Em 2007 o Lars von Trier lançou o filme “O diretor”, nele um ator é colocado no lugar de um diretor de uma empresa. Sem ter noção do que faz ali, dizendo e fazendo absurdos, a empresa e as relações de poder continuam a existir à revelia de sua loucura. O filme fala de uma empresa autonomizada, em que os sujeitos são irrelevantes.
Como no filme de Trier, o ex-ministro das finanças grego, Yanis Varoufakis, narra o funcionamento do Eurogroup como um corpo antônimo em que os sujeitos, ideias e argumentos não fazem papel algum.
Em um momento da entrevista ele diz:
“Você coloca um argumento que realmente trabalhou e você é apenas confrontados com olhares vazios. É como se você não tivesse dito nada.... Você pode muito bem ter cantado o hino nacional sueco - você tem a mesma resposta.”
No Eurogroup descrito por ele, tanto faz ser o ator do filme de Trier ou um brilhante intelectual da economia atuando como ministro. O funcionamento do sistema se organizou de tal maneira que a entrada de outra voz ou sujeito, mesmo com as credenciais para se fazer ouvir, não existe.
O que Varoufakis narra é propriamente a desconexão entre o poder econômico que organiza a política e a democracia. A democracia é essencialmente um sistema instável em que o poder do momento é permeável ao povo, uma vez que é representante – parte – do próprio povo. Eliminar a democracia é antes de tudo transformar em ruído o que é fala - nos termos de Rancière - ou, transformar em hino da Suécia o que é argumento econômico.
O ministro das finanças alemão, o cérebro dessa máquina acéfala, é muito claro. As eleições dos países membros não podem alterar o funcionamento do sistema.
"Bem, talvez não devamos realizar eleições mais para os países endividados", diz Varoufakis. A ironia do grego é a realidade que estamos vendo na Grécia.
O que aconteceu não foi que as negociações não deram certo, o que aconteceu foi que não havia lugar para negociações, simplesmente porque entre a democracia e a ausência dela existe um abismo. São duas formas de entender o lugar dos sujeitos no poder e no mundo.
“As negociações demoraram enormemente, porque o lado deles se recusava a negociar”. “Quando eles nos perguntavam o que pretendíamos fazer com o VAT, eles rejeitavam a nossa proposta, mas não vinham com uma contra-proposta. E então, antes de chegarmos a um acordo, eles mudavam para outra questão, como a privatização. Nós apresentávamos propostas, eles rejeitavam. Então eles passavam para outro tópico, como pensões, de lá para mercados de produtos, relações de trabalho e a partir de relações de trabalho para todos os tipos de coisas. Era como um gato correndo atrás do próprio rabo.”
O que o caso grego parece estar explicitando de maneira pouco usual é que a democracia no ocidente não só é operada pelos grandes poderes econômicos, como conseguiu institucionalizar o golpe e a derrubada de governos democraticamente eleitos. Tsipras pode até ficar no poder, mas terá que abrir mão do papel que o levou a ser primeiro ministro. O hino da Suécia vai sendo entoado em coro.
Por que isso nos interessa? Primeiramente por que toda política precisa necessariamente passar por uma dimensão internacional para poder se fazer política novamente. Os piores inimigos da Grécia nas não-negociações com o Eurogrup eram Portugal e Espanha. Os países em que a situação não é tão distante da Grécia antes dos bancos fecharem. Segundo, a política de austeridade não precisa de mais exemplos de fracasso. O que ela vem fazendo em Portugal, na Grécia ou Brasil é eliminar os sujeitos, seja do debate político – como o próprio ex-ministro grego, seja pela pobreza que aparece da Europa como havia deixado de existir. Como diz Pablo Iglesias, do Podemos, “austeridade significa que nós nos tornamos uma colônia da Alemanha, austeridade significa o fim da democracia.” Talvez o que nos caiba hoje não é perguntarmos se os cortes na educação, na cultura ou nos direitos trabalhistas são necessários ou suficientes, mas se temos interesse na democracia ou se simplesmente queremos pessoas cantando o hino da Suécia.