A escola parece cada vez mais pautada por uma funcionalidade que coloca o futuro econômico dos indivíduos em primeiro lugar. A naturalidade com que no país as escolas privadas se tornaram o padrão do que podemos esperar de uma boa escola transformou a educação em um investimento que as famílias fazem em seus filhos para que no futuro eles possam dar o esperado retorno. A educação se tornou uma mercadoria de altíssimo valor com compradores frequentemente dispostos a utilizar a maior parte de seus ganhos para comprar a mercadoria que garantirá um filho na universidade, um salário adequado na vida adulta. “Nós compramos educação para melhor nos vender”, escreveu Christian Laval (école capitaliste p, 146). Essa organização centrada nos sucesso individual, no “capital humano” (Gary Becker ) e na empregabilidade colocam a educação a serviço do emprego, do mundo já constituído do trabalho. Não é por outro motivo que nas últimas décadas se criaram escolas bilíngues para brasileiros e aulas de empreendedorismo para a crianças. Como explica o consultor do Sebrae São Paulo: “Claro que você não vai pegar um aluno de sete anos que nem sabe matemática direito e ensina-lo a fazer fluxo de caixa, mas desde cedo é possível, e não só possível, desejável, que esse aluno comece a desenvolver as habilidades empreendedoras,” afirmou Bruno Caetano. Preparar jovens e crianças para o futuro virou sinônimo de preparar para o trabalho, como expressa com todas as letras a matéria do Universia, dedicado à educação: “Muitos professores acreditam que sim, entretanto, esquecem-se da função básica da escola que é preparar os alunos para o futuro. Pensando nisso, é importante preparar os alunos para o mercado de trabalho.”
A escola se organiza assim como um investimento que no futuro dará o retorno, mas, como o investimento é individual, não é para o vizinho ou para a comunidade que o retorno deverá se fazer, mas para o próprio indivíduo. O futuro, não mais da sociedade ou do planeta, é mensurável pelos ganhos futuros permitidos pelo investimento. A escola se tornou um problema privado em que os pais discutem sem constrangimento seus pequenos casos particulares, os sucessos e fracassos dos filhos, sempre movidos pelos seus direitos de consumidores, em infindáveis reuniões escolares. A hiper-funcionalidade da escola desloca para o mundo do trabalho e do capital a organização do presente da educação. Tal deslocamento é parte de um círculo vicioso em que a falta de investimentos adequados em educação levará o futuro adulto a ter um emprego com baixos salários e sem dinheiro para pagar a escola dos filhos. A desigualdade da escola e a privatização funcionalista são partes fundamentais da opressão que se exerce no mundo do trabalho sobre os adultos.
Desde cedo está claro para a criança que o mundo do trabalho não perdoa, que ele deve ser atendido e que devemos nos curvar a ele, sob o risco do desastre pessoal: não educar os filhos na melhores escolas. Se a escola pública de baixa qualidade serve muito mal à população, ela funciona muito bem como um poderoso modulador de processos subjetivos. Perto de cada casa há sempre uma escola precária e barulhenta nos avisando que é para lá que nossos filhos irão caso fracassemos no mundo do trabalho. O fracasso da escola pública é feliz em garantir a pressão da concorrência entre indivíduos forjando um excelente laboratório para o mundo empresarial. O foco no empreendedorismo individual desejado por alguns não precisa de aulas específicas, mas de uma constante manutenção do medo.
Esse fabuloso mercado da educação é estimulado pela forma como o estado se abstém em garantir escolas de qualidade. Como isso não acontece e a pressão da sociedade persiste para que as escolas públicas ainda existam com alguma qualidade, novas propostas aparecem. Uma delas é fazer com que as escolas, mesmo públicas, sejam administradas como empresas, com o forte modulação dos salários dos professores, precarização dos contratos, concorrência entre professores, redução de autonomia de ensino, avaliações centradas no sucesso dos alunos no mundo do trabalho e mesmo captação de recursos por professores e administradores escolares.
Em resumo, a necessária radical atenção que a escola precisa se deve à forma como hoje ela é 1) parte de um sistema de exclusão 2) moduladora de processos subjetivos afeitos ao liberalismo excludente. Se os pobres são radicalmente punidos, impossibilitados em ter a escola como promotora de ascensão social, os mais ricos funcionalizam a educação em função do trabalho, excluindo as possibilidades inventivas, criativas e críticas em relação ao mundo que desejamos. Alguns se salvam, mas o mundo ....
Na verdade, mais do que uma reforma radical da escola, o que está em jogo é uma disputa de mundos, nesse sentido, talvez fosse importante levarmos a sério o repetido desengajamento dos jovens com a escola e as frequentes manifestações de estudantes que estouram em tantos lugares do mundo ano após ano.
O que me interessava com essas notas era explicitar como a escola não é apenas formadora dos indivíduos que estão com ela diretamente implicados, mas parte de uma processo bem mais amplo, que toca ricos e pobres e que participa das modulações dos nossos processos subjetivos, do que desejamos, da forma como investimos nossas energias e engajamos nossas forças. Sem essa abertura, a escola se mantém como um problema privado, em que cada um tenta resolver o seu e com isso aceitamos a opressão que obriga crianças, jovens e adultos a cederem sempre ao capital.
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