Claro que não é de hoje que este termo atribuído ao país aparece em momentos de raiva ou quando somos humilhados pelos serviços públicos ou como consumidores.
Antes de ir para a “merda”, é curioso que a expressão não seja: esse “país merda”, caracterizando um adjetivo ao país, no lugar, por exemplo, de “país maravilhoso”.
A presença da preposição “de” dá uma materialidade à merda.
Ao que parece, quando alguém diz “estou cansado desse país de merda” ou “não volto para esse país de merda”, está dizendo que o país é feito de merda, o que retira qualquer ideia metafórica da expressão e demanda do leitor, ou companheiro de conversa, que ele tente imaginar que boa parte do que constitui o país é merda.
Assim o que está em questão é aquilo faz o país ser o que o país é. Ou seja, quando se diz, “país de merda”, está se dizendo que o que sustenta e garante que o país seja um país, é merda.
Mas, o que faz um país então?
Seu território, poderíamos começar dizendo. Mesmo se em tempos de fronteiras fluidas para mercadorias, finanças e informações o território parece pouco definido, entretanto ele ainda existe, com muita força. Os haitianos, sírios e africanos que o digam!
Uma língua também. No caso brasileiro, mais de 100 línguas são faladas por grupos indígenas, essa mistura junto ao português que se desdobra em sotaques e expressões que parecem constituir uma certa noção de país. E assim vamos... A padaria da esquina, climas, artes, uma certa noção de povo que se diz pertencer a esse país, uma certa organização dos poderes e tanto mais.
Ainda no caso brasileiro, não teria dificuldade em dizer que o país existe. Me parece inegável. Nesse sentido, a expressão é possível, uma vez que o país existe e é habitado, ou seja, sua existência depende de criações e interações entre humanos e não-humanos que de alguma forma se referem ao território, à língua, à certos poderes, artes, etc.
A expressão não seria possível se fosse sobre algo que não existe ou sobre algo que não depende de nenhum processo social ou subjetivo. Esse “Carbono 12 de merda”, por exemplo. Ou ele é Carbono 12 e não é de merda, ou ele é de merda e não é carbono 12. O que não significa que merda não tenha carbono 12, é claro.
Bem, chegamos então à validade da expressão.
O país existe, merda também é algo que existe e a preposição “de” nos informa que aquilo que constitui o país – povo, língua, território, culturas, relações, padarias, etc, - é de merda.
Nesse sentido aparece uma dimensão metafórica: uma língua não pode ser feita de merda, mas ao ser uma língua merda, entende-se que a expressão “país de merda” se refere à uma conjunto de coisas merda que constituem o país.
Entretanto, um outro problema, se coloca.
Quem diz “um país de merda”? Alguém que compartilha algo desse país? Fala a mesma língua merda, habita o mesmo território merda, vai na mesma padaria merda? Ou trata-se de um ser isolado sem nenhuma relação com qualquer coisa que faça com que um país seja um país? Se esse for o caso, a expressão se torna possível, entretanto não verificável. Por exemplo, eu poderia dizer que o planeta HD 219134b é um planeta de merda, uma vez que não sei nada sobre ele, mas, se eu ler duas linhas sobre o planeta, a mínima informação já impossibilita essa afirmativa.
Ou seja, a única forma de a expressão “país de merda” ser usada é quando se compartilha algo com o país, quando se faz parte dele, quando se conhece o território ou se fala a língua.
Em outras palavras, só é possível usar a expressão “país de merda” quando há continuidade entre a merda que faz o país e a merda que me faz.
É por essas e outras que evito a expressão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário