29 de ago. de 2010

A favela de Serra

Curioso o debate em torno da favela cenográfica que Serra usou em seu primeiro programa televisivo.
Por todos os lados ouvimos a cobrança de verdade. Mesmo pessoas do PSDB vieram dizer que foi um erro. No Estadão de hoje - domingo 29/08 - o José Gregori é rápido ao dizer que o problema fora corrigido já no segundo programa.
O que me parece curioso é a exigência de indicialidade em uma propaganda em que tudo é ficção. Não digo mentira, mas uma construção para o público, com objetivos claros e transparentes. Nenhum eleitor tem dúvida de que ali se trata de imagens e candidatos bem lustrados e modelados. Mas, no momento em que se mostra uma favela, ela deve ser verdadeira.
Ninguém do PSDB foi a público dizer que se trata de uma referência à favela ou que o partido não queria perturbar os moradores ou qualquer outra desculpa. Também eles concordaram. Se é favela tem que ser verdadeira.
A favela é verdade, último bastião do real. Não é por outra razão que todo turista que vem ao Rio deve ir a uma favela, deve ver o que a cidade tem ainda de original e puro. Não é outro o motivo da indignação em relação ao programa de Serra.
Quando for possível fazer uma favela fake em uma campanha eleitoral elas terão mudado de estatuto na cidade.

20 de ago. de 2010

Carta aberta sobre as cotas na UFRJ

Carta aberta sobre as cotas na UFRJ


Ao contrário do que pretendem afirmar alguns setores da imprensa, o debate em torno de políticas afirmativas e de sua implementação no ensino universitário brasileiro não pertence à UFRJ, à USP ou a qualquer setor, "racialista" ou não, da sociedade. Soma-se quase uma década de reflexões, envolvendo intelectuais, dirigentes de instituições de ensino, movimentos sociais e movimento estudantil, parlamentares e juristas.
Atualmente, cerca de 130 universidades públicas brasileiras já adotaram políticas afirmativas - entre as quais, a das cotas raciais - como critério de acesso à formação universitária. Entre estas instituições figuram a UFMG, a UFRGS, a Unicamp, a UnB e a USP, que estão entre as mais importantes universidades brasileiras.
Em editorial da última terça-feira, 17 de agosto, intitulado "UFRJ rejeita insensatas cotas raciais", o jornal O Globo assume, de forma facciosa, uma posição contrária a essas políticas afirmativas. O texto desmerece as ações encaminhadas por mais de cem universidades públicas e tenta sugestionar o debate em curso na UFRJ. Distorcendo os fatos, o editorial fala em "inconstitucionalidade" da aplicação do sistema de cotas, quando, na verdade, o que está em pauta no Supremo Tribunal Federal não é a constitucionalidade das cotas, mas os critérios utilizados na UnB para a aplicação de suas políticas afirmativas.
Na última década, enquanto a discussão crescia em todo o país, a UFRJ deu poucos passos, ou quase nenhum, para fazer avançar o debate sobre as políticas públicas. O acesso dos estudantes à UFRJ continua limitado ao vestibular, com uma mera pré-seleção por meio do ENEM, o que significa um processo ainda excludente de seleção para a entrada na universidade pública. Apesar disso, do mês de março para cá, o debate sobre as cotas foi relançado na UFRJ e, hoje, várias decisões podem ser tomadas com melhor conhecimento do problema e das posições dos diferentes setores da sociedade em relação ao assunto.
Se pretendemos avançar rumo a uma democracia real, capaz de assegurar espaços de oportunidades iguais para todos, o acesso à universidade pública deve ser repensado. Isto significa que é preciso levar em conta os diferentes perfis dos estudantes brasileiros, em vez de seguir camuflando a realidade com discursos sobre "mérito" (como se a própria noção não fosse problemática e como se fosse possível comparar méritos de  pessoas de condição social e trajetórias totalmente díspares) ou sobre "miscigenação" (como se não houvesse uma história de exclusão dos "menos mestiços" bem atrás de todos nós).
Cotas sociais - e, fundamentalmente, aquelas que reconhecem a dívida histórica do Brasil em relação aos negros - abrem caminhos para que pobres dêem prosseguimento aos seus estudos, prejudicado por um ensino básico predominantemente deficiente. Só assim os dirigentes e professores das universidades brasileiras poderão continuar fazendo seu trabalho de cabeça erguida. Só assim a comunidade universitária poderá avançar, junto com o país e na contra-mão da imprensa retrógrada, representada por O Globo, em direção a um reconhecimento necessário dos crimes da escravidão, crimes que, justamente, por ainda não terem sido reconhecidos como crimes que são, se perpetuam no apartheid social em que vivemos.

Rio de Janeiro, 19 de agosto de 2010

Assinam os professores da UFRJ:

Alexandre Brasil - NUTES
Amaury Fernandes – Escola de Comunicação
André Martins Vilar de Carvalho - Filosofia/IFCS e Faculdade de Medicina
Anita Leandro – Escola de Comunicação
Antonio Carlos de Souza Lima – Museu Nacional
Clovis Montenegro de Lima - FACC/UFRJ-IBICT
Eduardo Viveiros de Castro – Museu Nacional
Denilson Lopes – Escola de Comunicação
Fernando Rabossi - IFCS
Fernando Alvares Salis – Escola de Comunicação
Fernando Santoro - IFCS
Flávio Gomes - IFCS
Giuseppe Mario Cocco - Professor Titular, Escola de Serviço Social
Heloisa Buarque de Hollanda – Professora Titular, Escola de Comunicação/FCC
Henrique Antoun - Escola de Comunicação
Ivana Bentes – Diretora, Escola de Comunicação
Katia Augusta Maciel - Escola de Comunicação
Leonarda Musumeci – Instituto de Economia
Lilia Irmeli Arany Prado – Observatório de Valongo
Liv Sovik – Escola de Comunicação
Liz-Rejane Issberner - FACC/UFRJ-IBICT
Marcelo Paixão – Instituto de Economia
Marcio Goldman – Museu Nacional
Marildo Menegat – Escola de Serviço Social
Marlise Vinagre - Escola de Serviço Social
Nelson Maculan - Professor titular da COPPE e ex-reitor da UFRJ
Olívia Cunha – Museu Nacional
Otávio Velho – Professor Emérito, Museu Nacional
Paulo G. Domenech Oneto – Escola de Comunicação
Renzo Taddei – Escola de Comunicação
Roberto Cabral de Melo Machado - IFCS
Samuel Araujo – Escola de Música
Silvia Lorenz Martins - Observatorio do Valongo
Suzy dos Santos – Escola de Comunicação
Tatiana Roque – Instituto de Matemática
Virgínia Kastrup – Instituto de Psicologia
Silviano Santiago, Professor emérito, UFF
Alabê Nunjara Silva, graduando em RI, UFRJ

4 de ago. de 2010

Post pessoal - Turquia

Amanhã vou para Istambul apresentar um trabalho no Visible Evidence.
Acho que pela primeira vez na vida vou para um país novo sem dedicar muito tempo tentando conhecer minimamente a história, a cultura, a comida, a música, a arquitetura, etc.
Essa situação me faz lembrar aqueles personagens do Bauman que percorrem o mundo sem sair de casa e chegam em qualquer hotel conseguindo acender as luzes no escuro, uma vez que os interruptores estão sempre no mesmo lugar, seja em Istanbul ou em Tókio.
Minha conexão até agora tem sido via Erkin Koray, um músico dos anos 60, ainda vivo. Ouvi dois discos brilhantes. Uma sonoridade que nos é familiar com ecos de todo experimentalismo e rock dos anos 60 e, ao mesmo tempo, fortemente turca, marcada pela presença do Bağlama e da Darbouka que é aquela percussão que produz um som bem seco.
Ao mesmo tempo, cheguei a pensar em inventar dispositivos para explorar a cidade. Não sair de um bairro, durante toda a estada, por exemplo. Mas tudo parece tão complexo e grande que meus poucos dias sem trabalho se resumirão ao turismo óbvio: Reina Sofia, Mesquita Azul, Grande Bazar.
Erkin Koray próximo, vou a cata dos lugares que dialogam com essa música.

Campanha do OMO - da soap-ópera ao soap-control

Veja o link para a nova campanha da OMO (sabão em pó). Matéria da Advertising Age.

A campanha é baseada na seguinte premissa. O prêmio irá até o ganhador e não o ganhador até o prêmio.

O consumidor compra o sabão e de repente é surpreendido pelo prêmio que bate na sua porta sem que ele jamais tenha dado o endereço para qualquer pessoa.

Essa nova campanha do Omo é o retrato desse caldeirão em que se misturam o controle policial, o espetáculo - que inclui a soberba tecnológica - e o capitalismo biopolítico.

Trata-se de um tubo de ensaios para as futuras ações do comércio.

Atrelado a um chip, as caixas de sabão poderão informar ao supermercado que o sabão está acabando e uma nova caixa será entregue na casa do consumidor.

Com o gps, esse material poluente poderá ser monitorado e encaminhado aos depósitos com reciclagem.

Como se vê, as vantagens são evidentes. Para isso, precisamos "apenas" permitir que tudo que consumimos venha acompanhado de um micro-chip, permitindo que tenhamos nosso consumo monitorada em filigrana e que o caminho de nosso consumo seja monitorado. Ainda não ouvi falar em GPS para alimentos, comeremos GPS?

Claro que a Advertising Age acha tudo lindo! A intrincada relação entre estratégias de controle pessoal e consumo ainda está engatinhando.

2 de ago. de 2010

Sarkozy, imigração e escola

Sarkozy fechou a semana fazendo uma discurso forte em relação a imigração.

A posição mais contestada é a de retirar a nacionalidade francesa “de quem não a merece”, um gesto que os franceses chamam de déchéance. Sarkozy pretende criar os sem-nacionalidade (Lula podia bem dizer que está disposto a recebê-los), uma vez que no próprio discurso ele reclama de franceses de terceira geração que até hoje não se integraram.

Uma seqüência de absurdos. Acabei de ler o discurso com um nó na garganta. Certo, sabemos quem é Sarkozy, mas há uma radicalização do discurso em direção à extrema direita que, independente das questões eleitorais francesas, faz eco com a história da Europa do século XX, de nazismos e fascismos, e que sempre assusta quando se faz presente, sobretudo em um político no poder. Não é por acaso que depois desse discurso vários comentaristas compararam a atual posição do presidente com o regime de Vichy.

No meio disso tudo, uma coisa me impressiona no discurso. Sarkozy dedica muito tempo falando da escola. Não apenas de macro-políticas de educação, mas do cotidiano e da sala de aula.

Me parece que há algo evidente ai. Com sabemos, a escola pública francesa é muito forte, apesar do enfraquecimento que vem sofrendo nos últimos anos, com crescentes saídas de alunos de elite das públicas em direção às privadas. Nesse ambiente das escolas públicas, o embate se evidencia. O que nas cidades está isolado, banlieu e centro, nas escolas não. Ali, professores e administradores tem que conviver com o país que existe hoje e não com o ideal francês da direita. Como é possível dizer que a terceira geração de imigrantes não se integrou? Eles são o país, queiram ou não! Pois é na escola, sobretudo nas que não estão em Paris, que imigrantes, filhos e netos, convivem com aqueles que Sarkozy diz que "merecem" ser franceses. O seja, o país está se jogando na escola.

Tenho a impressão que a França irá "resolver" o problema como o Brasil. Ou seja, isolar a pobreza na escola pública e evitar assim a politização da escola. O discurso do presidente francês é claro. O problema da escola é um problema de imigração.

Por um lado é tão lamentável que a França tenha no poder esse discurso, essa prática, por outro, a escola ali ainda é um lugar de luta, enquanto aqui é um lugar de exclusão.

Fora isso, impressiona a falta de disponibilidade para que a escola seja pensada dentro de outro formato. Como tão bem aparece no “Entre os muros da Escola”, o modelo disciplinar é falido para uma grande parte da população. O que significa isso? Sarkozy tem a resposta: a população está errada e no limite pode perder a nacionalidade e ser expulsa.