25 de out. de 2013

A máquina de domesticação




O que faço e gosto não pode ser feito fora da Universidade.
É daqui também que é possível pensar o lugar ao qual dedicamos parte enorme de nossas energias e é sobre esse lugar que gostaria de colocar algumas inquietações e dúvidas.

Nos meus 5 anos de universidade pública, reconheço os grandes avanços das federais nos últimos 10 anos, entretanto algo preocupante acontece nesse momento.

Para falar de maneira ampla, diria que as universidades correm o risco de se tornarem poderosas máquinas de domesticação do trabalho intelectual. E, no meu entender, nada poderia ser pior em uma universidade do que a despotencialização e o enfraquecimento das forças criativas e dissonantes que ela pode abrigar.
 Como isso acontece?
        Basicamente de três maneiras, ou, por três motivos:
        -       Precariedade de meios
        -       Produtivismo massificado
        -       Burocratização

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A primeira forma de domesticação aparece em uma certa naturalização da precariedade no espaço de ensino. Por uma lado o número de alunos aumenta muito, por outro não há funcionários suficientes. Essa equação obriga os pesquisadores a assumirem tarefas administrativas e técnicas para as quais não forma preparados. Simultaneamente, o tempo do pesquisador é desviado para a matrícula, a gestão de salas, equipamentos e funcionários e o resultado dessas atividades é pior do que se fosse realizado por alguém especializado e dedicado a isso.
 A naturalização da precariedade se expressa na demora de uma obra ou na falta de um reparo em um ar-condicionado. Há uma aceitação generalizada de que "as condições não são ideais". Essas precariedades retiram os pesquisadores de seus focos, domesticando o pensamento.

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A segunda tarefa da máquina de domesticar é feita pela normatização massificada da produção intelectual. Certamente é fundamental que programas de pós-graduação sejam avaliados, mas o que acontece hoje é uma homogeneização dessa produção. Todos devem publicar da mesma forma, no mesmo ritmo e frequentemente nos mesmo lugares. A avaliação da produção passa por uma normatização em que a produção é avaliada em relação à forma como ela se relaciona com a norma e não pelos modos de circular, inventar e se efetivar com o tempo.
        O problema óbvio nos leva a tentar encontrar outras forma de avaliação. Nesse esforço, ferramentas como o Google Scholar passam a ser consideradas, trazendo para o mundo acadêmico a lógica dos “likes” do Facebook. 
      As distorções são evidentes. Na área de comunicação, por exemplo, um pesquisador que trabalha com questões contemporâneas ligadas à internet provavelmente vai ter, a curto prazo, muito mais citações do que o pesquisador que trabalha sobre o som no cinema brasileiro dos anos 30. Como as agências tendem a privilegiar os três último anos de publicações, para o máquina domesticadora, o pesquisador de internet será melhor que o pesquisador de arquivos.
        A máquina é assim eficaz em trazer todos para um formato que antecede as pesquisas, dificultando a criação e a independência.

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O terceiro operador da máquina de domesticação é a burocracia. Na universidade hoje gasta-se muito tempo e trabalho para se ter acesso a mínimos recursos. Por vezes temos a sensação que o dinheiro gasto para pagar professores e funcionários para fazerem e analisarem projetos é maior que os recursos demandados por professores e projetos.
        Junto à burocracia, departamentos como o de Cinema da UFF, não tem acesso à nenhuma verba direta que possa ser decidida dentro do departamento. Cada centavo gasto passa pela centralidade da máquina burocrática. Uma máquina que não funciona sozinha, mas depende de um corpo a corpo para que ela ande. 
A centralização de recursos respeita regras que transcendem a universidade e que afetam todo o serviço público. Qualquer gasto de mais de 8 mil reais precisa ser licitado, por exemplo. Vivemos uma situação de desconfiança generalizada e para nos prevenirmos contra a corrupção gastamos fábulas, retiramos os funcionários e professores de seus projetos, esvaziamos as energias de todos que desejam a universidade forte e ativa. 
A burocracia aliada à centralização de recursos aparece como estratégia de esvaziamento do ensino público e gratuito. Por um lado é muito mais fácil não fazer nada, uma vez que qualquer ação demanda energias enormes, por outro, não há independência e acesso a verbas que não passem por uma máquina que consome as energias e as próprias verbas. Assim, estão dados os argumentos para o mundo privado, muito menos regulado e mais ágil.
 
Para combater a corrupção no serviço público vivemos hoje um processo de destruição deste. Uma destruição que começa pelos modos de vida. Burocratizar é evitar a independência de alunos, professores e funcionários que poderiam efetivamente criar, pesquisar e se engajar com a universidade e com a comunidade. 
Essa energia da universidade é preciso domesticar, esvaziar e submeter os críticos virtuais a um sistema de favores que acompanha a burocracia.
 

Se desejamos uma universidade forte, me parece que é nesses campos que as lutas se apresentam.
Curiosamente, não se trata propriamente de um problema de dinheiro, mas de independência e liberdade, coisas talvez arriscadas demais para os poderes organizados.











24 de out. de 2013

snowden, angela e dilma

As relações internacionais vivem um momento dos mais interessantes.

Snowden e o Guardian revelam que os Estados Unidos monitoraram 35 líderes mundiais, entre eles a Sra. Merkel.

O presidente dos Estados Unidos conversava com o primeiro ministro de um país pelo celular, esse número era repassado para o NSA e, a partir daí, o que esse ministro conversava com o seu netinho ou com a presidenta do Brasil era monitorado pelos estadunidenses.

Mas o que é genial é a resposta americana. Trataremos isso pelos meios diplomáticos. "The [NSA] revelations have clearly caused tension in our relationships with some countries, and we are dealing with that through diplomatic channels.”

Ou seja, os Estados Unidos agem como bandidos e piratas mas desejam resolver os problemas com as regras que regem as relações entre estados.

O problema é que os invadidos, Merkel ou Dilma, não podem abertamente reagir como a situação demanda. Em público, apenas podem cancelar viagens, expor desconfortos ou fazer discursos.

Mas, o que seria do maior interesse é saber como enfrentam uma ação de trapaceiros com outras trapaças.

Se Alemanha ou Brasil respondem nos campos diplomáticos, como desejam os US, não há interesse nenhum dos estados unidos em mudar a prática.

Angela e Dilma têm bons motivos para uma conversa reservada para pensarem juntas em algumas estripulias.

19 de out. de 2013

Faixas exclusivas

Com 30 passageiros em pé o ônibus percorreu a ponte Rio-Niterói em uma hora.
Sem faixa exclusiva para coletivos, na maior parte do tempo ele ficou entre um Gol e um outro ônibus.
O Aterro estava parado. Sem faixa para coletivos, os trinta passageiros permaneceram em pé atrás de um BMW.
No fundo do ônibus uma senhora comentou: deveria haver uma faixa exclusiva para ônibus.
De boca em boca a ideia óbvia chegou ao motorista.
Quando o BMW andou 5 metros, o motorista andou 20 e passou por cima do BMW e foi até Copacabana criando uma faixa exclusiva.

14 de out. de 2013

A Europa e a contagem dos mortos

O tempo vai passar e teremos esquecido a morte dos mais de 200 africanos indo em direção à Europa. A naturalização de uma tragédia de tais proporções é parte da naturalização da própria Europa excludente ou do capital como um todo. É o preço a pagar. Todos negros.
Se levarmos a tragédia a sério, se tirarmos as reais consequência dessas mortes, é toda a lógica da globalização das mercadorias e das fronteiras para os humanos que seria colocada em cena.
Par que tudo fique como está, a tragédia vira um problema dos africanos, da pobreza, do navio superlotado, etc. É o esforço de contexto que fica de fora, como se as mortes não tivessem nenhuma continuidade com o tipo de produção e circulação da riqueza no mundo.
Poucos eventos falam tanto sobre nosso tempo. Infelizmente as vidas comuns não tem lugar na gestão dos vivos, apenas na contagem dos mortos.

5 de out. de 2013

Esquerda e direita

Provocado pelo amigo Felipe Lacerda, depois de um post em que eu fazia distinções entre esquerda e direita, senti a necessidade de reafirmar a existência de tais distinções, sobretudo pelas práticas.
Existem práticas de direita e de esquerda. Essas práticas são mais claras que partidos, políticos, pessoas. Mas, obviamente, alguns tendem às práticas de esquerda e outros não.
Poderíamos, como Deleuze, marcar a diferença apontando para o endereço postal: ser de direita é como o endereço que se coloca em uma carta: Primeiro a pessoa, depois a rua, o bairro e por último o país – o mundo, então, nem aparece.
Ser de esquerda seria o contrário.
Como pensava as manifestações, recorri a outro amigo dizendo: Ser de esquerda é fazer do grito das ruas uma voz, um discurso, um gesto político que precisa de resposta. Ser de direita é fazer desse mesmo grito um ruído incompreensível que apenas deve ser abafado, seja com as portas fechadas, seja com ruídos mais estridentes, bombas, por exemplo.
Independente da simplicidade dessas definições, elas ajudam a pensar as práticas.
O problema fundamental é que se esquerda e direita se constituem em práticas, quando dizemos que não há esquerda ou direita, estamos dizendo algo muito mais grave. Estamos dizendo que não temos como julgar tais práticas. Note que aqui não estou falando desse ou daquele partido, nem estou pensando as ilegalidades, mas me esquivando do cinismo que não vê possibilidade de escolha, uma vez que tudo se equivale. Estou me esquivando dos que entregam para os poderes instituídos os rumos da cidade, negando que há vida política onde não se espera, em quem não tem poder instituído.
Diria que ser de esquerda nesse momento é encontrar formas, invenções, forças para resistir à máquina despolitizante que atravessa muitos poderes instituídos – executivo, legislativo, universidade, mídias.

4 de out. de 2013

Democracia

Quando a direita está sob pressão o discurso é básico:
A razão deve prevalecer. As regras devem ser cumpridas.
Essa razão e essas regras dizem o seguinte: uma vez que um representante foi eleito ele recebeu carta branca para fazer o que quiser.
A ideia de democracia se torna assim a mais perversa, uma vez que as eleições se transformam em sinônimo de racionalidade e democracia. Essa lógica deixa de lado duas dimensões necessárias da democracia.
A primeira é que ela é processual. Ou seja, em um mundo ideal, os eleitos não seriam votos prontos, mas uma mediação constante do que acontece na sociedade.
A segunda é que as eleições não podem servir para excluir a participação popular. Não se trata de democracia direta, mas de uma tensão constante que a sociedade pode trazer aos representantes.
Se hoje as eleições são tão organizadas pelos poderes econômicos, torna-se ainda mais fundamental a participação constante da população.
Sim, as regras devem ser cumpridas e a regra fundamental da república deveria ser a democracia: o direito à política para aqueles que não possuem nem mandatos, nem poder econômico.
É isso que perturba os poderes estabelecidos: Como ousam os jovens, professores, moradores de rua, estudantes, desejarem a política e fazerem diferença no que já está estabelecido?
O que parece estar em jogo nas múltiplas manifestações que acompanhamos é o exercício desse direito; direito a tornar os poderes permeáveis aos desejos e modos de inventar a vida dos que não são os operadores do poder.