13 de ago. de 2015

A greve continua - UFF


Depois de acompanhar de longe a greve da UFF que já dura dois meses, ontem fui à assembleia que deliberou pela continuação da greve.
A assembleia acontece na semana em que o governo federal amplia em mais de 5 bilhões as verbas para o FIES. O FIES é, segundo o Ministério da Educação, “um programa destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em instituições não gratuitas”.
Não gratuitas é um eufemismo para falar dos grandes grupos privados que lucram com educação.
Esta foi a terceira vez no ano que, por meio de medida provisório, o governo ampliou as verbas do FIES.
Alguns grandes grupos privados, como Estácio, Anima e Kroton tiveram, segunda matéria do Estado de São Paulo, aumento de receita em mais de 200% de 2010 até hoje, sendo o FIES grande responsável pela saúde financeira desses grupos.
O grupo Kroton – Pitágoras, Anhanguera, etc – tem quase 60% de seus alunos presenciais matriculados pelo FIES. O detalhe mais triste dessa conta é que, no mesmo período, os gastos desses grupos com professores caíram em 10% da renda líquida. Se em 2010 45% dos gastos eram com professores, hoje esse gasto está em 35%.
A assembleia que manteve a greve acontece ainda em meio à paralisação de universidades que não estão em greve. A escassez de recursos é tanta que parece ser consenso que o governo está interessado em que as universidades fiquem um bom tempo paradas para economizar com custos básicos – eletricidade, água, viagens, reformas, etc.
Diante desse quadro em que a educação pública perde verbas e as “não gratuitas” ganham, não há outra alternativa. É preciso estar em greve certo? Errado.
Na assembleia de ontem se reafirmava uma relação de causa e efeito que me parece perniciosa à luta de todos aqueles que tem interesse na educação pública.
A greve é uma forma de luta e pressão, absolutamente legítima. Entretanto, a precariedade da educação, os baixos salários, o privilégio aos grupos privados não justificam em si a greve. A greve só é justificável quando ela se apresenta como a melhor forma de luta. Nesse sentido, minha impressão é que a assembleia de ontem apenas reafirma que a paralisação das universidades hoje não é a melhor forma.
1 - Fazemos o jogo do pagador desinteressado na educação. O mesmo governo que faz gigantescos repasses para os grupos privados quer as universidades fechadas para não ter gastos por uns meses. O que fazem os professores? Fecham as universidades.
2 - A greve é tímida. Uma professora dizia: precisamos botar a boca no trombone. Sinto muito cara colega, não há trombone, nem bocas. Dos mais de 3000 professores da UFF quantos estão mobilizados? Diante da penúria, a greve colocou os campi vazios e as ações de greve em nada ameaçam a estabilidade do ministério ou as práticas do governo, como prova a nova medida provisória.
Essa é uma greve de pessoas comportadas demais para a situação, nós e os estudantes.
3 -Depois de 2 meses de greve a assembleia não fez uma reflexão crítica sobre suas estratégias; como se falar dos absurdos desse governo bastasse. Se a falta de democracia na educação fosse suficiente para a greve, passaríamos os próximos muitos anos em greve.
A dureza de uma assembleia como a de ontem é sair com a sensação de que a crise é também de criatividade e capacidade de luta para enfrentar uma situação que atinge o país e a democracia como um todo.
Para colocar a boca no trombone é preciso inventar motivos para as bocas aparecerem, é preciso inventar o trombone e tocar fora do tom.

Vivemos uma curiosa crise


Depois de ficar um ano fora do país, duas coisas me chamam a atenção na cidade.
Primeiramente uma elitização generalizada.
Em Copacabana e Botafogo, por exemplo, novas lojas abriram com dezenas de marcas de cervejas importadas, a maioria com preços entre 22 e 35 reais cada long-neck. O mesmo vale para o pão, o vinho e a hóstia.
Uma amiga que possui uma loja em um shopping me dizia que nos últimos meses o número de clientes caiu muito, mas as vendas não. Quem entra na loja está comprando os produtos mais caros.
Não tenho dados, mas tenho a forte impressão que os carros dos vizinhos cresceram junto com o Bradesco e o Itaú, que anunciaram crescimentos em torno dos 20%, mais ou menos como os carros.
O segundo dado que chama atenção é a absoluta desconexão entre o cotidiano da cidade e a imprensa. A centralidade das disputas palacianas na grande imprensa é como o monotematismo de personagens de Dostoievsky que não conseguem sair da neurose que os toma.
Não sei o que se passa na televisão. Deveria, é claro, mas, lendo os jornais, tem-se a impressão que o mundo parou, que ninguém foi ao teatro ver a peça do Rosemberg, que ninguém viu o lindo filme do Ozon, que ninguém acompanhou o ótimo seminário “A vida secreta dos objetos” ou que ninguém teve que ser humilhado no transporte público naquele dia.
O divórcio entre as disputas palacianas e a vida da cidade parece ser movida por um enorme desejo de imobilismo.
“Não se mexa, estamos discutindo se a Dilma cai ou não”
“Não se mexa, vamos pegar o Cunha e o Aécio”
Que prazer em ver no cotidiano que a cidade é muito maior.
Hoje a Folha diz: na periferia de São Paulo não houve ruídos produzidos por homens e mulheres com panelas. Claro que não. Mas não é porque são a favor de Dilma, como gostariam os governistas, mas apenas porque vão acordar cedo, porque o tempo lhes foi expropriado.
A periferia é a cidade e não uma intriga que reúne o pior do capitalismo e o infantilismo engravatado.
De São Gonçalo saiu a moça que não bateu panela e, depois de esperar longamente na fila, pegou a barca lotada para vir trabalhar no MacDonald do Rio de Janeiro. Ela só não sabia que o dono do transporte que a humilha está preso.
Tudo bem, pelo menos ela sabe que em Furnas há uma peça de graça com grandes atores: Silêncio.

O que significa a expressão “país de merda” ?


Claro que não é de hoje que este termo atribuído ao país aparece em momentos de raiva ou quando somos humilhados pelos serviços públicos ou como consumidores.
Antes de ir para a “merda”, é curioso que a expressão não seja: esse “país merda”, caracterizando um adjetivo ao país, no lugar, por exemplo, de “país maravilhoso”.
A presença da preposição “de” dá uma materialidade à merda.
Ao que parece, quando alguém diz “estou cansado desse país de merda” ou “não volto para esse país de merda”, está dizendo que o país é feito de merda, o que retira qualquer ideia metafórica da expressão e demanda do leitor, ou companheiro de conversa, que ele tente imaginar que boa parte do que constitui o país é merda.
Assim o que está em questão é aquilo faz o país ser o que o país é. Ou seja, quando se diz, “país de merda”, está se dizendo que o que sustenta e garante que o país seja um país, é merda.
Mas, o que faz um país então?
Seu território, poderíamos começar dizendo. Mesmo se em tempos de fronteiras fluidas para mercadorias, finanças e informações o território parece pouco definido, entretanto ele ainda existe, com muita força. Os haitianos, sírios e africanos que o digam!
Uma língua também. No caso brasileiro, mais de 100 línguas são faladas por grupos indígenas, essa mistura junto ao português que se desdobra em sotaques e expressões que parecem constituir uma certa noção de país. E assim vamos... A padaria da esquina, climas, artes, uma certa noção de povo que se diz pertencer a esse país, uma certa organização dos poderes e tanto mais.
Ainda no caso brasileiro, não teria dificuldade em dizer que o país existe. Me parece inegável. Nesse sentido, a expressão é possível, uma vez que o país existe e é habitado, ou seja, sua existência depende de criações e interações entre humanos e não-humanos que de alguma forma se referem ao território, à língua, à certos poderes, artes, etc.
A expressão não seria possível se fosse sobre algo que não existe ou sobre algo que não depende de nenhum processo social ou subjetivo. Esse “Carbono 12 de merda”, por exemplo. Ou ele é Carbono 12 e não é de merda, ou ele é de merda e não é carbono 12. O que não significa que merda não tenha carbono 12, é claro.
Bem, chegamos então à validade da expressão.
O país existe, merda também é algo que existe e a preposição “de” nos informa que aquilo que constitui o país – povo, língua, território, culturas, relações, padarias, etc, - é de merda.
Nesse sentido aparece uma dimensão metafórica: uma língua não pode ser feita de merda, mas ao ser uma língua merda, entende-se que a expressão “país de merda” se refere à uma conjunto de coisas merda que constituem o país.
Entretanto, um outro problema, se coloca.
Quem diz “um país de merda”? Alguém que compartilha algo desse país? Fala a mesma língua merda, habita o mesmo território merda, vai na mesma padaria merda? Ou trata-se de um ser isolado sem nenhuma relação com qualquer coisa que faça com que um país seja um país? Se esse for o caso, a expressão se torna possível, entretanto não verificável. Por exemplo, eu poderia dizer que o planeta HD 219134b é um planeta de merda, uma vez que não sei nada sobre ele, mas, se eu ler duas linhas sobre o planeta, a mínima informação já impossibilita essa afirmativa.
Ou seja, a única forma de a expressão “país de merda” ser usada é quando se compartilha algo com o país, quando se faz parte dele, quando se conhece o território ou se fala a língua.
Em outras palavras, só é possível usar a expressão “país de merda” quando há continuidade entre a merda que faz o país e a merda que me faz.
É por essas e outras que evito a expressão.