José Padilha tinha razão, Tropa de Elite 2 comprova que ele não poderia votar em nenhum candidato para presidente. Para o diretor, está tudo errado! Milícias, tráfico, polícia e Brasília fazem parte de um mesmo sistema que o Capitão Nascimento e o filme conhecem bem e tratam de acusar. Não há saída, tá tudo dominado.
Movido pelo ressentimento, o Capitão denuncia e derruba as principais cabeças envolvidas com o crime, mas logo há novas peças para manter o sistema funcionando. Diante da corrupção que tudo abarca, ou não se faz nada ou se vira a mesa. Como nada indica que uma virada de mesa é possível, o melhor é não fazer nada mesmo, não votar em ninguém.
Padilha está acima dessa porcaria toda. Se é para sujar as mãos, que seja apenas com o sangue fake fartamente distribuído no filme.
Do lugar de quem sabe sobre o mundo e sobre a podridão da política, o filme pode berrar: Tá tudo errado. O público, feliz, volta para casa certo que existe alguém denunciando tudo-que-está-ai. Logo, não é preciso fazer nada mesmo. Não só não há saída possível, como já há quem denuncie. Nada mais inócuo para um filme que se quer político.
Se a inteligência é capacidade de ver diferenças onde só parece haver uniformidade, Tropa de Elite 2 é uma ode a imbecilidade. Na política é tudo igual, só tem ladrão, só tem corrupto. Se alguém escapa à essa regra - Nascimento, Fraga ou Padilha - não faz diferença nenhuma no sistema. A adequação desse discurso à ideologia que deseja a conservação do que é, da própria corrupção, das injustiças e desigualdades, é absoluta.
Tropa 2 se irmana ao discurso da grande mídia, que há muito já elegeu o estado como inimigo. É pela existência de forças democráticas, que passam pelo poder público também, que outras vozes podem dar limite aos poderes mais violentos, sejam eles ligados ao tráfico, à milícia, ou qualquer outra face do capitalismo.
É, Padilha, o mundo é Multiplex e não simplex, como twitava alguém outro dia. Ou apostamos nos espaços de embate e encontramos nas práticas as diferenças que forjam mundos em que um qualquer, vindo de qualquer lugar, possa fazer diferença na cidade - a política- , ou vamos ficar ai gritando, morrendo de vontade de dar porrada geral e talvez chegar à conclusão que essa é a única saída, se não para o país, pelo menos para o nosso gozo.
4 comentários:
Não acho que é isso que o filme encena, não, Cézar. Poderia concordar contigo se o teu foco fosse só o final. Aquela tomada aérea da Esplanada, somada à voz over falando do "sistema", é bem infeliz, justamente pela interpretação que ofereces no teu post. Mas não acho que ela se aplique ao conjunto do filme. O filme não fala do país como um todo, não é Cronicamente Inviável. Ele narra uma história que tenta dar conta do problema do crime organizado no Rio. É realista, e não alegórico. Não totaliza. E acho que dá conta muito bem deste recorte. Inclusive devido ao trabalho de pesquisa e desenvolvimento. Os livros do Luiz Eduardo Soares, Rodrigo Pimental & cia, Elite da Tropa e Elite da Tropa 2, são evidentemente o manancial de histórias que Padilha e Bráulio concentram dramaticamente, num modelo do "sistema" (não o do capitalismo ou da politica brasileira, mas sistema da corrupção policial no Rio - que Luiz Eduardo conhece porque viu e enfrentou cara a cara, assim como seus colaboradores), que é uma simplificação da trama política que Luiz Eduardo tece, mas ainda é complexa o suficiente para apresentar os vetores principais do problema.
Enfim, achei Tropa de Elite 2 um ótimo filme clássico sobre a corrupção policial, e seus tentáculos no poder legislativo e executivo carioca.
Nem mais, nem menos.
Mesmo discordando, é um prazes debater contigo.
Abraço,
Leandro
Prazer também te escutar.
Talvez eu acabe sempre vendo mais do que o que está no filme. Talvez movido pelo mau humor em me ver colocado no lugar daquele que deve ouvir verdades sobre o mundo e sobre a política. Eles que sabem tanto e eu tão ingênuo!!
Mas,
Tens razão que é na triste sequência final que encontro apoio maior para meus comentários. Entretanto, acho que é justamente o realismo do filme que o cola à realidade, fazendo com que entre ele e os fatos não haja distância. Tropa 2 utiliza um tratamento de tese verídica. Assim é a realidade, diz o filme. Por princípio essa atitude autoritária me desagrada, mas, mais do que isso, acho que todo o esforço do filme é de se descolar da história real - Eduardo/Garotinho - e generalizar para a política como um todo.
Fico tentado a entrar no debate sobre a veracidade do que é a polícia hoje... Mas,o problema não é a indicialidade, o problema é o lugar em que o espectador é colocado! Somos espectadores da indignação ressentida, e, em tal lugar, nossa passividade é total.
Se o filme desse nome aos bois, se assumisse que se trata de um discurso sobre esse ou aquele personagem da polícia, o filme seria um pouco melhor, talvez. Mas o problema é que o diretor não para de fazer as passagens entre a generalização do filme - OS políticos, A polícia - e a realidade hoje, para legitimar seu discurso sobre o mundo: "Não poderia votar em ninguém..." Chamei a polícia de SP para proteger o filme da pirataria porque a do Rio é corrupta", etc. Nesse sentido, acho bem mais que um filme sobre um caso específico, se assim fosse, o Padilha não se valeria de sua legitimidade para falar sobre o todo, sobre o que é a política hoje, sobre o que é polícia.
É assim que o filme é construido. A voz do Cap. Nascimento se torna inseparável da voz do filme. Não se trata, no final do filme, de um personagem de ficção, mas de um discurso sobre o mundo. Mais do que isso, é nessa mobilização generalizante do espectador que o filme ganha sentido, até porque todos sabíamos que corrupção forte na polícia há e que ela não é separada dos polítcos, mas trata-se de uma habilidosa estratégia ficcional que nos leva a entender que não se trata de corrupção, mas de uma "sistema" sem fora.
Mas,em breve me livro do mau humor, releio o Luis Eduardo e espero o Tropa 3, em Brasilia....
Abração
Cezar
Oi Cezar,
Prazer em ler sua crítica. Não vi o Tropa 2 porque tenho a impressão que ficaria na cadeira do cinema com a mesma sensação quando vi o primeiro: uma gritaria danada. Me incomodou, mas fiquei mais irritada com a tese do filme, que emprurra a responsabilidade da violência para aqueles que fumam maconha. Agora vem o Padilha dizer que está tudo errado e incitar a violência. Culpar os outros é muito fácil.O pior é que a bilheteria vai aumentar a arrogancia do diretor.
Beijos. Candida.
Cézar, assim como Padilha generaliza A polícia, dentre outros com artigos maiúsculos, nós generalizamos quem somos nós. Quem são os todos que sabem que há corrupção forte na polícia? Ou melhor, que corrupção é essa? Quem entende que há um "sistema" sem fora? Quem são as pessoas que entendem uma coisa e quem são os que voltam felizes? Não há tristezas? Creio que a subjetividade que o filme implica (ou pode implicar) ao público seja maior.
O desfecho é minoritário em relação à produção de subjetividade que causa, ao todo. Sâo milhões de ingressos de cinema, não televisores em casa ligados ao Força Tarefa, com um público exaltado de acordo com sua compreensão pessoal da narrativa. Maliciosa ou inocente, qual o macguffin do Nascimento? Essa pergunta gera questões maiores que o filme. E isso está em casa, está na escola, está nas favelas, no governo, nas faculdades, nos namoros, nos dircusos simplórios, nos discursos complexos. Acho errôneo acreditar que potencial do filme é ditar normas gerais de ação/pensar. Entretanto é assustador e perspicaz a percepção do sentimento pós-filme "não há o que fazer". Mas ainda assim, creio que o saldo seja positivo. Considero a bilheteria como uma espécie de protesto (capitalista) em relação a indignação geral e anti-violência. É possível? No fim, é importante não dar nomes aos bois para que a discussão pós-filme aconteça, que seja estimulada, ao menos. E que ela aconteça e que venham mais filmes e melhores sobre tal discussão tão importante. Seria ótimo um filme sobre o não concordar com o discurso tropaelitiano, aliás. Abraços, Philippe.
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