19 de abr. de 2014

Rio de Janeiro, é hora de se dar bem.


Cada sujeito é essa bagunça; um mafuá. Atravessados somos por mil forças, desejos, tarefas, opressões. Nossos processos subjetivos, individuais e em grupo, são inseparáveis desse ir e vir entre nós e o mundo, entre o que conhecemos e vivemos e as condições que nosso mundo nos dá para efetivar nossas potências.

A cidade é parte fundamental dessas relações. Como escreveu uma vez Guattari, o destino da humanidade está diretamente ligado ao destino das cidades.
O destino da cidade que toca nossas vidas não é apenas material -  o transporte, a moradia, o uso do tempo – mas, também, os modos como somos constantemente modulados. Somos estimulados à certos processos em detrimento de outros, certas práticas em detrimento de outras.

No Rio de Janeiro, e provavelmente em outras cidades também, as intensas modificações produzidas pelos grandes eventos fazem com que cada faceta da vida comum seja atravessada por um estímulo bem claro: é preciso e possível a “se dar bem”.
A formulação corrente é:
Os preços na cidade estão surreais. Vou alugar meu apartamento durante a Copa por muitos e muitos mil reais! Ou “comprei um barraco na favela pra alugar pros gringos”.
Esse espírito à que somos estimulados não diz respeito somente ao mercado imobiliário, onde cada pessoa que possui um apartamento e não o aluga durante a Copa se sente um pouco otário, mas aos usos da cidade como um todo.

Os grandes eventos parecem ter levado ao limite uma prática predatória e de ganhos enormes e urgentes, típicas de lugares turísticos em alta estação. É preciso ganhar muito e rápido.
A hipercentralidade dos eventos tem data para acabar e até lá é preciso aproveitar. Isso serve para comerciantes, sindicatos, empresários, mas também para os sujeitos quaisquer. Olhar a cidade se torna uma busca de oportunidades, anunciadas sem qualquer constrangimento, muitas vezes por dia, em muitos programas de rádio ou TV.

Na bagunça que nos constitui estamos constantemente a receber esse estímulo e uma parte importante de nossas energias é tensionando essas palavras de ordem.

A comunidade parece viver uma mudança de perspectiva. Qualquer construção a longo prazo perdeu o sentido e pouco parece haver para além dos próximos dois anos. 
A velocidade do capital e de seus fluxos financeiros, que a cada quatro anos elegem uma nova sede Copas e Olimpíadas, parece ser hoje a velocidade que se impõe às nossas vidas. Essas devem se adaptar econômica e eticamente à cidade que nos é proposta.

Assisti ontem o delicado curta-metragem de Takumã Kuikuro, “KARIOKA”,  sobre a vida de sua família no Rio de Janeiro. Os olhares curiosos das filhas de Takumã, o prazer com o mar salgado, a descoberta de Beyoncé e da cidade grande trazem uma delicadeza para o Rio, uma cidade que construída por esses fluxos de poderes guarda possibilidades individuais e de grupo para escapar da lógica do “é preciso se dar bem”. As lutas estão em toda parte, felizmente. 

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