20 de mar. de 2011

Sobre: Menos silêncio, por favor, de Carlos Alberto Mattos


 Texto da Carlos Alberto Mattos (Link)


Salve meu amigo,
Visto a carapuça. Tenho apontado para esse cinema como algo importante no Brasil hoje. Me dediquei mais longamente a apenas quatro filmes; Avenida Brasilia Formosa, Pacific, Sábado a Noite e O Céu Sobre os Ombros. Acho os três especialmente tocantes pelas formas que abordam as cidades, a pobreza, as disputas com a cultura de massa e a própria relação do cinema com as formas de vida. Mas, quando trabalhei com cada um desses filmes fiz o esforço de não fazer a passagem entre as obras e um “novo movimento”. Os diálogos dessas obras é complexo. Serras da desordem e Moscou estão próximos, mas também um corte eventualmente ligado ao melodrama, os filme-dispositivo, o documentário moderno e toda crise do lugar do realizador que nunca mais resolveremos – felizmente.
Digo isso porque me parece extremamente complicado, diante do que temos visto – com os filmes que citas ou que estão implícitos no texto – que façamos um julgamento desse cinema baseado em uma análise das obras; o que não quer dizer que elas não interessem, pelo contrário.
Temo que tua leitura caia na mesma armadilha da do Felipe. Esses filmes, se desejarmos pensar o conjunto, não podem ser julgados sem que consideremos as redes para as quais eles apontam e mobilizam. Ou seja, metodologicamente meu esforço tem sido partir da obra e dela fazer as conexões necessárias para a reflexão ou partir da rede à qual os filmes fazem parte. Quando parto da obra, percebo que são filmes que fazem parte da história do cinema, com eventuais singularidades, é claro. A indistinção entre documentário e ficção, por exemplo, ganha novos traços. A performatividade, como você chamou atenção em Tiradentes, também, assim como uma relação com história do cinema que, nesses filmes que trabalhei mais a fundo, não é nada ingênua. Mas, quando parto da rede e das condições de possibilidade para que essa eventuais traços estéticos surjam, percebo que estamos diante de algo forte e singular.
Uma singularidade que tem nos forçado a pensar novas estratégia de mercado, novas formas de atuação do estado, novos tipos de licença para proteção da propriedade intelectual, novas formas de relação com a universidade, novas formas de fomento e incentivo ao acesso, etc. Perceba. Se não fossem os filmes, em suas heterogeneidades e qualidades diversas e não consensuais – nós mesmo em Tiradentes discordamos sobre determinados filmes – esse movimento que hoje mobiliza bem mais do que uma patota e festivais que não são tão irrelevantes assim, não estaria acontecendo.
A rede que tenciona a distribuição, as formas de acesso, os festivais, as políticas públicas, a universidade, a crítica e é recheada de inquietações estéticas, é mobilizada por algo que está nos filmes, não é pouca coisa.
Não se trata assim de um movimento, como se houvesse um conjunto relativamente fechado, como nos tantos movimentos que conhecemos na história do cinema, nesses caso, acho que essa noção não faz muito sentido. Trata-se de uma outra lógica, acentrada, dispersa, que hoje está focada em alguns diretores e no ano que vem em outros ou outras cidades. Sim, talvez seja uma geração, uma geração que soube inventar meios de fazer do cinema um modo de vida fora do eixo Rio-São Paulo – mas nele também, como v. chama atenção -, fora das amarras da indústria mas, mas encontrando seus espaços, fazendo uso e inventado redes econômicas, afetivas, criativas e, claro, de legitimação.
Diria então: estamos diante de imagens que tem força suficiente para nos revelar a potência e a singularidade dessas redes que incluem os filmes e suas criações. Isso já é, em si, motivo de entusiasmo, mas também é pouco para uma leitura histórica, panorâmica. Nesse sentido, torna-se problemático deslocar para toda uma rede aquilo que se pode encontrar no específico; infantilismo, pretensão, etc.
Há um ponto no teu texto que é um desafio para nós. Quando falas do patrulhamento semântico que nega “arte”, “qualidade” e “autoria”, optando por termos menos palpáveis como “vida”, “afeto”, “fluxos” e “lugar”. Primeiramente, acho patrulhamento forte, entretanto, duas colocações me parecem fundamentais. O primeiro é referente às obras mesmo. O fato desses outros termos ocuparem a cena, alguns marcadamente pós-estruturalistas, não fala da necessidade de nos relacionarmos com outros campos do pensamento para falarmos dos filmes? É claro que essa utilização pode ser caricata, mas, novamente, faria o esforço de não ver no particular um retrato do todo. O outro ponto é ainda mais problemático. Estamos dispostos a lutar pela noção de qualidade no cinema com a Globo e um certo cinema em que a “qualidade” se auto-justifica? Estamos dispostos a lutar pela noção de autoria? Com que ganho? Novamente, nos filmes que citei acima, tal noção não se faz sem problema. Ainda, quando por todos os lados, a palavra de ordem é crie, eu entendo perfeitamente que falar em arte seja difícil, eu não desisti ainda, mas, sem deixar a polis de lado.
Meu abraço
Cezar Migliorin

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