, Apichatpong Weerasethakul, Vicente Ferraz, Ayisha Abraham et Wang Bing.
Weerasethakul faz um filme estranho que parece um documentário sobre pessoas que fazem uma viagem de barco. O estranhamento do filme está na forma como há uma narrativa vai se construido com pequenos elementos, quase imperceptíveis. Há também no filme uma investigação com a imagem propriamente. Weerasethakul utiliza a instabilidade da luz na câmera digital que traz um efeito de vibração nas imagens bastante interessante. Pedro Costa faz um filme em que falta tempo para nos colocar no universo tão particular que já construi em outros filmes como Ossos e Juventude em Marcha. Mas, o paradigma dos curtas colocados juntos nesse O estado do mundo é o filme de Chantal Akerman. O filme é feito de duas sequëncia contemplativas da publicidade em Shangai. A primeira sequencia mostra um barco que leva um telão luminoso e o segundo, que deve durar mais de 10 minutos, filma em plano fixo alguns prédios em Shangai onde são exibidas gigantescas publicidades. Os prédios se tornam telas de mais de 30 metros de altura.
Chantal Akerman dá continuidade à contemplação distanciada, como no seu último longa metragem, Lá Bas. Aqui é a publicidade gigantesca que é contemplada como se estivessemos diante do sublime. Nada acontece, nenhuma intervenção. O filme é fundado em uma profunda descrença nas imagens e na possibilidade do cinema ser uma forma privilegiada de pensar o mundo, o estado do mundo. O curta de Akerman leva ao extremo uma postura que perpassa todos os outros filmes - com excessão do filme brasileiro de Vicente Ferraz. Em um mundo em que as imagens são a natureza, nos resta a contemplação, é o estado do mundo para Chantal Akerman.

SenseCam



Os laboratórios da Microsoft estão experimentando essa câmera em que o usuário a coloca pendurada no pescoço e ela pode ser programada para tirar fotos sem a sua interferência. Por exemplo, a SenseCam tem um sensor que identifica a temperatura do corpo do usuário, então ela pode ser programada para tirar uma foto cada vez que a temperatura do corpo subir ou descer. Ela identifica também a presença de uma fonte de calor na frente da câmera - uma pessoa. Os pesquisadores dizem ainda que pretendem aperfeiçoar a câmera para que ela possa identificar batidas de coração e GSR (galvanic skin reponse), alterações na forma da pele conduzir eletricidade causada por estímulos como medo ou nervosismo.
A câmera promete que o usuário será capaz de fazer imagens que não passam nem pelo olho nem pela razão. A distância que separa a câmera do olho dá mais um passo decisivo. O problema e que para vermos as imagens teremos ainda que usar nossos olhos, mas é uma questão de tempo.

Definições de política/Rancière


"A política é a constituição de uma esfera de experiência específica onde certos objetos são colocados como comuns e certos sujeitos vistos como capazes de designar esses objetos e argumentar sobre eles" A citação é de Rancière.
Imaginemos uma escola pública. Se todos frequentam a escola pública ela se torna um objeto comum em que todos são vistos como capazes de argumentar sobre ela. Se a escola é pública e aberta a todos, todas as falas sobre a escola aparecem como uma palavra - como parte da política - e não como um grito - fora da política.
Ora, quando o espaço público é desfeito, aquele que frequenta a escola privada perde a palavra sobre a pública e seu esforço reside em refazer a política, tornar a sua palavra parte do que constitui um espaço comum e não apenas um grito.
A política começa então quando as pessoas investem seu tempo a fazer existir sua palavra, a se diferenciar do barulho.
Uma última passagem de "Política da Literatura", de Rancière.
"Essa distribuição e redistribuição dos espaços e dos tempos, dos lugares e das identidades, da palavra e do barulho, do visível e do invisível formam o que eu chamo de uma partilha do sensível. A atividade política reconfigura a partilha do sensível" .
É política então para Rancière é o que afeta e as condições possíveis de reação em relação ao que nos afeta. Não existir uma escola pública não significa apenas que os ricos terão direito à educação de qualidade e os pobres não. Sigifica que se abole um espaço político em que se dão as tensões entre indivíduos com direito à palavra para se segmentarizar, de um lado a palavra, de outro o barullho.
Entrevista com Jacques Rancière sobre questões relativas à educação. (em francês)

Disco de ouro

Show do grupo de rock francês Sedna em um parque. Durante o show um flyer é distribuido em que a principal informação é: mais de 60 mil escutas no My space.
O grupo tem discos gravados, clipes, etc, mas o que interessa na divulgação é o número de clicks de mouse no site do grupo.

2 de jun. de 2007

Publicidade Toyota

Anúncio do novo Toyota Aygo exibido nas salas de cinema. Um jovem passa por um processo de esvaziamento de todas as experiências de seu cérebro. Todas as atividades radicais e emocionantes são retiradas. Todas as atividades que seriam comparáveis à emoção publicitária de dirigir um carro são eliminadas.
Depois disso o rapaz passa em casa, pega as chaves do carro e sai pela rua para uma experiência "única e incomparável'.
Curioso. Um novo carro não tem como prometer mais experiência alguma. O cotidiano urbano teria se mimetizado em um ambiente de fortes emoções, logo a nova experiência é o esvaziamento. A publicidade não promete nada e os produtos não tem como se igualar à vida. Esta é publicidade da Toyota.

1 de jun. de 2007

Barthes e a língua

O último post, sobre o virtual, me lembrou uma passagem de Roland Barthes muito forte:

"A língua, como performace da linguagem, não é nem reacionária nem progressista; ela é simplesmente facista; porque o facismo, não é impedir de dizer, é obrigar a dizer"Leçon inaugurale au Collège de France, 1977


«La langue, comme performance de tout langage, n'est ni réactionnaire ni progressiste; elle est tout simplement fasciste; car le fascisme, ce n'est pas d'empêcher de dire, c'est d'obliger à dire.»