Com frequência
aproximei as manifestações contra a Copa e pela tarifa zero, como
movimentos de resistência ao capital e pela democracia.
Essa
afirmação pode parece óbvia, mas continua causando espanto em muitos que
acham estranho virmos a público dizer que o Capital precisa de limites e
que sua ação é sempre violenta contra aqueles que nas ruas ou em
práticas cotidianas não se submetem às suas forças como se naturais elas
fossem. Para as forças do capital, a democracia, a direito de qualquer
um atuar politicamente na cidade, é irrelevante, pois seu foco é outro.
Para ser mais didático, quando critico o capitalismo, seus macro e
micro-fascismos, isso não significa nenhum elogio a qualquer outro tipo
de sistema político econômico que conhecemos.
É apenas triste ouvir
algo do tipo: - se você não gosta do capitalismo, vai para Cuba. Ter que
contra-argumentar a partir de uma afirmação desta é parte dos
micro-fascismos do capitalismo. Ou seja, retirar a legitimidade da
crítica apontando para macro-sistemas, obviamente falidos, como se
trabalhássemos sempre dentro de uma dicotomia ou nós – o capitalismo
como prática e regime econômico político – ou eles – inviáveis no mundo
contemporâneo. O que parece difícil para muitos é entender que é dentro
do capitalismo - ou nosso mundo - que pensamos.
Nesse sentido, o
fundamental aqui é entender que o capitalismo não é um sistema de
governo ou um sistema de trocas escolhido por estados-nação. Bem mais
complexo, o capitalismo é hoje o centro organizador de uma infinidade de
práticas subjetivas, políticas e, obviamente, econômicas. Dito isso,
entendo que a luta é interna a ele.
A universidade pública, por
exemplo. Por uma lado ela é evidentemente uma resistência à centralidade
das trocas fundada nos ganhos de capital. Sendo estatal, ela depende de
enormes esforços sociais para continuar existindo à margem da
centralidade do capital. Entretanto, no seu interior as práticas
tipicamente ligadas ao capital são presentes: competição, urgência de
ganhos, estímulo à distinção por títulos e verbas, etc.
Ou seja,
quando falo de uma crítica ao capital, mais do que uma negação genérica
do capitalismo – o que seria ingênuo e inócuo – estou pensando nas
possibilidade que temos em inventar o comum e a democracia e isso não se
faz sem tensão com as práticas capitalistas.
Voltemos à passagem de
ônibus. Em um país capitalista como a França, por exemplo, um
trabalhador gasta aproximadamente 1/35 do salário mínimo para se
locomover livremente e sem limites na cidade. No Rio de janeiro o
trabalhador gasta 1/5 do salário mínimo para ir e voltar diariamente de
sua casa ao trabalho. Ou seja, não se trata de ser contra a presença de
empresários no transporte, mas de um problema de centralidade da prática
capitalista e do nível de resistência que uma sociedade foi capaz de
construir. É óbvio que tarifa zero é mais democrática que a restrição em
ir e vir feita por princípios econômicos, mas se a tarifa zero não é
possível no momento, qual o princípio que norteia o preço da passagem? O
ganho de capital ou o princípio de que este é um bem comum onde não
cabe a distinção pela situação econômica? Isso posto, torna-se risível
qualquer argumento que oponha a tarifa-zero à qualidade do transporte. O
mesmo vale para a água, para a escola, para a saúde. A riqueza
produzida pelo homem deve, antes de tudo, garantir que esses mesmo
humanos não sejam alijados do que lhes garante viverem as suas potências
de vida, trabalho e invenção.
Necessário repetir? As lutas
micropolíticas, são formas de tensionar o capital, porque no mundo
contemporâneo, não estamos no tudo ou nada, mas em embates cotidianos em
que se disputa no detalhe o direito das formas de vida não serem
submetidas às regras totalizante do capital – uma ordenação que não vê
problema algum em servir àqueles que podem participar de suas maravilhas
e de suas forças de invenção e excluir totalmente os que não podem ou
não compartilham de seus princípios e meios.
O que está em jogo nas
críticas à Copa e nas manifestações contra o aumento de passagem é,
justamente, porque vivemos um momento em que se evidência que as
encantadoras forças do capital são também aquelas que nos levam para o
fundo e nos sufocam. A sedução da presença do Brasil como um “player”
mundial vem acompanhada de uma intensificação de práticas totalitárias e
excludentes – o que não é estranho a todo e qualquer movimento do
capital – mas como não estamos no tudo ou não e como nosso mundo se
constitui nas formas que temos de inventar o comum e o democracia, nos
resta resistir. Outra possibilidade é aceitar o mundo feito para uns e
não outros – o que definitivamente não é nada natural.
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