19 de set. de 2011

Luta de Classes? Conversando com Bruno Cava, Guéron e Nat Coutinho.


 Depois que escrevi um breve texto panfletário e caótico - Cinema, democracia e uma porrada de coisas - , o Guéron fez uma interessante crítica que se desdobrou na conversa abaixo.


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Rodrigo Guéron: Bom texto. Só acho simplista aquela parte que fala "entre a PUC e as favelas" como se fossem uma mesma "multidão". A diferença existe, é enorme, e a própria disputa que se trava no Minc ( entre tantas outras) passa por aí.

Cezar Migliorin: Cê acha é Gueron? Mas nessa produção da multidão não há algo que a diferença de classes não dá conta?
Falo também um pouco da minha experiência entre PUC e Nova Iguaçu em que certas marcas desse personagem conceitual "jovem" são comuns, potencializadas ou não...

Rodrigo Guéron  Basta ver o mapa eleitoral das últimas eleições, para ver que não dá para negar simplesmente a diferença de classe. Embora este mapa mesmo nos diga que ela não é marxista a maneira "clássica" ou dogmática. O Fabio Malini noutro dia publicou aqui uma frase do Negri dizendo que a biopolítica é um desdobramento, um aprofundamento da luta de classes (algo assim). O que quero dizer é que se não dá mais para pensar em termos de proletariado x burguesia (ou não predominantemente),e que de fato não há uma classe que seja 'consciência da história", por outro lado as diferenças, sobretudo biopolíticas, estão aí, escancaradas, e o fato dos meninos da PUC e do Morro do Alemão usarem ambos rede sociais não diminui esta diferença. Pode até às vezes abrir algumas disputas que passam pela rede. Não dá para separar política de disputa, de tensão poder x potência e etc. Os caras que foram hoje a marcha da corrupção, em sua maioria, se expressam ("creem") como aquela reportagem do JN ontem que criminaliza o pessoal do Alemão. A propósito, algumas fontes estão dizendo que foram os milicos que atiraram para cima.
Eu diria que a diferença de classe permanece de maneira importante entre outras diferenças e disputas biopolíticas: pobre x rico; favelado x asfalto; legais x ilegais; nacionais x estrangeiros...


Cezar Migliorin Claro, claro, de forma alguma retirar a diferença de classe como questão! Não há política que possa deixar isso de lado. Mas, me pergunto, quanto elas passam pelos indivíduos.. Uma questão.
Ou, na Europa, como podemos traçar uma linha que una os espanhóis classe média e os ingleses de descendentes ex-colônias?
Ou, a marcha da liberdade e jirau.
Ser do Alemão não garante nada se pensarmos em novos sujeitos políticos. Ou vamos pras práticas ou demarcamos identidades, agora, nas práticas, há ricos e pobres, claro.


Natália Maia Coutinho Ufa, que bom que alguém antes de mim lembrou da velha, clássica e quase esquecida "diferenças de classes" nos seus posts, Cezar, confesso que já tava me intimidando em aludir mais uma vez a esse porém aparentemente meio demodê nos discursos contemporâneos ;) 


 Rodrigo Guéron Não existe "identidade", existe "tornar-se". Jirau me parece muito mais importante e transformador que a marcha da liberdade. Pois a liberdade resiste mesmo é no pessoal do alemão denunciando o exército ontem. Tá feia a coisa lá. O discurso do comandante foi um aval para os soldados fazerem o que bem entendem, e tem forte apoio social do "asfalto": As UPPs não como "pacificação' mas como limpeza. Não importa que o soldado seja pobre também. É disputa de classe. Inclusive a reportagem da Globo no JN ontem foi um ato de classe e, ao mesmo tempo, biopolítico. Ou melhor, a violência de classe como violência biopolítica ( racista etc e tal..). Mas o racismo por exemplo não é derivado, é central ( porque o socialismo não acaba com racismo). A diferença biopolítica é, aliás, uma das razões do desinteresse dos pobres pela marcha da liberdade. Que é simpática, mas não tem muita força e pode ser confundida, semioticamente, com qualquer ato "anti currupção" versão versão UDN.

Cezar Migliorin Caros,

Nat, Gueron, uma ajuda.
Se pensarmos algumas ações do gov. Lula como Bolsa Família e Pontos de Cultura, por exemplo, são ações em que a luta de classes é o que pauta?
Quando defendemos a renda mínima ou uma reforma radical dos direitos autorais, vocês acham que são políticas baseadas na luta de classe?

Na minha frágil formação política, acabo realmente não me pautando pela luta de classes. Entretanto Nat, diferentemente do que dizes, o pobre é uma questão central para mim.

Não organizar a política a partir da luta de classes não significa dizer que não há classes ou que não há pobre.

Natália Maia Coutinho Cezar, queridão, eu não disse que você não se preocupa com os pobres. Jamais. Eu disse só que as vezes sinto falta dessa abordagem mais explicita nos seus textos, mas que já não comentava mais isso. Meu post foi num tom mais ironico, de brincadeira até auto-critica, "lá vem aquela chata falando mais uma vez do obvio que todo mundo sabe" - inclusive você, claro! Jamais ousaria dizer que você não se preocupa com os pobres. No caso desse texto especifico, depois de le-lo, tive o mesmo "incomodo" do Gueron de ver os jovens da Puc colocados no mesmo plano dos favelados. De fato, não acho que esses sujeitos políticos possam ser vistos da mesma forma e que suas necessidades inventivas, criativas, etc, possam ser comparados porque para mim eles partem, literalmente, de necessidades muito diferentes. Admito que acho mesmo meio complicado pensar em organização politica sem pensar em classes, mas isso não quer dizer que não entendo que para você possa ser, e que isso também já esteja de alguma forma implícito no seu pensamento. Ufa, espero ter me esclarecido! :)

Rodrigo Guéron Sim, caro Cezar. A questão do Minc é claramente um tipo de luta de classes, digamos "pós industrial". Não é bem proletários contra o capital, mas são os pobres contra os "donos da cultura" , a "cultura proprietária" e tal: modos de ser do capital hoje. O ataque aos pontos de cultura e a noção de que o Minc é uma questão da "classe artística" (como AH não para de deixar transparecer) é um antagonismo social claro. Há ainda uma disputa por mais valia na maneira com ela hoje se dá: de um lado os "donos do conhecimento" e dos "saberes", a captura afetiva, cognitiva e tal no lugar da "antiga" ( que ainda existe, não são etapas tão claras) mais valia quantitativa e de tempo, e as linhas de fuga a estas de outro. Produzir outros modos de vida, biopolítica contra o biopoder, produzir para além dos limites anti-produtivos do Capital e do estado. Há um "descontrole" saudável nos rumos produtivos dos P. de Cultura que assusta os aparelhos do Estado/Capital e que bagunça a relação tradicional entre eles. Tudo isso são antagonismos sociais claros para mim. O ataque ao Bolsa família, o discurso que é coisa de vagabundo, o preconceito contra os nordestinos depois da vitória da Dilma, tudo isso para mim é um desdobramento da luta de classes como luta biopolítica. Tem a ver com o que o Deleuze chama em certo momento de "neoarcaismos" do capitalismo, ou seja, a maneira como este tenta reverter os fluxos descodificadores do desejo dos quais ele necessita: disseminar anti-produção no movimento mesmo que a produção capitalista avança.

Cezar Migliorin Caros,
obrigado, estou aqui pensando. Nada como interlocutores dessa qualidade.
Bem, dúvidas: o fato de haver essa elite que ataca o bolsa-família ou que defende a cultura proprietária no MinC faz com que toda luta contra isso seja uma luta de classe? Se a resposta é sim, beleza. Mas ela não é feita apenas pelos pobres, mas por esses sujeitos políticos que tem suas produções vitais moduladas pelo capital.

A produção de valor não se dá por classe, talvez seja essa também uma dificuldade, mas por trabalhos muito individualizados que formam esse enorme precariado, e que não chegam a formar uma classe.
A luta contra a cultura proprietária, não é dos pobres, apenas, apesar de eles, como sempre, serem os mais prejudicados.

Olha, não vou excluir o aluno da Puc e sua potência política. Talvez seja essa transversalidade que eu acho importante afirmar uma vez que o que ele produz, subjetivamente, não será plenamente apropriado pelo capital - eis a dimensão biopolítica. O excesso dele também é social.
A tranversalidade que me distancia da luta de classe é porque estou tentando conectar lutas biopolíticas que conectam a comunidade que produz aqui no Brasil com a que luta na Espanha, percebe?
Há uma unidade na ideia de classe que me dificulta enormente quando penso na política hoje e nos eventos políticos no dito capitalismo cognitivo.
Entretanto, Jirau é problema de Classe!
Mais, falei em democracia no texto, posto que há povo! :)

Bruno Cava Acho que o pobre que não se mexe, que não resiste, não faz parte de classe alguma, mas se pararmos pra pensar num sentido mais desprendido, mais biopolítico, não há pobre que não se mexa, ele já está todos os dias na luta da lei da sobrevivência, já está todo dia constituindo um espaço criativo pra dobrar a adversidade e se apropriar do tempo, então aí tem sim um corte de classe que, menos do que sociológico, está na potência de vida na pobreza, na sua força que joga pra além.

Rodrigo Guéron Cezar, se quiser talvez seja o caso de não usar a expressão "luta de classes', mas coloco ela com origem de um fenômeno que tem um antagonismo social claro. É este antagonismos, esta desta disputa e desta resistência que é socialmente produtiva e leva a produção para além dos limites do Capital e do Estado que eu falo, para que não se perca isso de vista num tipo de pós-modernismo rasteiro.Não é mais, de fato, a classe como "unidade", o que acabou virando um imposição de cima para baixo às subjetividades, mas é sim resistência ao poder, ao que se opõe a potência inventiva da vida e por isso é, insisto, antagonismo social e liberação de novas potências em oposição ao poder no coração do socius.

Bruno Cava:  ‎Guéron e Cezar, pra mim está muito claro que um movimento por download, xérox, remix e remédio só pode ser luta de classe.

Cezar Migliorin:  ‎Guéron, Bruno e Natália

Ps. Me desculpem o texto longo, mas a pergunta sobre as classes esteve presente nos últimos dias. Abraços

Acho que essas posições precisam ser matizadas, as minhas pelo menos.
Não se trata, me parece, de trabalhar com a noção de classe ou não, mas de perceber que a noção de classe não dá conta da política contemporânea ao mesmo tempo que muitas das operações de opressão e exploração são operações de classe. Acho que uma dificuldade é operar as duas.
Bem, o limite da questão de classe passa por uma pequena colocação que fiz em um post acima em que eu falava da ideia de unidade presente na noção. Que consequência isso traz? Me parece que o mundo seria dividido em diversas partes e cada agrupamento ou indivíduo teria que fazer parte de uma classe. Essas classes poderiam ter muitas subdivisões ou apenas duas – ricos e pobres, exploradores e explorados, etc.
Tal construção enseja alguns problemas. O primeiro é que ele pode comprometer a idéia de que há alguma transformação efetiva quando um indivíduo ou grupo muda de classe, ou seja, as classes seria lugares metricamente organizados, esquadrinhamentos fixos. Se se está em uma não se está em outra. Ou seja, toda operação política seria feita a partir de um lugar dado e esse princípio organizaria a ação política. O que me parece problemático ai é que quando penso como classe, há um lugar que antecede a ação, uma estabilidade que antecede a prática, uma forma que não está em questão, que não é transformável.
Mas, ai, poderíamos argumentar que a classe implica um devir e uma modulação. Certo, concordo, não é possível imaginar tanta rigidez, partamos de grupamentos inteligentes. Mas, mesmo com esse devir, como se dá a relação com o fora? Com o que não é a classe? Que fronteiras são essas? Não teriam hoje os ajuntamentos sociais, um nível de complexidade, fluidez, redes e devires que, muito mais do que divisões métricas, seriam sobreposições, justaposições não necessariamente ligadas e conectadas a outros ajuntamentos? Entende? É difícil pensar em classe sem imaginar um mapa com vários bloquinhos cada um de uma cor, como se estivéssemos na frente de um velho mapa-mundi político em que cada país tem uma cor e que fossem todos diferentes entre si. Acho que esta configuração que se esforça em marcar fronteiras e diferenças mensuráveis entre as partes para formar uma unidade-mundo não dá conta do tipo de operação que existe hoje na política, não dá conta da forma como a vida e o trabalho estão em disputa.
Mas poderíamos argumentar então a classe não seria nem individual – um sujeito não pertence a uma classe - nem de grupo - , ela seria forma-resistência com conexões pontuais, mas acentradas que, em determinado momento, em certas práticas atualizam uma centralidade, como no mundo árabe, como na Espanha ou no Chile. Mas, se assim for, perdemos a noção de classe, ou, ela serve pouco, mesmo que eu concorde com o Negri quando ele diz que no capitalismo pós-fordista o proletariado se generalizou, todos trabalham e produzem de acordo com o capital.

Resumindo, se estamos de acordo que há uma sobreposição à disciplina; a forma controle e a modulação no lugar do molde, eu diria que a ideia de luta de classe é muito pouco. Mas claro, são camadas, como disse anteriormente. É difícil pensar o que se passa em Jirau, nas confecções da Zara com Bolivianos em São Paulo, nos operários que fazem a obra do Maracanã ou no metrô que vai em direção à Pavuna na hora do rush sem nos pautarmos pela relação explorador/explorado, mas, mais do que isso, como classe mesmo.
Finalmente, um último ponto, organizar hoje as lutas políticas pela noção de luta de classes, exclusivamente – incluído ai todas as transformações e lutas em torno da dita cultura digital – nos levaria à única coisa a se fazer efetivamente, a revolução. Ai, realmente me sinto muito distante. Acho linda a ideia, mas não trabalho com ela.

As tantas rosas que os poderosos matem nunca conseguirão deter a primavera. -Che

Beijos
c.


Rodrigo Guéron Marx disse em "A Estrutura de Classes na Alemanha" que "o grande problema do século XIX -- a abolição do proletariado -- finalmente é trazido a baila" ( Na Alemanha, com certo 'atraso'...). O que escapa à noção de "classe operária" é na maioria da vezes resultado da própria luta dos operários que , em geral, desejavam ir muito mais longe do que os programas de esquerda. E ir muito mais longe não foi o "socialismo", embora, como perspectiva utópica de destruição do modo de produção capitalista, tenha sido a grande força das lutas. Mas o socialismo acabou sendo uma espécie de triunfo do trabalho morto, da separação trabalho/subjetividade típica das fábricas: ou seja, não destruiu o modo de produção capitalista exatamente porque não libertou o trabalho, às vezes até aprofundou a sujeição do operário que acontece na separação trabalho/vida que lhe é típica. Mesmo que, justiça seja feita, a ideia de socialismo tenha sido fundamental para imensa ascensão social dos trabalhadores que permitiu eles desejarem ir além deste lugar em que eles eram (são) sujeitados através do trabalho, muitas vezes se liberando não pelo socialismo, mas pelo "medo do socialismo", ou pelo "socialismo por dentro do capitalismo" ( o que não é nenhuma contradição): o Estado de bem estar social que liberou uma série de possibilidades produtivas do comum, e salvou o próprio capitalismo e, de quebra ( o que não é pouco) apontou para a derrota do fascismo e, décadas depois, da própria URSS. Significa dizer que, mesmo com os bons salários, os operários, em certo momento do fordismo, usaram a renda e o EBS para deixar de ser operários, ou pelo menos para que seus filhos deixassem de ser. Gerações inteiras de jovens que entraram para a universidade no pós-guerra, por exemplo, como os primeiros de suas famílias ( o que aliás desconstrói, pelo menos parcialmente, a conversa que 68 foi um movimento elitista). Mas o importante, só para me ater num aspecto de sua mensagem( haveria outros para comentar, como suas reflexões sobre "revolução"), é que em certo momento o que houve de mais revolucionário nos operários foi o desejo de deixar de ser operário (que na pior das hipóteses mudou bastante o caráter do trabalho dentro das fábricas do "capitalismo avançado"). Neste sentido a insistência na ideia de classe operária acabou virando coisa de aparelhos de poder absolutamente absorvidos pela dinâmica capitalista. Sindicatos e partidos de "esquerda" passaram a ser instrumentos de controle da subjetividade dos pobres, que deveriam ser apenas "empregados assalariados", em outros termos: controle da produção desejante (expressão meio redundante...). Aliás, é preciso dizer, a noção de luta de classes, e a interpretação da história através dela é uma invenção de historiadores burqueses do final do sec. XIX, não de Marx. Eles que começaram a falar do triunfo da burguesia como classe, e por isso, quando começou-se a falar do triunfo do proletariado como classe foi uma ameaça terrível. Mas capturada no século XX, como vimos..

cinema e tecnologia


O observador acompanha um seminário sobre tecnologia 4K, um tipo de imagem digital de altíssima definição que garante ao cinema sem a película uma imagem com até mais informação que a própria película.
Os exemplos de aplicação se sucedem. Um dirigível filma fronteiras e o cinema se reaproxima da guerra. Um cineasta filma tartarugas em 3d e sentimos saudades de Nanook. Um cientista acopla a câmera a um microscópio e é do silêncio de Marey que sentimos falta.
Quando a tecnologia é separada de seu tempo – da política – ela apenas se torna risível ou fascista. 

7 de set. de 2011

Cinema, democracia e uma porrada de coisas

            Em recente debate com engajados servidores do MinC estive diante do óbvio. Não esperemos nada do MinC, da Ancine, do poder público.
            Se o cinema pós-industrial existe, e é o que mais nos interessa hoje, não é por conta do estado. Mas, como sabemos, a democracia se declara! Isso, significa que devemos pressionar, educar, exigir, impor.
            O estado é nosso, mas esses poderes não cessarão de dizer que somos a periferia, que a cultura sem espetáculo não é cultura, que é preciso movimentar a indústria, que as vidas são vazias e que se não houver sustentabilidade não serve. Eles dizem isso mesmo!
            A vida virou um problema de gestão, o que significa que a falência é algo possível.
            Quando o MinC diz que quer levar cultura para os pobres ele nega a democracia duas vezes. Primeiro diz que o pobre não tem cultura, retirando dele o que ele é. Segundo, o MinC se dá o direito de dizer o que é cultura e o que não é. Formas eficazes de eliminar o outro.
            O MinC pode mudar, mas qual estado está disposto ao descontrole da cultura? Qual poder está disposto ao poder de qualquer um?
            O que nos interessa no cinema hoje existe sem pagar pedágio para ninguém, existe pela força de jovens hiperativos que não se dispõe ao aburguesamento clássico que o capitalismo industrial prometia.
            Avise aos jovens, essa multidão entre a PUC e as favelas, entre Tahir e Puerta del Sol, que eles terão que trabalhar longe das redes sociais, com horários que separam vida e trabalho. Rirão em nossa cara ou farão o país parar.
            Uma juventude que se constitui trabalhando e se inventando em redes sociais e coletivos de criação não está disponível a largar esse mundo de hiperatividade produtiva para ser força de trabalho analógica em um mundo nostálgico da ordem e da disciplina das fábricas – tanto à direita quanto à esquerda.
            Quando a produção não se desdobra em ganhos sociais, há algo errado. É isso que leva milhões às ruas, seja para parar Madrid, seja derrubar reis.
            Avise aos jovens que as músicas, filmes e saberes são proprietários e que só alguns podem ter acesso. Virarão as costas como se estivessem diante homens de terno e gravata.
            A crise que Europa enfrenta é a mesma que inventa o cinema que temos hoje como um projeto político. Crise do governo central, do cultura proprietária, dos grandes orçamentos elitizados, da financeirização da vida, da elitização do saber, da separação entre produtores e consumidores, de restrição ao acesso.
            Como adaptar o mundo a essa nova cultura? Pergunta errada! Quando na Inglaterra os manifestantes fazem download material é porque a mudança já aconteceu, não há adaptação possível. A imaterialidade da produção contemporânea, sua desmesura, ecoa na materialidade, na carne e no sangue das vidas.
            Avise aos jovens que a internet será controlado e que a banda larga será restrita. Esse é o momento em que o Brasil parece estar. Momento de escolher entre a democracia, o descontrole das vidas produtivas, a invenção que pode se desdobrar em riqueza, ou Belo Monte, eliminação da diferença, homogeneização, aburguesamento revoltado e policial, banda larga para poucos.
            Estamos diante de novos sujeitos políticos e não apenas de novos consumidores, no mundo e no Brasil. Aqui, quando os pobres consomem são rapidamente chamados de classe C. Ou seja, são enquadrados em uma partilha da sociedade que lhes antecede, como se não trouxessem nada de novo.
            Se a digressão é excessiva é porque o cinema hoje tem essa responsabilidade com o país e com o mundo. Ele é inseparável da invenção que se faz hoje. Essa responsabilidade não é temática ou discursiva, ela é apenas democrática. Que o cinema seja em si uma forma de vida dissensual, distante das forças que insistem em organizar o mundo de cima para baixo e que a eliminam na hora de escolher quem estará na sala – de estar ou de cinema.
            Não colegas, não precisamos do MinC para levar cultura para ninguém, mas é com o governo Dilma, também, que podemos antecipar a democracia que a Europa se esforça em negar – as consequências são evidentes, nossa democracia pode ser outra.