31 de jul. de 2010

O evangelho Segundo Teotônio, (1984) de Vladimir Carvalho

Notas para uma conversa sobre o filme
Festival Brasileiro de Cinema Universitário 2010
Caixa Cultural -  30/08/2010


O evangelho Segundo Teotônio, 1984 de Vladimir Carvalho
A dificuldade em comentar esse filme está em grande parte na força do personagem.
A atenção precisa estar no detalhe, nas opções que podem parecer apenas "naturais" uma vez que se tenta documentar alguém, contando sua vida. Trata-se de atentar para óbvio, nenhuma vida está pronta para ser narrada, ou melhor, uma vida é uma narração com o real.
Guardo uma admiração pela obra engajada de Vladimir Carvalho. Uma obra que se engaja no que acredita, normalmente as boas causas - no meu ponto de vista, é claro -, uma obra disposta ao embate, um embate que Vladimir faz com as armas que tem  mão, a câmera, a montagem. Nesse engajamento,  Vladimir sempre se dedicou ao homem comum, aos pequenos gestos, ao trabalho, à forma de ocupar o tempo, mas claro, pautado por um aguçado sentido de liberdade, de resistência às opressões.
O evangelho Segundo Teotônio, é preciso destacar, se trata de um filme maduro, de um cineasta com mais de 20 anos de carreira e que se permite abordar um personagem difícil, sendo muito generoso com o filme e com o personagem. A marca de Vladimir aparece na maneira com que de identifica com Teotônio, pelo desejo de luta, um desejo amparado pelo desejo e curiosidade pelo povo. Também por uma liberdade desgarrada, freqüentemente quixotesca.
Como escreveu o Carlos Alberto Mattos: “O uso maciço da poesia e da música é outra característica destacada na obra do documentarista, que rejeita o purismo dos não-intervencionistas. Com isso, erigiu-se numa espécie de rapsodo, movido ora pela indignação, ora pela admiração, mas nunca pela curiosidade indiferente. Seus filmes operam no registro da empatia, deixando o autor transparecer em cada decisão de corte, em cada escolha sonora, em cada tijolo da edificação”.  (Carlinhos)
Os filmes de Vladimir são atravessados por essa admiração pelo homem simples, e, em Teotônio, essa é a chave para entendermos o personagem.
Desde o primeiro plano do filme a opção é clara. O plano geral se fecha em zoom deixando fora de  quadro o realizador e se concentrando no personagem, em Teotônio Vilela.
Certo, trata-se de um personagem ambíguo e é isso que o filme destacará, sobretudo nas entrevistas com políticos que o conheceram de perto.
Mas, mais do que isso, o filme me parece possui uma tese e essa é talvez o ponto mais importante da minha fala. A tese, talvez óbvia, diz mais ou menos o seguinte:
Teotônio era um homem de esquerda, na política entra para a direita para depois assumir posições nacionalistas e libertárias, mas essa passagem de um campo a outro, estava dada na sua história, na maneira como cresceu, na forma como lidou com o campo, com a natureza e com a gente simples.
Nesse sentido, talvez o filme, que começa com a música: Menestrel das alagoas, em que o refrão diz: quem é esse?
Talvez tenha chegado ao fim do filme sabendo quem era esse e com a montagem tentará explicitar para o espectador.
O filme é nitidamente dividido em duas partes.
1 - Na primeira, construída cronologicamente, acompanhamos a Gênese do Senador. O trabalho, o campo, o pai e a mãe, as memórias.
Nessa primeira parte, Vladimir faz uma costura entre dois tons: a informação e a digressão.
Por exemplo, ao falar do pai, descobrimos alguns dados biográficos do pai para logo nos concentrarmos em seu radical agnosticismo, essa digressão logo ganha um tom poético:
“Você me cutucou para o passado”: entra música - filme compartilha e corrobora a reflexão de Teotônio que nesses momentos é muito menos fundada na informação do que em uma certa experiência com o cotidiano, uma experiência que no limite é estética, da relação com os animais, com o aboio, atenta aos detalhes.
O milho arrebenta a terra, diz Teotônio, e o filme está lá para corroborar sua visão. A câmera entorta e a música simula o som do milho arrebentando.
É essa relação estética com o mundo, com a natureza, com os sons e com as pessoas é o que nos leva para a bela seqüência em um bar em que são contados causos, amigos são encontrados. O filme ali é um promotor de encontros afetivos, constrói o personagem junto ao povo, rindo, alegre.
- Os operários eram meus irmãos, diz Teotônio num certo momento, e nada no filme desmente essa percepção que o personagem tem de si.
Nessa primeira parte então a política não entra, apenas informações que são mediadas por uma relação afetiva com a vida e com as coisas e pessoas simples.
Parte 2
Com mais de 35 minutos de filme, depois de ter construído esse personagem empreendedor, ligado a natureza, disposto ao trabalho duro e afeito ao povo em sua dimensão poética, o narrador volta para nos dizer que por motivos externos -  a quebra do preço da açúcar,
-       Teotônio é obrigado a abraçar a política!
Essa frase é muito curiosa. Ela é dita pelo narrador (a). Trata-se de uma conclusão tirara pelo filme. A política não era uma opção, um destino - isso que Teotônio não gosta - mas uma obrigação. A política aqui é uma fatalidade.
Tal frase tem ecos platônicos, se quisermos. Segundo Platão, a pior pessoa para exercer o poder é aquela que deseja o poder. Tal percepção levaria à escolha daqueles que devem estar no poder a uma escolha feita por sorteio.
Talvez esse fosse o princípio democrático por excelência: Por dois motivos. Primeiro que o poder seria exercido por aqueles que não o desejam, segundo que o escolhido será aquele, ou aqueles, que não tem nenhuma legitimidade outra, além de ser do povo, para estar no poder, não é nem a aristocracia (poder dos melhores) nem a plutocracia (poder dos mais ricos) nem a Theocracia, (poder dos religiosos), nem a gerontocracia (Do grego geron, o mais velho - governo dos mais velhos).
Teotônio assume a política por questões pessoais e tem plena legitimidade democrática para estar ali: sai do povo e não tem legitimidade especial, nem faz da política um lugar para representar algo ao qual já pertence
Nesse sentido, Teotônio está no lugar de torna-se um sujeito político, ou seja, não ser aquele que representa, mas aquele que rompe relações estagnadas de classe e de identidades.
É justamente esse lugar que o filme dará ao político.
Essa segunda parte será pautada pela macro-política: questões de terra, de prisioneiros políticos, de greves no ABC, de eleições, presidência do PMDB, disputas palacianas etc.
Nesse momento o filme se abre para um novo registro, construído com entrevistas com pessoas que conheceram Teotônio e tem algo para falar sobre ele. Esse conhecedores, no informam,  sobretudo, que Teotônio era um inclassificável.
Os adjetivos vão todos nessa direção: inclassificável, paradoxal, autocrítico, complexo,  nem de direita e nem de esquerda.
Teotônio é obrigado a entrar na política e, de certa maneira, está acima dela.
- Ele é o Teotônio, como diz uma dos entrevistados. Tão solitário quanto naquelas noites e dias em que levava o gado. Teotônio é engajado mas não filiado, preso a idéias estanques.
Seu engajamento com causas populares e nacionalistas tem uma linha de continuidade com o homem que conhecemos no interior das Alagoas. E é assim que o filme constrói “um herói da anistia”
- Praticamente um socialista..., diz alguém.
Neste desgarramento engajado, Teotônio participa no início dos anos 80 - da redemocratização e em 80, faz a medição do confronto entre estado e trabalhadores
Com perspicácia, o filme dá especial atenção ao ABC, intuindo que ali se jogava o futuro do pais, certamente influencia o fato de termos nesse momento depoimentos fortes de Teotônio no calor da hora, em plena movimentação.
É nesse momento que o filme traz um plano emblemático, de grande importância na sua materialidade histórica. Em um plano, sem cortes, o filme passa de Teotônio para Lula, na rua, em plena mobilização do ABC.
Lula não pode falar, “fala com os advogados, é melhor.”
A força do documentário: A tensão está ali, em meio a uma situação que está se jogando ali, naquele instante.
--
Na parte final do filme, temos mais uma espelhamento entre uma dimensão pessoal e os reflexos na política. A doença o torna um radical.
 - O Delfin é jumento,
 - O Langoni, descomposto
 - O Tuma é embaixador do arbítrio
Como presidente do PMDB, novamente ele está no centro, na tensão dos acontecimentos. No silêncio de Fernando Henrique ao lado de Teotônio. Henrique Cardoso vestido com velhas roupas de inverno, trazidas ainda da época do exílio, tenho a sensação que o filme ainda não sabe a significação histórica daquelas imagens. Henrique Cardoso está longe de se tornar presidente, Lula então.... Essa falta de contexto para aquelas imagens faz com que o filme se alongue, como que nos deixando claro que aquelas cenas ainda não se articulam.
Teotônio, no calor dos acontecimentos, defende a classe operária, “pode sentar com o presidente”, mal sabia ele que estava ali, cercado pelo classe operária que assumiria a presidência e não que sentaria com o presidente.
O filme percebe que ali  - nas greves, nas diretas, naqueles personagens - Henrique Cardoso, Lula, Covas, Ulisses - há algo acontecendo e, sem pressa, espera os discursos, deixa  o narrador minimante presente, retira as músicas, o realizador não aparece mais.
O discurso de Teotônio, de esquerda e contra o imperialismo, assume o filme e o silêncio do próprio filme é uma maneira de compartilhar e aderir ao discurso de “esquerda nacionalista” que ali se ensaia.
No final do filme, temos uma síntese das duas partes do filme que se juntam pela música dos créditos, a morte, a radicalidade revolucionária, a infância com o som do milho se rompendo. Somos apresentados assim à trajetória circular da vida de Teotônio, um desfecho ideológico e política em perfeita harmonia com o homem simples engajado com as coisas simples e essências.


25 de jul. de 2010

Philippe Descola no Quai Branly

Oi Barbara,

Na sequência dos teus comentários no twitter que reproduzo abaixo:

1 - Fui ver a tal da exposição onde o Philippe Descola propõe 4 classificações das imagens. Proposta boa mas apresentação simplória.

2 - Me parece q o Descola cai numa arapuca: como colocar lado a lado, em 4 categorias (animismo/totemismo/analogismo/naturalismo) fabricação histórica de imagem com fabricações que são, por desejo desejante, a-históricas??? FABRIQUE DES IMAGES: http://bit.ly/b805pX


Antes de tudo tive um prazer nessa exposição, uma certa experiência e curiosidade, maior que normalmente tenha nas exposições, seja no Branly ou em outros lugares em que as imagens desse tipo são expostas dentro de uma ordem cronológica ou geográfica. Nesse sentido, me agrada o esforço do Descola de encontrar linhas comuns que atravessam esses quatro modos de representação, para além do contexto, é verdade. Mas, não seria essa a possibilidade dessas imagens voltarem a existir, não sendo apenas objetos que presentificam outras culturas, alienadas - a não ser pelo colonialismo -  da nossa? Mais, esse gesto não se constitui em uma forma anacrônica de se fazer história, uma história pelos modos de ser do observador?

Fiquei ainda me perguntando se quando nos aproximamos do perspectivismo e do multinaturalismo ameríndio, via Viveiros de castro, não estamos fazendo um gesto parecido do Descola. Ou seja, operando passagens conceituais entre um universo "encantado", do animismo, por exemplo, e um universo histórico? 

Acho que, no limite, o Descola respeita esse universo em que humanos e não-humanos não estão separados, o que dificulta a própria história, não? Nesse sentido, acho que o ele não está interessado em história não - nem as categorias são históricas - , o esforço é de que aquelas imagens sobrevivam à partir do modo como elas operam como o mundo, do modo como elas aparece à partir de formas específicas de ver/estar no mundo.

Obrigado pela provocação. meu abraço



19 de jul. de 2010

Paulo Renato e a meritocracia.

A entrevista de Paulo Renato para a Veja

Se faltam motivos para não se votar no Serra, vale ler a entrevista.

Todo o discurso do ex-ministro (governo Henrique Cardoso) é pautado pela meritocracia, sem nenhuma reflexividade em relação à essa adesão absoluta.

Nesse sentido, lembro um leitura recente de Luc Boltanski no livro, De la Critique em que o sociólogo coloca alguns pontos sobre a meritocracia.

Destaco dois:

Em uma sociedade pautada pela meritocrática, deve-se enraizar as competências dos atores sociais, mas, para isso, há um problema, as provas de competência não podem ser feitas o tempo todo, assim como as competências não são estáveis e apropriadas às variações que o próprio contexto demanda. Ou seja, nem os sujeitos são sempre competentes, nem essa competência tem sempre como ser avaliada, nem o lugar em que essa competência irá ser usado é imóvel. Para estabilizar essas competências, Boltanski diz que essa sociedade pautada exclusivamente pela meritocracia "é facilmente ameaçada por uma forma ou outra de racismo ou, ao menos, de naturalismo biologisante"(p.60)

O desdobramento do argumento é divertido, se não trágico:
Para que uma prova meritocrática seja realmente justa cada prova deve considerar as necessidades das capacidades da pessoa, deve considerar a pessoa em particular em situações particulares. Tal prova meritocrática impossibilitará qualquer comparação entre sujeitos o que torna essas provas inúteis.

A não ser que, claro, optemos (segundo ponto) por deixar de lado a noção de justiça e as provas meritocráticas tenham como fim a maximização das diferenças entre indivíduos concorrentes. Individualização e uniformização das diferenças - subjetivas, sociais, etc, - eis a forma da meritocracia funcionar.

Quem conhece um pouquinho a universidade sabe o que isso significou na época do Henrique Cardoso.

15 de jul. de 2010

O problema é a Turquia e o Brasil, não o Irã.

Breve nota na Folha de hoje traz declarações impressionantes do diplomata britânico Alastair Crooke.
O diploma explicita que as sanções contra o Irã feitas pelo conselho de segurança foram mais voltadas para o Brasil e para a Turquia, com o interesse de manter a atual ordem hegemônica americana, do que, propriamente, contra o Irã.

Da Folha: As sanções "expressaram os temores americanos diante da evaporação do respeito pela liderança dos EUA e sua preocupação com a ascensão das novas potências’. Em suma, elas ‘visaram a tratar rudemente [stiff] duas dessas novas potências, Brasil e Turquia’, que precisavam ser ‘colocadas na linha’.

O diplomata já havia escrito sobre o acordo em Maio:
http://mideast.foreignpolicy.com/posts/2010/05/26/secretary_clintons_cold_shoulder_on_the_iranian_fuel_swap_deal

8 de jul. de 2010

LINKs para referências citadas no labculturaviva

  1.  Cicero Silva: Editores de Vídeo online - 1) www.jaycut.com/ > 2) www.moviemasher.com/ > 3) www.gorillaspot.com/ 
  2.   Cicero Silva: Play power - Jogos para computadores de 10 USD - http://playpower.org/ 
  3. @alemos: Milk Project / Esther Polak - http://migre.me/Voj5
  4. @alemos: crossroads (what to do) by Garvin Nolte - http://vimeo.com/12748440 
  5. @gbeiguelman: Mobile Crash / Lucas Bambozzi - http://migre.me/Vo3Q

  6. @gbeiguelman: Tokojin Yoshioka / Hérmes - http://migre.me/VnZR

  7. @gbeiguelman: Vodafone Symphonia - http://migre.me/VnYp