23 de mar. de 2014

Porto Velho - uma breve passagem.

1
O Seu Rabelo é pescador, tem 63 anos e essa é a maior cheia que já viu.
Ele diz que as usinas de São Antonio e Jirau formaram um grande lago em torno de Porto Velho. Como o rio Madeira é muito barrento a força da água que passa pela usina empurrou o barro e represou a água. A casa dele está completamente alagada.
O Christyann, que mora aqui em Porto Velho, me conta que os estudos de impacto ambiental para a construção de Jirau apontavam para a possibilidade dessas enchentes.
Uma outra pessoa com quem conversei me contou de uma peça de Teatro que há três anos encenava o alagamento da cidade para criticar a construção da usina. Hoje a peça é feita na parte alagada.
O seu Juarez, também pescador foi enfático. Essa água não baixa mais. Vai descer um pouco, mas o alagamento da parte baixa de Porto Velho é pra sempre.
Bem, não tenho elementos para ter certeza de que as usinas são a causa direta da enchente, mas por aqui há um consenso.
Já a Dilma diz: “Não é possível olhar para essas duas usinas e achar que elas são responsáveis pela quantidade de água que entra no Madeira. […] É a gente diante da natureza e da força dela.”
Torço para a Dilma ter razão. Já o seu Rabelo, quando falei da força da natureza riu. Você acha natural milhares de caminhões de concreto no meio do rio Madeira?



2
Sérgio de Carvalho postou hoje diversas e impressionantes imagens da cheia aqui de Porto Velho.
Todos aqui nos lembram: - Você não imagina como estão as populações ribeirinhas.
Conversamos muito sobre a dificuldade das nossas imagens trazerem a gravidade do que acontece. Isso foi assunto com os ótimos professores do Inventar com a Diferença.
A água do rio está contaminada, o principal jornal da cidade diz que há risco de contaminação dos peixes, o cheiro é forte em muitas partes da cidade, 11 mil alunos estão sem aula enquanto todos esperam a hora de começar a limpar o barro.
Entretanto, o jornalismo parece ter nos anestesiado para as imagens de tragédia. As casas debaixo d’água parecem substituíveis; Camboja, Baixada Fluminense ou Porto Velho.
Mas, ao mesmo tempo, essas imagens são necessárias. São elas, também, que não permitem que nos contentemos com explicações constrangedoras como a de Dilma: “Forças da Natureza”.
Além de Jirau e Santo Antônio há o degelo dos Andes. No concreto que cruza o Madeira e no aquecimento global, estamos nós mesmos: engenheiros, cientistas, carros 4X4 andando pela cidade e uma lógica desenvolvimentista que apenas repete: consuma mais energia.
Amanhã volto a pé para o Rio de Janeiro. Até lá, mais uma imagem, de longe.


3
O encontro com professores, com o Christyann Ritse e diversas outras pessoas em Porto Velho, mas, sobretudo com o Sérgio de Carvalho, que vive há 10 anos no Acre, me fez perceber a intensidade das tensões e disputas que se dão na região.
Nas omnipresentes televisões de Porto Velho, o que víamos eram notícias do Rio e de São Paulo. Um assalto seguido de morte no Rio de Janeiro ocupava muitos minutos do telejornal. – isso no dia em que uma pesquisa aponta para o fato de o Brasil ter 16 cidades entre as mais violentas do mundo e o Rio de Janeiro não estar entre elas.
Quando estou aqui no sudeste, essa centralidade parece normal, esqueço que estou vendo notícias “nacionais”, em Porto Velho era só uma triste distorção.
No pouco tempo que estive em Porto Velho conheci médicos cubanos chegando para trabalhar em Rondônia, imigrantes haitianos que entraram pela tensa Brasiléia, no Acre, e encontram pequenos trabalhos também em Rondônia. Vi de perto as enchentes e as tentativas do governo federal em dizer que se trata apenas de um fenômeno climática – forças da natureza - , como se nem mesmo a pergunta sobre o “funcionamento” da enchente pudesse ser colocado. No mapa de Rondônia, por satélite, podemos ver ainda a intensidade dos desmatamentos - 140 mil hectares de soja. Sérgio me falava ainda de um embate que se aproxima, por conta da presença de petróleo em terras indígenas no Acre.
Energia, fronteiras, água, agronegócio, direitos indígenas; a sensação é que há um país em disputa no Norte, embates por mundos específicos em lugares frequentemente frágeis diante de macro-poderes.
Quando o Sérgio há dez anos atrás decidiu ficar por lá, entendi perfeitamente.



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