27 de fev. de 2010

Documentário e Fra-Angélico

Estou cá a pensar a questão do encontro no cinema documentário quando cruzo com o Bergala:

"Na nossa cultura cristã, todo encontro entre duas figuras pode, em certas condições e sob certas circunstâncias, vir a ser uma Anunciação, um eco distante dessa figura fundadora da Anunciação." (Nul mieux que Godard)

Ora, o encontro só interessa como acontecimento. O que pode Maria?

Uribe e o estado de direito

A suprema corte colombiana votou ontem o pedido de Uribe pelo direito a uma nova reeleição, seria seu terceiro mandato.
Uribe perdeu, 7X2.

É interessante ver presidentes como Uribe ou FHC que apesar de terem sido eleitos legitimamente, dentro das regras do jogo democrático, na hora de deixar o governo se prestam a esse papelão. Chavez nem se fala.
Bom ver na Colômbia os poderes funcionando de forma independente.

A fragilidade democrática, a mesma que faz com que Uribe demande uma nova reeleição, é expressa, por exemplo,  em uma carta aberta do ex-presidente César Gavíria em que parabeniza Uribe por acatar a decisão. Era imaginável então que ele pudesse não acatar?

 vídeo de Uribe - em que ele assume o papel de professor sobre o estado de direito para assumir a derrota.

26 de fev. de 2010

Félix Guattari entrevista Lula

Uma preciosidade. (download) (original da Elianne Ivo, obrigado)

Lula é entrevistado em 1982 por Guattari.

Fundado em 1980, o PT estava prestes a apresentar seus primeiros candidatos em uma eleição.

Lula, com 37 anos, fala de um desejo de país que atravessou esses anos todos e que se realiza nesses seus dois governos, apesar de tantas diferenças.

Os mais críticos ao governo Lula verão uma entrevista cheia de contradições. Lula recusa qualquer apoio ao PMDB, fala em estatização de Bancos, etc.
No meu caso, sou tocado por uma enorme percepção da política mesmo, do que era ou não possível fazer, dos embates que se colocariam e da necessidade democrática.

"é preciso estar com os pés no chão, e saber que os processos de transformação não se dão porque queremos, mas sim em virtude das forças políticas sobre as quais eles se apóiam."

Ontem - dia 26.02.10 - O Globo ainda fazia uma matéria sobre a visita de Lula a Cuba ignorando a relação que o Brasil tem hoje com a América Latina, ignorando o que Lula foi fazer naquele país, como se o PT apoiasse um certo modelo de estado.

Nessa entrevista, FG pergunta se Lula vê o PT adotando algum modelo constituído, de tipo soviético, chinês ou cubano.
Lula - Não, de forma nenhuma. E aliás, nem francês, nem sueco!

ainda:

"é preciso criar condições que nos permitam não depender nem do imperialismo americano nem do imperialismo soviético"

É curioso ainda ver alguns assuntos na ordem do dia:
Lula: Minha posição é que as Malvinas pertencem à Argentina.

O final da entrevista é também revelador.
Guattari agradece e Lula devolve fazendo uma pergunta pragmática:
O partido socialista na França "está colocando em prática o que propunha antes das eleições?"
Guattari fala longamente e Lula continua demandando mais de seu interlocutor.

Uma das últimas palavras de Lula:
"A grande força, a melhor arma do PT é justamente isto - o não dogmatismo."

23 de fev. de 2010

O Globo, Folha e o desespero (post desabafo, envergonhado)

É assustador o tom que as organizações Globo vão assumindo.
Jabor fala de Dilma e do PT com uma violência descabida, faz uma defesa de FHC e incentiva um Flu X Flu entre as partes. Triste.

Miriam Leitão propõe um golpe na Venezuela. Diz que não haverá nada de produtivo na America Latina com Hugo Chavez. Triste, preguiçoso. não se dá ao trabalho de ver o que acontece. A legalização dos quase 50 mil bolivianos que estavam ilegais no Brasil, o final dos confrontos entre Peru e Equador, o respeito às populações indígenas em todo o continente, a integração entre Brasil e Argentina, etc. Miriam é o palanque que Chavez quer. Ela compra o espetáculo.

O Globo Online de hoje repercute a matéria da Folha contra Dirceu. Objetivo? A Globo não pode deixar passar uma ação governamental de Banda Larga. A incapacidade deles de universalizar é evidente. Lembre-se que o Brasil só perde para a Bolivia, proporcionalmente, em número de assinantes de TV a cabo. Pois são eles que querem universalizar a banda larga?
É a velha estratégia. Folha, Globo e adivinhe qual será a capa da Veja?
Desespero no ar. São esses caras que falam em liberdade de imprensa? Essas pessoas que defendem a liberdade para poderem falar e escrever apenas o que patrão quer?
Triste ver pessoas inteligentes defendendo os poderes mais retrógrados e anti-democráticos.

16 de fev. de 2010

Alasca, pré-sal e a renda mínima

O que fazer com o dinheiro do petróleo que entrará com o pré-sal.

Certo, nossos problemas como moradia, educação, transporte, saúde e comunicação são infindáveis, mas talvez o Alaska possa servir de exemplo.

No final dos anos 70 o Alasca torna-se um grande produtor de petróleo e, paralelamente, acontece uma discussão, o que fazer com o dinheiro que o estado recebe?

Em 1980 o governador Jay Rammond aprova a criação de um fundo com 50% dos royalties do petróleo. Em 1982 inicia um pagamento anual de uma renda mínima, fruto dos ganhos com o petróleo, a todo cidadão que habite no Estado do Alasca, há pelo menos um ano. Esta renda não está ligada a nenhuma condição outra que estar vivo.

Ninguém precisa se declarar pobre para ter direito ao que lhe pertence.

Crianças e jovens com menos de 18 anos, eram representados pelos pais e recebiam também suas partes.

Partindo do princípio de que a terra, no caso o petróleo, é um recurso de todos, seus dividendos devem antes serem distribuídos para que cada um decidisse o que fazer com os recursos. Trata-se de um aluguel da terra que é direito de todos.

O valor distribuido não é enorme, variou de 300 a quase dois mil dólares anuais, guardando uma média de mais ou menos 1200 dólares (cálculo em 2006). Para uma família de 5 pessoas, isso significa aproximadamente 900 reais mensais, por família.(ver:Basic income and increasing income inequality in Russia por Alexander Varshavsky)

Em artigos de pessoas que conheceram a realidade - Philippe Van Parijs, Suplicy - não há narrativas que digam que o povo do Alasca estava trabalhando menos por conta da renda mínima recebida anualmente.

Essa renda do petróleo do Alasca representa algo em torno de 7% do PIB, o necessário para garantir que o Alasca tenha a menor taxa de desigualdade de todos os estados americanos.

Desde a instituição desta renda o êxodo do Alasca diminuiu e a taxa de crescimento econômico é maior que a média americana. (ver: LE REVENU INCONDITIONNEL REPONSE AUX OBJECTIONS - Par Jacques Berthillier - octobre 2000)

Ah, mas os ricos não devem receber, dirão alguns.
Todos devem receber, o estado deve gerenciar mas não apontar quem deve ou não ter acesso a esse bem que pertence a todos. Os mais abastados provavelmente terão impostos maiores e uma parte da renda que receberam voltará para o estado.

A universalização impede o populismo e os gastos com a burocracia.

Uma renda-mínima à partir do pré-sal não trará benefícios políticos a longo prazo a ninguém. A renda mínima instituída a partir de um fundo obrigatório não ficará à mercê deste ou daquele governo. Desta ou daquela distribuição de renda.

O petróleo é um bem finito, mas o saber, o conhecimento não. O que hoje pode finaciar uma renda mínima universal para todos os brasileiros ainda é uma energia velha, parte de um capitalismo decadente e insustentável, entretanto, é com esse dinheiro que podemos financiar nossa entrada em outro sistema de produção de riqueza, aqueles ligados capitalismo pós-industrial e cognitivo, ou, como dizia Gorz, no pós-capitalismo.


Referências:
http://www.basicincome.org/bien/papers.html (grande quantidade de artigos apresentados nos congressos do BIEN - Basic Income Earth Network que este ano acontece no Brasil: http://www.bien2010brasil.com/)
Renda básica de Cidadania, Eduardo Suplicy, L&PM Pocket
Renda básica de Cidadania, Yannick Vanderborght e Philippe Van Parijs

15 de fev. de 2010

Cinema Estação, é bom evitar

Dois finais de semana indo aos cinemas do Estação.
Saudades da época em que o Estação tinha interesse por cinema e respeitava o público.
Bastardos Inglórios no Barra Point e o som completamente rachado. Reclamei com o projecionista.
- Não há o que fazer, pode pegar o dinheiro de volta.
Mas o meu tempo, minha gasolina, meu desejo de cinema?
- Meu o que?

Bem,
esse final de semana foi o Fita Branca do Haneke.
Faltavam 2 minutos, eu estava na primeira fila, que fora ficar na reta do ar-condicionado tem uma boa visibilidade, quando o lanterninha abriu a porta de saída na minha frente.
Fora ter agido como montador - ó o desejo de cinema dele ai - avisando que o filme ia acabar. Jogou uma luz na minha frente.
Estragou o final do filme.
Que ódio!
Meu dinheiro de volta, Pedi. só consegui que o gerente me desse o direito de rever o filme.
Sorte que fui a pé, pelo menos a gasolina não vou gastar.

Infantilizar não é tratar o espectador como imbecil

Eduardo Escorel escreve na Folha (domingo 14.02) e diz que Globo Reporter infatiliza o público.
Escorel faz um bom diagnóstico do programa, chama atenção para a prática de transformar tudo em jogo e interacão voyeur, entretanto, tratar o espectador como imbecil é completamente diferente de infantilização.
As crianças são bem mais inteligentes e capazes do que o Globo Reporter, isso é certo.

12 de fev. de 2010

Arruda e o PCC

Claro que é um prazer ver o Arruda preso.
Mas não é sem um forte estranhamento que vejo a polícia prender um governador.
Parece haver muito pouca dúvida sobre o envolvimento do Arruda com a corrupcão, é certo que deveria ser preso. Mas, prender um governador eleito é também uma temeridade. A polícia e a justiça tem mais direitos sobre a liberdade do que a câmara, representante do povo que o elegeu?
Caimos então em uma armadilha. Mesmo preso Arruda deveria ter o direito de continuar governando, uma vez que ele ainda não foi condenado.
Confesso que tenho tanto medo da justiça que prende um governador quanto de um governador corrupto. Ou temos tanta confiança na justiça? ela nunca será usada para retirar do poder alguém por motivos políticos, por exemplo.
Por enquanto resta ao Arruda administrar o DF à moda PCC, com celulares contrabandeados para dentro do presídio.

11 de fev. de 2010

Márcio Utsch - biopoder explícito

Como tenho especial interesse pela retórica em torno do trabalho no mundo contemporâneo, comprei a mais recente revista Época Negócios para ler uma matéria sobre a rotina de trabalho de cinco presidentes de grandes empresas.

Antes de chegar no texto, a primeira imagem da matéria já é extremamente reveladora dessa retórica.
Um dos retratados na matéria é fotografado de costas andando em um corredor em seu lugar de trabalho de mãos dadas com seus dois filhos. No final do corredor uma câmera de vigilância. Como diz o André Brasil, uma imagem dessas dispensa qualquer análise. Já está tudo ali, o lugar vigiado mas que permite a entrada da família, mas, sobretudo a fusão trabalho vida. Como escreveu o outro André, o Gorz, "não há mais fora do trabalho."

A rotina de trabalho que interessa a matéria inclui os filhos, a família, as atividades físicas, o consumo, a ocupação do tempo, a saúde etc. A rotina de trabalho é na verdade a vida."Quando Utsch está à mesa, todo almoço é de trabalho"
Mário Utsch, presidente da Alpargatas aparece na matéria em várias fotos, nas maiores ele aparece 1- em sua corrida matinal, 2 - fazendo embaixadinha 3 - sentado descontraído em uma mesa. Mas, nas corridas ele leva um gravador e grava todas as novas idéias e tudo que lembra que deve fazer. Ao chegar ao escritório entrega o gravador para a secretária deve ouvir e anotar as idéias que aparecem em meio à respiração ofegante.

Outro ponto curioso que impressiona o jornalista é uma reunião de Utsch com um dirigente de um clube de futebol. O presidente e os diretores não querem tomar nenhuma decisão naquele momento. "Tensão? Ao contrário. A reunião dura quase uma hora de incontáveis gargalhadas. E termina conforme o previsto, sem um acordo."

A vida se tornou, na retórica e na prática do trabalho contemporâneo, o que há para ser incorporado e modulado pelo capital, longe das práticas disciplinares. Já sabemos isso há uns 40 anos, mas, mais do que nunca essa prática se naturalizou. Tal modulação e controle encontra em uma frase de Utsch uma pérola dessa retórica que não dispensa uma boa dose de cinismo e que diverte o jornalista. "Motivação? É manter a galinha viva, a raposa com fome e o galinheiro aberto"

3 de fev. de 2010

Audiovisual e Trabalho Imaterial

Precisamos pensar uma renda mínima para jovens produtores de audiovisual recém saídos das universidades.

Finaciar o cinema hoje é financiar a vida de quem produz e não os filmes (apenas).

Temos visto em festivais uma grande quantidade de filmes; curtas, longas, documentários, animação e ficção produzidos com orçamento zero.

Câmeras, microfones e ilhas de edição estão ao alcance de todos que freqüentam universidades e escolas de audiovisual.

A exibição é garantida em festivas quase diários, internet e TVs universitárias e públicas.

O custa da produção tende a zero, em muitos casos. O da distribuição também.

O que leva tantos jovens a pararem de produzir quando saem das escolas e universidades é a necessidade de ganhar 1.500 ou dois mil reais mensais e não a impossibilidade de terem seus filmes patrocinados.

Os filmes deixam de ser feitos pela necessidade de arranjar um trabalho, freqüentemente distante da criação.

Estes jovens não esperam que seus filmes sejam patrocinados, não querem apresentar projetos em editais, não querem encaixar suas produções nos moldes que o mercado demanda.

O problema contemporâneo é que já sabemos que não haverá emprego para todos. Essa é a lógica de um capitalismo industrial.

Garantir a produção audiovisual de centenas de realizadores é uma decisão ecológica.

No capitalismo contemporâneo o trabalho se separou do emprego.

A inclusão social pelo emprego acabou com o fim da hegemonia do capitalismo fordista.

É tarefa do estado liberar as potências criativas - nem moldar, nem modelar - mesmo que estas potências se voltem contra o estado.

Produzir cinema e arte é produzir novos mundo ainda não imagináveis.

Os números:

Se a cada ano forem oferecidas 1000 bolsas mensais de 2000 reais para jovens realizadores durante um ano chegamos ao seguinte número:

1000 X R$ 2000,00 x 12 (meses)= R$24.000.000,00

Uma revolução no audiovisual brasileiro custa o equivalente a dois longas brasileiros de grande orçamento!
Ao trabalho.


ps. Essas idéias foram aventadas em reunião da Universidade Federal Fluminense para a preparação do Forcine ( FÓRUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL). Presentes na Reunião: Prof. João Leocádio. Profa. Elianne Ivo, Profa. Aida Marques, Profa. India Mara Martins, Profa. eliany Salvatierra e Profa. Luciana Rodrigues.