Cada sujeito é essa bagunça; um mafuá.
Atravessados somos por mil forças, desejos, tarefas, opressões. Nossos
processos subjetivos, individuais e em grupo, são inseparáveis desse ir e vir
entre nós e o mundo, entre o que conhecemos e vivemos e as condições que nosso
mundo nos dá para efetivar nossas potências.
A cidade é parte fundamental dessas
relações. Como escreveu uma vez Guattari, o destino da humanidade está
diretamente ligado ao destino das cidades.
O destino da cidade que toca nossas vidas
não é apenas material - o transporte, a
moradia, o uso do tempo – mas, também, os modos como somos constantemente
modulados. Somos estimulados à certos processos em detrimento de outros, certas práticas em detrimento de outras.
No Rio de Janeiro, e provavelmente em outras
cidades também, as intensas modificações produzidas pelos grandes eventos fazem
com que cada faceta da vida comum seja atravessada por um estímulo bem claro: é
preciso e possível a “se dar bem”.
A formulação corrente é:
Os preços na cidade estão surreais. Vou
alugar meu apartamento durante a Copa por muitos e muitos mil reais! Ou “comprei
um barraco na favela pra alugar pros gringos”.
Esse espírito à que somos estimulados
não diz respeito somente ao mercado imobiliário, onde cada pessoa que possui um
apartamento e não o aluga durante a Copa se sente um pouco otário, mas aos usos
da cidade como um todo.
Os grandes eventos parecem ter levado ao
limite uma prática predatória e de ganhos enormes e urgentes, típicas de
lugares turísticos em alta estação. É preciso ganhar muito e rápido.
A hipercentralidade dos eventos tem data
para acabar e até lá é preciso aproveitar. Isso serve para comerciantes,
sindicatos, empresários, mas também para os sujeitos quaisquer. Olhar a cidade
se torna uma busca de oportunidades, anunciadas sem qualquer constrangimento,
muitas vezes por dia, em muitos programas de rádio ou TV.
Na bagunça que nos constitui estamos
constantemente a receber esse estímulo e uma parte importante de nossas
energias é tensionando essas palavras de ordem.
A comunidade parece viver uma mudança de
perspectiva. Qualquer construção a longo prazo perdeu o sentido e pouco parece
haver para além dos próximos dois anos.
A velocidade do capital e de seus fluxos financeiros, que a cada quatro anos elegem uma nova sede Copas e Olimpíadas, parece ser hoje a velocidade que se impõe às nossas vidas. Essas devem se adaptar econômica e eticamente à cidade que nos é proposta.
A velocidade do capital e de seus fluxos financeiros, que a cada quatro anos elegem uma nova sede Copas e Olimpíadas, parece ser hoje a velocidade que se impõe às nossas vidas. Essas devem se adaptar econômica e eticamente à cidade que nos é proposta.
Assisti ontem o delicado curta-metragem de
Takumã Kuikuro, “KARIOKA”, sobre a vida de sua família no Rio de Janeiro. Os olhares
curiosos das filhas de Takumã, o prazer com o mar salgado, a descoberta de Beyoncé e da
cidade grande trazem uma delicadeza para o Rio, uma cidade que construída por
esses fluxos de poderes guarda possibilidades individuais e de grupo para
escapar da lógica do “é preciso se dar bem”. As lutas estão em toda parte, felizmente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário