7 de fev. de 2015

Vigilância e Direitos Humanos



Na última sexta-feira, o Investigatory Powers Tribunal, um órgão do poder jurídico inglês, pela primeira vez julgou que a agência de vigilância desse país (GCHQ) atuou contra os direitos humanos ao interceptar, junto com a agência americana (NSA), a comunicação de milhões de pessoas.
O processo aberto por ONGs de direitos humanos contra a agência foi possível depois que Snowden vazou os arquivos da NSA publicados por Greenwald no Guardian.
A decisão é no entanto bastante dura para os direitos humanos e para a defesa de uma internet livre.
Por que?
Durante anos a GCHQ e a NSA recolheram dados de milhões de pessoas, como ainda fazem. Até a comprovação desses documentos virem a público com Snowden, tudo isso era feito por baixo dos panos, em acordos entre os governos e as grandes empresas de comunicação – a Apple, onde escrevo essas linhas, o Facebook, onde as publico e a Google, onde tenho meu blog, entre outras. Com os documentos vazados por Snowden, a violação dos direitos humanos pelas agências e por essas empresas ficou claro. Foi isso que foi julgado pelo tribunal inglês.
Entretanto, ao mesmo tempo em que o tribunal condenava a falta de transparência, ou seja, empresas e estados não podiam coletar dados sobre nós sem que saibamos, o tribunal não considerou que a coleta em si dos dados é um crime.
Para o tribunal inglês, agora que sabemos, agora que há transparência na violação de todas as nossas mensagens e comunicações, as agências não estão fazendo nada de errado.
As mesmas ONGs continuam os processos em tribunais europeus de defesa dos direitos humanos.

A Grécia e o Brasil



    As enormes dificuldades econômicas da Grécia se transformaram em uma abertura para que certos paradigmas da Europa sejam questionados.
    A Grécia questiona a hegemonia dos bancos Frances e Alemães, explicitando como a Europa, distanciando-se de um projeto democrático, se tornou um projeto financeiro organizado por poucos. A recente matéria de capa do The Economist dava o tom de ameaça à Grécia; “ou vocês respeitam as regras ou acabamos de quebrar vocês”. Essa é a tradução do papel que a hegemonia financeira tenta fazer no momento. Nos padrões dessa hegemonia, matar o paciente é a melhor solução para os problemas.
    Essa situação me faz pensar na chance que o novo Governo Dilma está jogando fora.
    Diante de uma crise política, econômica e ambiental, o que faz o governo? Aumenta a dosagem do mesmo remédio.
    Mais poder para os desmatamentos, mais poder para os mesmo princípios financeiros e nenhum enfrentamento político verdadeiro.
    Diante da crise, esse governo tinha a obrigação de ter um pouco de ousadia. Olhar para as cidades e perceber que o modelo de crescimento nos últimos anos foi desastroso. Se muitos puderam comprar seus primeiros carros, hoje estão todos no mesmo engarrafamento sem um banho garantido quando chegar em casa.
    Diante da crise política, com novos escândalos de financiamento de campanha, o governo tem a faca e queijo na mão para um choque político que esvazie a necessidade de milhões de reais a cada quatro anos. O cinismo de PT e PSDB fazendo acusações mútuas sobre como desviam dinheiro de empresas para financiar campanhas, não deveria ser alvo apenas de partidos como o PSOL, mas deles mesmo. É difícil acreditar que haja conforto em todos desses partidos com a necessária corrupção para se manterem no poder. Com a crise política Dilma deveria colocar seu peso na imediata reforma política, de outra maneira há a simples opção pelo imobilismo que os escândalos causam no cotidiano do país, enquanto a elite política e financeira pensa em como conseguir a verba para a próxima campanha.
    O exemplo da Grécia é fundamental. Diante da radical crise é preciso olhar para as coisas e se abrir para mundos possíveis. Talvez seja essa possibilidade que esse início de governo esteja jogando fora.

Grécia e a violência da mídia

Grécia,
O The Economist é das mais influentes revistas do mundo.
Seus princípios liberais são conhecidos de todos, mas o texto dessa semana, sobre a Grécia, dá a dimensão do medo que esses poderes tem de que o basta que esse país quer dar para austeridade imposta pela Europa se espalhe por Espanha, Itália, Portugal e mesmo França.
O artigo é uma sequencia de ameaças, exemplo: “eles não tem escolha”, se Tsipras for provocativo demais o Banco da Grécia quebra” “se Tsipras mandar os sinais errados” sofrerá retaliações, “eles não tem experiência” para a tarefa que estão se propondo, “Tsipras está jogando com a sorte” etc, tudo isso com a constante ameaça de expulsão da Europa.
O recado para o sistema financeiro é claro. É preciso fazer a esquerda grega fracassar, de outra maneira teremos que renegociar nossos ganhos com todos os outros países. De outra forma a esquerda de muitos outros países pode se fortalecer.
A resposta do Grega tem sido: nosso problema não é um problema local, mas de todos os trabalhadores da Europa. O empobrecimento da Grécia é o mesmo que tem fomentado a xenofobia em muitos países.
O que o novo governo grego coloca para a Europa é a necessidade de recolocar em questão do porque haver uma “união”, seus princípios e prioridades.
Nas prioridades de Merkel e do The Economist não há lugar para esse debate. Diferentemente do que gostaria o jornalismo violento da revista e as ameaças da Alemanha, o que está em jogo é muito mais que economia, mas opções de mundo.

Charlie Hebdo

As questões trazidas pelo assassinato do pessoal do Charlie Hebdo são das mais importantes. Claro, todos condenaram os assassinatos, mas não foram raros os casos em que uma certa responsabilidade foi colocada nos cartunistas. “Eles estavam brincando com fogo, assim não dá.”
Poucos dias depois, no afã de uma resposta à sociedade – ou de simplesmente fazer valer seu poder – o governo francês prendeu o comediante Dieudonné, detestado por muitos por conta de suas piadas anti-semintas. A prisão de Dieudonné, entretanto, foi feita sob acusação de defesa do terrorismo depois de ele ter publicado em seu Facebook, "Je suis Charlie Coulibaly" em referência ao homem morto pela polícia após matar quatro pessoas em um supermercado.
Aqui, novamente, não há mas. Assim como as charges não podem justificar o que foi feito aos jornalistas do Charlie, essa frase não pode justificar a prisão do comediante. Qualquer defesa de terroristas é crime na França, qualquer fala que incite o ódio. Se está certo ou não, é outro problema, mas prender o comediante por essa frase só é possível por conta do seu histórico antissemita, Mas, a frase, em si, de forma alguma justificaria a prisão agora. Prende-lo por essa frase é perder a dimensão paradoxal e ficcional de frase. Se no campo da ficção há esse limite imposto pelo estado, seu autoritarismo se torna ainda mais grave. Metade dos diretores e produtores de filmes de ação americanos teriam que estar na prisão.
A ação do governo francês é mais uma forma de expor um poder desprovido de qualquer legitimidade, tipicamente imperialista.
Mas, o mais inquietante me parece ainda a forma com nesses momentos entregamos para o estado a autoridade sobre o que é correto e o que não é. A cada vez que dizemos que algo não deve ser publicado estamos dizendo que o estado deve ter poderes para punir quem expressa opiniões fora do quadro esperado. No meu caso, preferiria confiar nos leitores do que entregar para algum juiz o direito de dizer o que deve ou não ser publicado. Levar esse argumento ao limite requer uma sociedade bastante madura, exatamente aquilo que não interessa aos poderes que tem interesse em guardar o monopólio sobre o que deve ou não ser dito e escrito. O estado diz, não podemos deixar alguém defender o terrorismo, isso traria uma péssima influência para a sociedade. Com esse argumento, as universidade inglesas são “aconselhadas” a não receber oradores radicais, os governos investigam jornalistas, como expostos no Guardian de hoje, o monitoramento da correção se torna uma moeda de troca, os que refletem sobre blackblocks são monitorados, etc. Na Europa, o terrorismo tem sido enfrentado com mais e mais polícia, a mesma que proíbe rezas muçulmanas em público na França, torres de mesquitas na Suiça e constrangedores nacionalismo em tantos lugares. Minha pergunta, nesses casos, é: Chamar o juiz e a polícia é o melhor a se fazer quando o que o preconceituoso, o blasfemo ou negacionista escreve? É uma dúvida.

A escola e os "valores da república"



Para o governo francês, a solução para o radicalismo religioso de alguns franceses está na escola.
Para isso, a escola irá comemorar o dia da laicidade, professores serão formados para ensinar moral e cívica e educar sobre mídia e informação. “É preciso ensinar os estudantes a diferenciar o que é e o que não é informação”, explicou Hollande. Cada escola será obrigada a ter um meio de comunicação – blog, jornal, rádio. Mas, para tudo isso, é preciso reforçar a posição e a autoridade dos professores, consolidar a disciplina e não deixar nenhum incidente em que os valores da república sejam questionados, sem punição, dizem os gestores escolares. Os pais terão que assinar um documento em que se colocam de acordo sobre a necessidade dos alunos não questionarem os valores da república. Em caso de punição, no lugar de castigos em que o estudante fica retido na escola, ele terá que prestar serviços à comunidade.
Na reação dos poderes públicos aos ataques terroristas, vemos novamente a escola colocada como instrumento para desfazer essa fratura nos princípios da república, uma vez que, não somente os assassinos cresceram no ensino francês, como, depois da morte dos jornalistas, o repúdio dos estudantes franceses não foi uma unanimidade.
Enquanto descobríamos as medidas dos franceses, uma blitz na Avenida Brasil fazia a triagem entre os jovens que poderiam chegar na praia em um domingo de sol, e os que teriam que ficar pelo asfalto. Os arrastões vinham assustando os banhistas na Zona Sul. Quando chegar na segunda-feira, esses mesmos jovens que foram revistados no domingo, porque eram negros e pobres, estarão da escola, encontrarão seus professores, entregarão ou não seus deveres de casa e provavelmente ficarão um dia mais próximos do fracasso escolar, longe das melhores universidades. O caso francês é muito diferente, é verdade. Mas não custa lembrar que na França, a esmagadora maioria dos alunos que estudam medicina, por exemplo, passaram por instituições privadas de ensino.
Aqui como lá, “os valores da república”, não estão separados de certas ordens da cidade, organizações do capital e do apartheid escolar. Para alguns, os valores da república mantém uma ordem de privilégios, para outros, as punições e as blitzs.