12 de set. de 2013

O desacordo



A proibição das máscaras nas manifestações aprovada pela Câmara do Rio e assinada pelo governador essa semana me parece mais um capítulo de uma truculência que atravessa várias instâncias de poder.
Nesse caso, a truculência é do poder legislativo e executivo. A truculência da polícia tem sido uma constante. A truculência legal aparece no caso das recentes prisões e da aluna da UFF que teve seu computador apreendido e agora retarda sua volta ao Brasil com medo de ser presa. A truculência da mídia se explicita a cada vez que manifestantes são organizados na chave do vandalismo. E assim seguimos com excessos de força em múltiplas formas dos poderes atuarem.
A força é uma das formas do poder se exercer, certamente não é a mais eficaz.
Quando o poder está internalizado e os sujeitos e comunidades corroboram os poderes nos pequenos atos do cotidiano, ele e muito mais sólido. Se no dia-a-dia os modos de vida corroboram as disciplinas, as constantes demandas por novos produtos, as formas de organização da cidade e as pautas da grande mídia, enquanto esperam as próximas eleições, então não há nada errado.
Se entre os processos subjetivos e a naturalização dos lugares de poder há uma comunhão, basta a esses poderes funcionarem através de micro adaptações aos movimentos da comunidade.
Entretanto, quando essas formas de vida, seus desejos e perspectivas de futuro, entram em desacordo com o que parecia natural, o consenso se desfaz.
Como escreveu o Guattari, não há revolução social sem revolução do desejo”

Quando o consenso desmorona, quando o papel que faz o congresso, a mídia, o espetáculo urbano, o governador e as demandas cotidianas do capital não fazem mais tanto sentido, o poder deixou de operar na modulação dos modos de vida e precisa refazer a unidade em torno de si.
Para garantir a sua centralidade e o consenso, a truculência desses poderes é a arma indesejável, mas disponível.

Quando há consenso em torno dos modos da comunidade se organizar e seus atravessamentos com as múltiplas práticas dos poderes, existem os excluídos dos dividendos dessa organização, mas quando o consenso se rompe, mesmo os incluídos se chocam com a cena que esses poderes tentam restabelecer à força.

Nas escadarias da câmara do Rio de Janeiro encontramos essa disputa por outra cena, uma disputa que não é apenas por esse ou aquele projeto, por essa ou aquela injustiça, mas uma expressão que se faz contra os lugares de fala instituídos, uma manifestação que no mínimo tem duas pautas centrais:
O que o poder faz e o próprio poder.

8 de set. de 2013

8 de setembro.


Tudo que acontece nas manifestações posteriores às jornadas de junho nos coloca novos desafios.
Em junho, questionava-se as manifestações por elas não terem um foco explícito; apesar dos questionamentos ligados à Copa das Confederações e à forma como esse evento trazia a tona uma elitização generalizada do espaço público. Espaço público este em disputa desde as primeiras manifestações em que a questão do transporte era central.
Apesar da diversidade de reivindicações, as manifestações estavam centradas em um desejo por uma dimensão comum da riqueza, seja no acesso aos jogos e legados, seja no acesso à riqueza da cidade, em que o transporte é necessário.
Junto às múltiplas reivindicações, as jornadas de junho foram marcadas pela ausência de lideranças, seja de indivíduos, seja de organizações tradicionalmente instituídas.
Desde então, e falo especialmente do Rio de Janeiro, vimos a radicalização desses dois aspectos: a reivindicação pelo direito à cidade, centrada na luta por uma CPI verdadeira sobre as relações entre políticos eleitos e empresários de transporte. E na radicalização do anonimato presente na multiplicação das máscaras e dos manifestantes que apenas reivindicam serem a multidão.
Como sabemos, a política do Rio está em grande parte sustentada pela conexão com o capital ligado ao transporte e à construção. O Porto Maravilha, por exemplo, a principal obra urbanística de preparação do Rio para as olimpíadas tem o seu espaço esquadrinhado pelas empreiteiras Odebrecht, OAS e Carioca; sendo que as duas últimas são as maiores doadoras da campanha do prefeito. Já Odebrecht, íntima do governo do estado, é dona, por exemplo, de todos os acessos hoje à Niterói, uma vez que é majoritária da CCR que controla a ponte, as barcas e ônibus que leva a Niterói.
Por essas razões, a CPI dos transportes se tornou questão central para a democracia e graças à ação de algumas centenas de manifestantes conseguiu-se explicitar o autoritarismo da câmara e do prefeito ao impossibilitarem que a CPI fosse instalada com a presidência entregue ao seu proponente. Temos hoje no Rio uma CPI em que todos os membros votaram contra a sua existência.
O segundo ponto, o anonimato, também encontrou nas manifestações pós-junho uma intensificação. Os mascarados viraram uma estética, uma marca que explicita um destemor em relação ao poder opressor: podem jogar o seu gás que aguentamos!
As máscaras marcam o “um qualquer” o mais um. Somo muitos, multiplicáveis mas sem nome, sem líder. No mundo das celebridades, tal anonimato é perturbador.
O curioso nisso é que essa estética que antes parecia restrita a um grupo, disseminou-se. No 7 de setembro eram muitas as variáveis dos jovens vestidos de preto, difícil hoje organizá-los como um grupo coeso e único, como gostaria a grande mídia e os poderes que os incriminam indiscriminadamente.
Me parece que o desafio é tirarmos as reais consequências dessa forma da política se fazer presente hoje; em tensão com o direito à cidade e recusando a naturalização do espetáculo das celebridades que atravessa a política – cineastas inclusive.
Como me perguntava um amigo: o que você propõe no lugar das eleições que reorganizam os poderes em torno do capital?
Sinceramente, não sei, só sei que aqueles que ocupam as escadarias da câmara do Rio trouxeram novos componentes, absolutamente necessários, para a política.

sinopse Rio

O moço faz campanha do prefeito na televisão, empresta sua cara e fama inflada por uma grande emissora e depois recebe 750 mil do mesmo prefeito para fazer um institucional para uma empresa da prefeitura.
Na sequencia volta ao jornal da mesma emissora e mostra sua indignação contra os que não cumprem as regras e com os políticos que recebem dinheiro de empreitaras - prefeito que para quem ele fez campanha, por exemplo.
Pra fechar, tudo na legalidade, nos pede para não nos alterarmos e mantermos a calma.

Uma vidraça quebrada no Leblon