1 de mar. de 2011

Politizar a gestão




           Todo o debate em torno das ditas economias criativas, trazido a tona por conta do protagonismo que a Ministra Ana de Hollanda vem dando à noção, é acompanhado de uma naturalização da noção de gestão no interior do estado.
           A semana passada, em entrevista à Isto é dinheiro, a ministra nos informou que a secretaria por ela criada, dedicada à economia criativa, será transversal ao ministério. Ou seja, o que será transversal será a potencialização de uma economia que trabalha com a noção de “exploração da propriedade intelectual” nas palavras da ministra. 
            Novamente, fico sem saber se essas palavras são pautadas por um desejo de acirrar o debate com uma grande quantidade de grupos e pessoas ligadas à cultura que apoiaram a presidente Dilma e que trabalham questionando essa ênfase na exploração e na propriedade imaterial, ou se estamos apenas diante de uma inabilidade da ministra com as palavras caras ao meio cultural contemporâneo. 
            Depois de sua primeira entrevista para um grande jornal ter sido dada para o Caderno Mercado da Folha de São Paulo e a primeira para uma revista semanal sair na Isto é Dinheiro, tendo a achar que o acirramento é parte de uma estratégia de choque do MinC. Uma estratégia que pela repetição da mesma lógica visa afastar as críticas e marcar de maneira decisiva um novo marco para o ministério. O paradigma da gestão.
            Um ministério ou uma secretaria precisa ser gerenciada, precisa organizar e estimular potencias e evitar problemas, precisa concentrar esforços e verbas em determinadas áreas em detrimento de outras, precisa desenvolver e administrar pessoal, etc. A gestão pública ou privada é fundamental, seja ela bem feita ou não. Nesse sentido, ela é necessariamente transversal à qualquer órgão público ou empresa.
            Entretanto, o paradigma da gestão guarda uma perversidade, ele tende a ser apresentado como procedimento fim. Ou seja, como a gestão é necessária, ela se torna a finalidade e a referência de qualidade. 
            A importância dada à economia criativa traz esse paradigma para o centro da administração pública. O problema do estado passa a ser uma gestão da criatividade, naturalizando-se a figura da gestão como se ela apenas fizesse escolhas técnicas e despolitizadas em favor daquilo que precisa ser feito, a gestão. 
            A perversidade da lógica reside na pior das consequências, a coincidência entre estado e mercado. Baseado no modelo da gestão, o estado naturaliza os procedimentos do mercado, sem crítica ou política. Para que isso se dê, há um facilitador essencial, os resultados da gestão são mensuráveis, traduzíveis em números enquanto a cultura não. A economia criativa se apresenta  como o que pode encontrar medida – através da gestão – para o sem medida – a cultura. 
            Na entrevista, a Ministra cita a moda, o design e a arquitetura como exemplos de indústrias criativas e diz que é preciso trazer para a formalidade os que estão fora, - os artesãos, os músicos, os artistas plásticos. Ou seja, precisamos trazê-los para a indústria, para a possibilidade de inclui-los na economia criativa e explorar a propriedade intelectual. O paradigma da gestão pressupõe assim que as coisas já existem, estão dadas, e agora só precisam ser geridas de maneira impessoal e sem política. Incorpora-se assim o cinismo do mercado, como se sua lógica fosse natural, como se ele fosse apenas gestão, o que torna qualquer crítica imediatamente obsoleta, inclusive essa, que por muitos será lida como uma crítica à existência do mercado e da gestão. Pois não isso, trata-se de politizar o mercado, politizar a gestão.

(Esse post tenta organizar uma conversa com André Brasil em Belo Horizonte)

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