7 de set. de 2011

Cinema, democracia e uma porrada de coisas

            Em recente debate com engajados servidores do MinC estive diante do óbvio. Não esperemos nada do MinC, da Ancine, do poder público.
            Se o cinema pós-industrial existe, e é o que mais nos interessa hoje, não é por conta do estado. Mas, como sabemos, a democracia se declara! Isso, significa que devemos pressionar, educar, exigir, impor.
            O estado é nosso, mas esses poderes não cessarão de dizer que somos a periferia, que a cultura sem espetáculo não é cultura, que é preciso movimentar a indústria, que as vidas são vazias e que se não houver sustentabilidade não serve. Eles dizem isso mesmo!
            A vida virou um problema de gestão, o que significa que a falência é algo possível.
            Quando o MinC diz que quer levar cultura para os pobres ele nega a democracia duas vezes. Primeiro diz que o pobre não tem cultura, retirando dele o que ele é. Segundo, o MinC se dá o direito de dizer o que é cultura e o que não é. Formas eficazes de eliminar o outro.
            O MinC pode mudar, mas qual estado está disposto ao descontrole da cultura? Qual poder está disposto ao poder de qualquer um?
            O que nos interessa no cinema hoje existe sem pagar pedágio para ninguém, existe pela força de jovens hiperativos que não se dispõe ao aburguesamento clássico que o capitalismo industrial prometia.
            Avise aos jovens, essa multidão entre a PUC e as favelas, entre Tahir e Puerta del Sol, que eles terão que trabalhar longe das redes sociais, com horários que separam vida e trabalho. Rirão em nossa cara ou farão o país parar.
            Uma juventude que se constitui trabalhando e se inventando em redes sociais e coletivos de criação não está disponível a largar esse mundo de hiperatividade produtiva para ser força de trabalho analógica em um mundo nostálgico da ordem e da disciplina das fábricas – tanto à direita quanto à esquerda.
            Quando a produção não se desdobra em ganhos sociais, há algo errado. É isso que leva milhões às ruas, seja para parar Madrid, seja derrubar reis.
            Avise aos jovens que as músicas, filmes e saberes são proprietários e que só alguns podem ter acesso. Virarão as costas como se estivessem diante homens de terno e gravata.
            A crise que Europa enfrenta é a mesma que inventa o cinema que temos hoje como um projeto político. Crise do governo central, do cultura proprietária, dos grandes orçamentos elitizados, da financeirização da vida, da elitização do saber, da separação entre produtores e consumidores, de restrição ao acesso.
            Como adaptar o mundo a essa nova cultura? Pergunta errada! Quando na Inglaterra os manifestantes fazem download material é porque a mudança já aconteceu, não há adaptação possível. A imaterialidade da produção contemporânea, sua desmesura, ecoa na materialidade, na carne e no sangue das vidas.
            Avise aos jovens que a internet será controlado e que a banda larga será restrita. Esse é o momento em que o Brasil parece estar. Momento de escolher entre a democracia, o descontrole das vidas produtivas, a invenção que pode se desdobrar em riqueza, ou Belo Monte, eliminação da diferença, homogeneização, aburguesamento revoltado e policial, banda larga para poucos.
            Estamos diante de novos sujeitos políticos e não apenas de novos consumidores, no mundo e no Brasil. Aqui, quando os pobres consomem são rapidamente chamados de classe C. Ou seja, são enquadrados em uma partilha da sociedade que lhes antecede, como se não trouxessem nada de novo.
            Se a digressão é excessiva é porque o cinema hoje tem essa responsabilidade com o país e com o mundo. Ele é inseparável da invenção que se faz hoje. Essa responsabilidade não é temática ou discursiva, ela é apenas democrática. Que o cinema seja em si uma forma de vida dissensual, distante das forças que insistem em organizar o mundo de cima para baixo e que a eliminam na hora de escolher quem estará na sala – de estar ou de cinema.
            Não colegas, não precisamos do MinC para levar cultura para ninguém, mas é com o governo Dilma, também, que podemos antecipar a democracia que a Europa se esforça em negar – as consequências são evidentes, nossa democracia pode ser outra.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabens Cézar! Muito bom!!