10 de fev. de 2008

O documentarista está de volta

Em um post anterior dizia que o documentarista é aquele que está de saída.
Pois, o documentarista está de retorno quando coloca-se a altura da desestabilização por ele causada, construída; são momentos em que o filme deve dar conta e ser afetado pela sua própria potência (do filme). Como se o filme gritasse, eu não sabia que poderia vir até aqui. O filme se auto-afetando.

Do lugar do documentarista

- Que o documentarista não carregue a culpa pelo feio, o horrível e o violento do mundo.

- Que o documentarista não se autorize a julgar o que seu personagem deseja ou não dizer para o mundo. O que é frequentemente inevitável.

- Que o documentarista separe temporal e espacialmente o filme do sujeito filmado.

É triste uma pré-estreia em que os loucos filmados também estão presentes ou que os travestis foram convidados para se ver e falar depois do filme.

Cinema na sala de aula 2 - com Alain Bergala


Continuação do post anterior

1 - O professor que leva o cinema para sala de aula deve estar comprometido com os filmes que escolhe.
Isso exclui qualquer paternalismo. O filme deve ser bom para o professor antes mesmo de ser bom para as crianças e jovens.

2 - O gosto pessoal dos professores está em jogo. É parte do que será levado à sala.

3 - Não devemos julgar o gosto das crianças e jovens.

4 - Crianças podem digerir tudo, o melhor e o pior.

5 - Não se deve perder tempo analisando filmes ruins. Não se trata de ensinar os alunos a se defender do cinema ou da linguagem, como se ela fosse intrinsicamente perigosa.

6 - O risco é que os bons filmes são raramente corretos, politica ou ideologicamente.

7 - O professor deve facilitar o acesso a filmes que só podem aparecer na escola.

8 - Só podemos exigir dos professores que estejam atentos ao que acontece na tela.

9 - A escola pode traçar linhas entre filmes, entre filiações. O filme não é um obra única, isolada do mundo e de outras obras.

10 - É função do professor fomentar uma leitura criativa, não somente analítica e crítica. Manter o filme como algo estranho.

11 - O filme deve ser visto e revisto!

12 - Em um plano que vale a pena "há algo que queima no seu interior" (Straub). Na sala de aula se busca o que queima, não a gramática ou os bons e grandes temas.

13 - Bergala marca no livro uma grande diferença entre o cinema e a televisão. O que ele se propõe a levar para a sala de aula é o cinema como arte e não o audiovisual.

O imaginário cinema (filmes, docs, clips) não se confunde com o dispositivo televisual (palco, jogos, talk-shows, jornais, esporte)
"Eu não vejo nenhum interesse ou benefício pedagógico em misturar as duas coisas"


14 - É ingênuo pensar que o cinema oferece instrumentos contra a televisão por dois motivos.
- O que as crianças tem prazer em ver não se transformará como uma análise que desmonte a TV.
- As poucas horas que a escola pode analisar o dispositivo TV são ínfimas diante das horas que se passa diariamente na frente da TV.

15 - Faremos mais pela crianças lhes apresentando um plano de Kiarostami do que duas horas desconstruindo uma emissão de TV.

16 - Um filme trabalha na surdina, lentamente.

17 - Podemos obrigar a aprender, mas não podemos obrigar a ser tocado. (isso me faz lembrar uma fala de Derrida dizendo que tudo que podemos pedir dos alunos é seu tempo.)

18 - A sala de aula deve se diferenciar do consumismo fílmico - cada semana um filme diferente - e do consumo jovem.

19 - Os filmes trabalhados com crianças de 7 a 17 anos não foram divididos por classe o faixa etária e as questões trabalhas eram frequentemente as mesmas: o ponto de vista, espaço real e espaço fílmico, o fora de quadro, o campo sonoro, etc.
Os alunos eram frequentemente convidados a trazer para a sala de aula fragmentos que continuassem a discussão em torno dos recortes propostos.

20 - Estágios de formação são essenciais. Colocam em contato múltiplas experiências de relação com os filmes. Aproximam professores de gerações diferentes com diferentes experiências de cinema.


9 de fev. de 2008

Cinema na sala de aula 1 - com Alain Bergala

Em 2000, o critico e cineasta Alain Bergala foi chamado pelo então Ministro da Educação da França, Jack Lang, para introduzir o cinema na escola elementar.

Essa experiência gerou o livro "L'hypothèse cinéma".

Trago agora um pouco da experiência de Bergala, neste livro que infelizmente não está traduzido.

Os comentários abaixo já são parte de de um diálogo com o Bergala.

1 - O primeiro embate é com a inércia das pessoas ligadas à educação. A dificuldade de mudar qualquer coisa é uma dura batalha, essa é a realidade. Com ela vamos em frente.

2 - É preciso começar com propostas radicais. O tempo, a transmissão e a colocação em prática tratarão de contê-las. Segundo Bergala é frequentemente necessário colocar a carroça na frente dos bois. Adorei isso!!

3 O primeiro efeito a ser procurado é simbólico.

4 O cinema vai para a escola não como texto ou como tema, mas como ato e criação.

5 - A questão é a criação, não a transmissão de uma saber audiovisual ou artístico. Arte não se ensina, experimenta. Ela deve ser nova para o professor e para o aluno. É pela experiência que o professor pode sair do lugar daquele que ensina para experimentar com os aluno.

6 - Aluno e professor: não sabemos porque é o outro.

7 - Podemos começar pela materialidade da imagem. O que vemos, as cores, os cortes, o corpo, o olhar, o gesto.

8 - A criação é um encontro com a alteridade. O audiovisual na sala de aula pode ser esse encontro.

9- A arte para ser arte deve guardar sua potência escandalosa, caótica.

10 - Bergala não chamou especialista, formados em cinema para a tarefa, os operadores/experimentadores deveriam ser os próprios professores, independente da sua especialidade.

12 - Princípio gerais: reduzir a desigualdade, revelar na criação qualidades intuitivas e de sensibilidade, desenvolver o espírito crítico das crianças.

13 - É preciso não transformar em receita o processo. "Sobretudo se funciona!" Funcionar não é um valor suficiente. O capitalismo funciona, a grande mídia funciona....

14 - Não se trata de colocar o cinema na sala de aula porque ele pode dizer melhor o que já sabemos, mas porque ele tem uma forma sensível que nenhuma outra tem.

15 - A arte é anti-institucional. É com este paradoxo que temos que ter a coragem de colocá-la na sala de aula.

16 - A escola não é feita para o encontro com a arte, mas para muitas crianças ela é o único lugar onde isso pode acontecer.

17 - O cinema entra na escola como um processo criativo, como marca de um processo de pensamento que não se pode ensinar de outra forma.

18 - Analisar um filme e realizá-lo implicam um mesmo tipo de relação com um processo criativo.

19 - A tentativa é encontra formas de se dialogar sobre o prazer e dificuldades daqueles que participaram do processo criativo de um filme - realizadores, atores, roteiristas, montadores, etc.

20 - O medo da alteridade faz com que tendamos a ler o novo à partir do velho. O cinema se torna assim texto, história, tema, ilustração. O que pode um filme e mais ninguém?

21 - O cinema na sala de aula não pode ter pressa.

segue...

8 de fev. de 2008

Pobre fica em casa

As declarações do Coronel na PM Marcus Jardim (Primeiro Comando da Área da Capital ) no O Globo de hoje são escandalosas.

- Baile Funk em favela é reunião de Vagabundo.
- Não posso proibir mas posso dificultar.
Sua tática consiste em abordar e revistar os frequentadores inibindo os "jovens que vão ao baile apenas se divertir."

No Globo são tratadas com normalidade.
Cria-se o consenso de que o poder pode e deve restringir os acessos, movimentos e conexões dos pobres (aqueles que não são leitores deste mesmo jornal).

Escândalos no lugar da política

Nos últimos vinte dias a oposição ao atual governo conseguiu mudar de pauta três vezes.
Energia e um possível racionamento, febre amarela e, agora, os cartões corporativos.

O racionamento não foi necessário, a febre amarela não virou a epidemia que a mídia anunciava e, agora, os cartões corporativos....

é triste ver uma oposição e uma mídia pautando o debate em escândalos. A transposição do Rio São Francisco, as cotas, o desmatamento, a reforma trabalhista, nada disso importa diante do gasto do cartão corporativo para pagar tapioca ou flores para os visitantes da China!

6 de fev. de 2008

Godard, para nos livrar das imagens únicas (e das inúteis também)

Não há imagem, somente imagens.
Assim que há duas, há três, é o fundamento aritimético do cinema.
Não há imagem, apenas relação entre imagens.


No desejo de fazermos um filme por alguém corremos o risco de fazer um filme contra:

5 de fev. de 2008

Para escutar (pop) no carnaval


Para quem está em casa, longe do samba, tente:

Just Jack
- hip hop animado dançante
The veil - para quem gostou de rock inglês nos anos 80
Beastie Boys - The Mix up - instrumental jazzistico muito bom
Destroyer - Destroyer's Rubies - Canção pra quem gostou de Radiohead e afins

4 de fev. de 2008

Porque uns e não outros?


Esse é o título do livro de Jailson de Souza e Silva.
O livro relata diversas histórias de vida e tenta entender porque certas pessoas vindas de meios populares, a favela da Maré, sobretudo, conseguem chegar à universidade e outras não.

Jailson desenvolve noções como inteligência institucional e pertencimento que são interessantes para entendermos ações públicas ligadas à educação que ultrapassam uma ação direta do estado e que são fundamentais para o sucesso de uns.

O livro traz ainda uma dimensão pessoal, uma vez que Jailson fez, ele próprio o caminho da Maré ao doutorado e uma dimensão prática, ligada ao CEASM - Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré - que oferece cursos pré-vestibular que auxiliam essa passagem à universidade.

3 de fev. de 2008

Bolívia, por Negri e Cocco

Antonio Negri e Giuseppe Cocco escrevem sobre a Bolívia.

Lembrando:
O recente papel da Governo Lula e da Governo do Chile (Michelle Bachelet) foi extremamente importante no momento em que defenderam a Bolívia unida contra a chantagem separatista daqueles que defendem a privatização dos recursos naturais.

Abaixo um trecho da entrevista com Francisco Carlos Teixeira da Silva
"O Evo (Morales) falou uma coisa que é muito interessante – mais do que uma posição política, é quase uma filosofia de história. Quando ele disse que iria nacionalizar o petróleo, o gás, etc, diziam que os investimentos iriam embora. E o Evo respondeu a isso da seguinte forma: 'nós éramos um povo digno, roubaram a prata, ficamos pobres; depois, eles vieram, roubaram o guano ( externo das aves do litoral), ficamos ainda mais pobres, e perdemos o litoral; depois, roubaram o manganês e continuamos pobres; agora, eles querem o petróleo, e nós vamos continuar pobres'. Quem já perdeu tanto, falar que não vai ter investimento..."

Volta às aulas

Em breve a fala e a escuta diante de dezenas de jovens.

Pensando no que é possível compartilhar com eles, volto a Rancière:

"Quem parte da desigualdade e se propõe a reduzi-la, hierarquiza as desigualdades, hierarquiza as prioridades, hierarquiza as inteligências e reproduz indefinidamente."

O desafio não é pequeno.

Entrevista com Rancière sobre instigante "O Mestre Ignorante".

2 de fev. de 2008

Tv por assinatura e futebol

O Brasil tem 8% da população com Tv por assinatura.
A Argentina 52%.

O negócio da tv aberta é bom demais para ser ameaçado pela tv paga, dominado pela Globo. A TV paga é passível de maior democratização = desinteresse da Globo em ter a Net com assinantes.

A Net é apenas uma forma de defesa de mercado. Não tem necessidade de atender seu telefone se você ligar para lá.

Ou o estado interfere ou continuaremos a ter o campeonato brasileiro de futebol apenas para a elite dos 8% que escolhe pagar mais para vê-lo.

Meu nome não é Johnny

Um primeiro estranhamento é o elogio que o filme faz à atuação da juiza que poupa o personagem da lei. Um verdadeiro estado de exceção. Trata-se da lei (a juiza) que suprime a lei (condenar o traficante pelo que fez).

A classe média adora. Encontra no filme um Estado que protege o filho caso esse "se deixe levar" pelas circunstâncias.

Outro estranhamento é o elogio esquemático ao limite. Os pais devem dar limite para os filhos, se não....
Tudo se resume ao limite. O problema não é o consumo, por exemplo, mas o limite do consumo.
A lógica do filme é a da moderação, mesmo para ser traficante é necessário moderação.

Vou levar meus filhos adolescentes para ver, dizem alguns. Para que? Para saberem que se decidirem pelo tráfico devem fazer com moderação. Ou para saberem que se forem pegos o Estado os protege, evitando que aquele que errou se junte aos criminosos.

Pensando o Brasil

Excelente entrevista com Francisco Carlos Teixeira da Silva.

Petrobrás, Bolívia, energia, mercosul, Farc, política externa.
Inteligente e esclarecedor

Estéticas da Biopolítica

Entra no ar hoje, na Revista Cinética o belo projeto Estéticas da Biololítica: audiovisual, política e novas tecnologias.
O projeto foi contemplado pelo Minc no programa Cultura e Pensamento.
São 18 ensaios críticos, três ensaios audiovisuais, links e uma curadoria de trabalhos online sobre o tema.
O projeto foi editado por Leonardo Mecchi, Ilana Feldman, André Brasil e eu mesmo.
Estamos muito orgulhosos!