O garoto de 7 anos entra na cozinha onde sua mãe faz o jantar e o pai fuma e, cantando, avisa a família.
- Eu não retornarei mais à escola.
- Por que?, pergunta a mãe.
- Porque na escola eles me ensinam coisas que eu não sei.
Assim começa o curta metragem de Jean-Marie Straub et Danièle Huillet, com texto de Marquerite Duras, realizado em 1982.
O caso é grave e Ernesto precisa ser levado à direção da escola, onde o garoto continua, com pouquíssimas frases, revelando a lógica escolar.
- Não estou lhe reconhecendo, diz o diretor.
- Eu estou lhe reconhecendo, responde Ernesto.
- Então você recusa a se instruir. E por que?
- Porque isso já durou demais.
- O estudo é obrigatório.
- Não em todos os lugares, diz o garoto.
O diretor levanta, bate na mesa e mais uma vez faz o seu papel reconhecível. O plano segue fixo na mesa do diretor.
- Aqui é aqui e não é “todos os lugares”.
Ernesto, que não quer mais a escola, é interrogado pelo professor sobre seus conhecimentos. Quando o professor mostra uma foto do presidente François Mitterrand e pergunta quem é, Ernesto responde: um companheiro. E isso? O professor mostra uma borboleta em uma placa de vidro. É um crime, responde Ernesto. Para cada objeto que o professor busca um saber organizado pela escola, Ernesto devolve um outro saber; crítico, múltiplo, pragmático ou abstrato.
- E isso? Pergunta o professor mostrando um globo terrestre. Por acaso é uma bola de futebol ou uma batata (pomme de terre)?
- É uma bola de futebol, uma batata e a terra, responde o garoto, seguro de si.
- Um caso único diz o professor intrigado. Uma criança que só quer aprender o que ele já sabe.
O professor coloca então a pergunta decisiva e fundamental.
- Mas como essa criança pretende aprender o que ela não sabe?
O menino então dá sua cartada final.
- En rachâchant, diz ele, inventando uma palavra que parece misturar pesquisa – recherche - e canto – chant.
A tensão aumenta e o professor chega a ameaçar fisicamente a criança. A mãe impede a agressão. E o professor pergunta então: - E como Ernesto irá aprender a ler, escrever e contar?
- Inevitavelmente, diz a criança. Levando ao extremo a evidência de que o mundo ensina e de que o aprendizado está em tudo.
Ernesto deixa a sala enquanto o pai questiona o professor:
- Ele conseguira aprender, ler, trabalhar, trabalhar?
- Sim, responde o professor.
O filme, organizado como uma comédia em que todos atuam com gestos hipercontrolados, é agudo na crítica à forma como a escola inventa um mundo de conhecimento auto-justificáveis, desconectados da pesquisa individual e do canto, da poesia. Mais de 50 anos antes, em um artigo sobre o ensino de matemática, Whitehead fazia essa crítica, dizendo que o ensino era baseado em detalhes extremos, distantes do conhecimento comum e das grandes ideias. Ou como dizia, Ira Shor em conversa com Paulo Freire “Quando os estudantes realmente querem alguma coisa, movem céus e terras para consegui-la.” Inclusive negar a escola, como Ernesto.
https://www.youtube.com/watch?v=jQT02HG3jx4
Nenhum comentário:
Postar um comentário