28 de nov. de 2010

Quero ser brasileiro.

Tupinambás, Nietzsche e o documentário Brasileiro, foi com esse trio que fiz minha última palestra na Universidade de Salzburg.

Falar fora de casa, para um público estrangeiro, é sempre estranho e curioso. A mistura entre Tupinambás e o alemão, no Brasil, causa algum estranhamento, aqui provou sorrisos de alegria. O Nietzsche parecia revitalizado, conectado com algo que o público jamais imaginara.

Comentando os textos de Eduardo Viveiros de Castro e a relação dos Tupinambás com os Europeus, a reação era de outra ordem. Brasileiros que vivem com austríacos se identificavam com a inconstância dos Tupinambás diante da constância dos europeus. Mas, há também os austríacos canibais, devoradores, talvez mais raros.

Ser brasileiro não é privilégio de quem nasce no Brasil ou ao sul do Equador. Esse fluxo-Brasil está ai disponível para quem se habilitar à entrar; tão sedutor, tão mobilizador e por vezes tão duro e horrível. Alguns tem no destino essa marca, como eu. Outros vão atrás, buscam sons, línguas, imagens, pessoas e ai vão fazendo variar a constância, seja ela portuguesa ou austríaca. Para esses que não tem o Brasil como destino, que estranha decisão; se associar a Tupinambás inconstantes, devoradores dos amigos e dos inimigos - de maneiras diferentes.

27 de nov. de 2010

O Rio de Janeiro é o mundo

De longe acompanho os eventos que tanto mobilizam a cidade do Rio de Janeiro.
Leio ótimo artigo  do Luiz Eduardo Soares sobre polícia, tráfico e mídia ao mesmo tempo em que recebo um mail da escolas das crianças suspendendo as atividades da tarde, por conta dos carros queimados, do clima de insegurança.
Em Salzburg neva e as pessoas circulam no mercado de natal. Não faço aqui uma montagem simplória entre a violência do Rio de Janeiro e a tranquilidade de Salzburg, não é isso. O que talvez me mobilize tanto no Rio é porque o mundo parece estar ali. Não há riqueza sem conflito, não há bem estar sem embate.
No Rio todo gesto parece ser político, urgente.
O que se passa no Rio nesse momento nos angustia porque nos exige ainda mais. Mais ação, mais mobilização, mais democracia.

26 de nov. de 2010

Neva em Salzburg

Terceiro dia em Salzburg e neva muito. A neve parece ser o que há de mais adequado para a cidade e para a paisagem.
Faz frio, todos estão em casa,  mas nas ruas há sempre muito pouca gente.
Não sei se em outros momentos isso muda muito.
De algum forma, essa tranquilidade de Salzburg não aparece sem susto. Para onde foi a bagunça, os pobres, os imigrantes, etc. O que aconteceu que a cidade ficou impenetrável, mesmo se as velhas muralhas não tem mais sentido.
Para onde foram os jovens que na madrugada andam na rua e ouvem música alta?
Salzburg parece dispensar o mundo. Parece não montar com nada. Os Mercedez e BMWs que transformam a neve em lama, quando os vemos em São Paulo, são humanizados pelos pedintes e pelo engarrafamento. Aqui não, andam livres e rápidos, param na faixa de pedestres e não encontram um pobre que possa provacar alguma mal estar, pelo menos para aqueles mais críticos, normalmente fora dos carros.
Aqui a riqueza não tem conflito. Os alpes protegem Salzburg.
Neva muito em Salzburg e aguardo a carona que me levará para a universidade onde dezenas de alunos de várias partes do mundo estudam português. Tentam, ao seus modos, abrir uma portinha nos Alpes, tentam tirar a neve do vidro de casa.
Acho que o cinema pode algo em relação a isso, talvez essa seja parte da alegria de estar aqui. Poder experimentar umas gotas de conflito.

1 de nov. de 2010

Tropa de Elite 2


José Padilha tinha razão, Tropa de Elite 2 comprova que ele não poderia votar em nenhum candidato para presidente. Para o diretor, está tudo errado! Milícias, tráfico, polícia e Brasília fazem parte de um mesmo sistema que o Capitão Nascimento e o filme conhecem bem e tratam de acusar. Não há saída, tá tudo dominado.
Movido pelo ressentimento, o Capitão denuncia e derruba as principais cabeças envolvidas com o crime, mas logo há novas peças para manter o sistema funcionando. Diante da corrupção que tudo abarca, ou não se faz nada ou se vira a mesa. Como nada indica que uma virada de mesa é possível, o melhor é não fazer nada mesmo, não votar em ninguém.
Padilha está acima dessa porcaria toda. Se é para sujar as mãos, que seja apenas com o sangue fake fartamente distribuído no filme.
Do lugar de quem sabe sobre o mundo e sobre a podridão da política, o filme pode berrar: Tá tudo errado. O público, feliz, volta para casa certo que existe alguém denunciando tudo-que-está-ai. Logo, não é preciso fazer nada mesmo. Não só não há saída possível, como já há quem denuncie. Nada mais inócuo para um filme que se quer político.
Se a inteligência é capacidade de ver diferenças onde só parece haver uniformidade, Tropa de Elite 2 é uma ode a imbecilidade. Na política é tudo igual, só tem ladrão, só tem corrupto. Se alguém escapa à essa regra -  Nascimento, Fraga ou Padilha -   não faz diferença nenhuma no sistema. A adequação desse discurso à ideologia que deseja a conservação do que é, da própria corrupção, das injustiças e desigualdades, é absoluta.
Tropa 2 se irmana ao discurso da grande mídia, que há muito já elegeu o estado como inimigo. É pela existência de forças democráticas, que passam pelo poder público também, que outras vozes podem dar limite aos poderes mais violentos, sejam eles ligados ao tráfico, à milícia, ou qualquer outra face do capitalismo.
É, Padilha, o mundo é Multiplex e não simplex, como twitava alguém outro dia. Ou apostamos nos espaços de embate e encontramos nas práticas as diferenças que forjam mundos em que um qualquer, vindo de qualquer lugar, possa fazer diferença na cidade - a política- , ou vamos ficar ai gritando, morrendo de vontade de dar porrada geral e talvez chegar à conclusão que essa é a única saída, se não para o país, pelo menos para o nosso gozo.