O que faço e gosto não pode ser feito
fora da Universidade.
É daqui também que é possível pensar o
lugar ao qual dedicamos parte enorme de nossas energias e é sobre esse lugar
que gostaria de colocar algumas inquietações e dúvidas.
Nos meus 5 anos de universidade
pública, reconheço os grandes avanços das federais nos últimos 10 anos,
entretanto algo preocupante acontece nesse momento.
Para falar de maneira ampla, diria que as universidades correm o risco de se tornarem poderosas máquinas
de domesticação do trabalho intelectual. E, no meu entender, nada poderia
ser pior em uma universidade do que a despotencialização e o enfraquecimento
das forças criativas e dissonantes que ela pode abrigar.
Como isso acontece?
Basicamente de três maneiras, ou, por
três motivos:
- Precariedade
de meios
- Produtivismo
massificado
- Burocratização
1
A primeira forma de domesticação aparece
em uma certa naturalização da precariedade no espaço de ensino. Por uma lado o
número de alunos aumenta muito, por outro não há funcionários suficientes. Essa
equação obriga os pesquisadores a assumirem tarefas administrativas e técnicas
para as quais não forma preparados. Simultaneamente, o tempo do pesquisador é
desviado para a matrícula, a gestão de salas, equipamentos e funcionários e o
resultado dessas atividades é pior do que se fosse realizado por alguém
especializado e dedicado a isso.
A naturalização da precariedade se expressa na demora de uma obra ou na falta de um reparo em um ar-condicionado. Há uma aceitação generalizada de que "as condições não são ideais". Essas precariedades retiram os pesquisadores de seus focos, domesticando o pensamento.
2
A segunda tarefa da máquina de
domesticar é feita pela normatização massificada da produção intelectual.
Certamente é fundamental que programas de pós-graduação sejam avaliados, mas o
que acontece hoje é uma homogeneização dessa produção. Todos devem publicar da
mesma forma, no mesmo ritmo e frequentemente nos mesmo lugares. A avaliação da
produção passa por uma normatização em que a produção é avaliada em relação à
forma como ela se relaciona com a norma e não pelos modos de circular, inventar
e se efetivar com o tempo.
O problema óbvio nos leva a tentar
encontrar outras forma de avaliação. Nesse esforço, ferramentas como o Google
Scholar passam a ser consideradas, trazendo para o mundo acadêmico a lógica dos
“likes” do Facebook.
As distorções são evidentes. Na área de comunicação, por exemplo, um pesquisador que trabalha com questões contemporâneas ligadas à internet provavelmente vai ter, a curto prazo, muito mais citações do que o pesquisador que trabalha sobre o som no cinema brasileiro dos anos 30. Como as agências tendem a privilegiar os três último anos de publicações, para o máquina domesticadora, o pesquisador de internet será melhor que o pesquisador de arquivos.
As distorções são evidentes. Na área de comunicação, por exemplo, um pesquisador que trabalha com questões contemporâneas ligadas à internet provavelmente vai ter, a curto prazo, muito mais citações do que o pesquisador que trabalha sobre o som no cinema brasileiro dos anos 30. Como as agências tendem a privilegiar os três último anos de publicações, para o máquina domesticadora, o pesquisador de internet será melhor que o pesquisador de arquivos.
A máquina é assim eficaz em trazer todos
para um formato que antecede as pesquisas, dificultando a criação e
a independência.
3
O terceiro
operador da máquina de domesticação é a burocracia. Na universidade hoje
gasta-se muito tempo e trabalho para se ter acesso a mínimos recursos. Por
vezes temos a sensação que o dinheiro gasto para pagar professores e
funcionários para fazerem e analisarem projetos é maior que os recursos
demandados por professores e projetos.
Junto à burocracia, departamentos como o
de Cinema da UFF, não tem acesso à nenhuma verba direta que possa ser decidida
dentro do departamento. Cada centavo gasto passa pela centralidade da máquina
burocrática. Uma máquina que não funciona sozinha, mas depende de um corpo a
corpo para que ela ande.
A centralização de recursos respeita regras que
transcendem a universidade e que afetam todo o serviço público. Qualquer gasto
de mais de 8 mil reais precisa ser licitado, por exemplo. Vivemos uma situação
de desconfiança generalizada e para nos prevenirmos contra a corrupção gastamos
fábulas, retiramos os funcionários e professores de seus projetos, esvaziamos
as energias de todos que desejam a universidade forte e ativa.
A burocracia
aliada à centralização de recursos aparece como estratégia de esvaziamento do
ensino público e gratuito. Por um lado é muito mais fácil não fazer nada, uma
vez que qualquer ação demanda energias enormes, por outro, não há independência
e acesso a verbas que não passem por uma máquina que consome as energias e as
próprias verbas. Assim, estão dados os argumentos para o mundo privado, muito
menos regulado e mais ágil.
Para combater a corrupção no serviço público vivemos hoje um processo de destruição deste. Uma destruição que começa pelos modos de vida. Burocratizar é evitar a independência de alunos, professores e funcionários que poderiam efetivamente criar, pesquisar e se engajar com a universidade e com a comunidade.
Essa energia da universidade é preciso domesticar, esvaziar e submeter os críticos virtuais a um sistema de favores que acompanha a burocracia.
Se desejamos uma universidade forte, me parece que é nesses campos que as lutas se apresentam.
Para combater a corrupção no serviço público vivemos hoje um processo de destruição deste. Uma destruição que começa pelos modos de vida. Burocratizar é evitar a independência de alunos, professores e funcionários que poderiam efetivamente criar, pesquisar e se engajar com a universidade e com a comunidade.
Essa energia da universidade é preciso domesticar, esvaziar e submeter os críticos virtuais a um sistema de favores que acompanha a burocracia.
Se desejamos uma universidade forte, me parece que é nesses campos que as lutas se apresentam.
Curiosamente,
não se trata propriamente de um problema de dinheiro, mas de independência e
liberdade, coisas talvez arriscadas demais para os poderes organizados.