30 de jun. de 2013

Nossas Ferramentas para pensar as manifestações


Manifestação dessa manha no Rio foi como os bem pensantes de esquerda queriam.
Bandeiras, partidos, pessoas engajadas, vazia e inócua.
ou a política se inventa ou é destruída.
 
por que? me perguntaram alguns
Respondo:
Depois da belíssima vitória, fica mais fácil.

O que me chamou muito a atenção nas duas manifestações da semana passada foi justamente um certo mistério em relação às causas e aos meios que levaram aquela multidão ao centro do Rio.

Nos dois momentos fui absolutamente surpreendido com a quantidade de gente.
Ao meu ver havia uma novidade ali que não era explicável pelo o que conhecíamos dos movimentos e dos poderes estabelecidos.
Todas as tentativas de explicar o que acontecia a partir de causas e efeitos ou a partir de pautas moralizantes, como a corrupção, não davam conta  do que se passava.

Curiosamente, as demandas de muitos foram no sentido de exigir mais engajamento, mais politização partidária, mais discursos coesos, mais centralidade. Obviamente era um absurdo qualquer ato de violência contra as pessoas com bandeiras de partido, mas algumas bandeiras e um carro de som também me incomodavam na primeira grande manifestação.

No meu entender, as  demandas por coesão e unidade ideológica apareciam com um caráter bastante conservador, uma vez que não aceitavam a novidade mesmo do que acontecia.
Na manifestação de quinta, no Rio, a multidão era formada por jovens que sem um discurso de esquerda explícito reclamavam da elitização da Copa e pediam uma democratização dos transportes, além de serviços públicos de qualidade. Esse pessoal constituía uma verdadeira novidade na paisagem política, sobretudo na quinta quando a multidão se popularizou enormemente.
Como sabemos, essa segunda manifestação foi brutalmente perseguida pela polícia.
Pois o que aconteceu hoje pela manhã?
Primeiramente, me parece que a estratégia da violência policial funcionou para os organizadores da Copa. Muitos sentiram medo de irem para as rua hoje.

Mas, fora o medo, nessa manifestação da manhã não havia novidade alguma.
Os grupos organizados que conhecemos estavam lá com suas justas causas. O vermelho estava novamente na rua, as palavras de ordem tradicionais, das mais nobres às mais patéticas.
Por mais que me sinta próximo da maioria dos que hoje andaram da Praça Saens Peña ao Maracaña, a novidade não estava lá. O que vimos era o óbvio. Tudo era compreensível e previsível.

Se o que era claro nas outras manifestações era a existência de um processo político que se fazia na própria manifestação, a caminhada de hoje foi apenas a confirmação das mesmas forças de esquerda de sempre.

Em resumo. A manifestação era vazia porque havia muito pouca gente.
A manifestação era inócua pois, sem invenção, com essas forças políticas e com essa organização, os poderes já sabem exatamente como lidar.

Evidentemente que não vai aqui nenhuma negação da necessária institucionalização dos processos políticos, mas talvez nossas ferramentas intelectuais e de organização, estejam aquém do que se apresenta hoje.

28 de jun. de 2013

As manifestãções - nova sociabilidade


Nas atuais manifestações, além do evidente descompasso entre os processos produtivos e os processos subjetivos, como comentávamos em um outro post, há o próprio lugar da manifestação.

Quando nos perguntamos o que querem os que manifestam ou quando lemos que há demandas demais, o que está colocado é que as manifestações devem ser o ponto final de uma elaboração política. Ou seja, as pessoas devem pensar exatamente o que querem antes de ir para a rua. Pois, não é isso que vemos: as ruas são ocupadas para que elas se tornem o lugar da sociabilidade. A manifestação, diferentemente do Fora Collor ou das Diretas, se constitui muito mais como um espaço em que uma inquietude em relação aos futuros possíveis se expressa.

Se concordamos com esse gap entre as formas de vida aceitáveis e as formas de vida desejáveis, faz todo sentido que as demandas sejam enormes, uma vez que é próprio a todo processo subjetivo um agenciamento de muitas ideias, forças, desejos.

A cada vez que perguntarmos para os que caminham em direção aos estádios o que eles desejam, deveríamos antes perceber que o que importa é que eles estão na rua e na frente dos estádios. Isso diz muito.

Mas, mesmo assim, as pautas são necessárias.
A do transporte tornou-se massiva. Por que? Porque os pobres querem consumir transporte como os ricos, poderíamos dizer. Me parece pouco.

Temos exercitado nosso preconceito de classe dizendo que os pobres querem apenas mais e mais consumo.
Pois o transporte está diretamente ligado aos processos subjetivos.
Todos querem o direito de ir, não sabemos para onde nem por quais motivos.

Para o capital, o estado autoritário e a grande mídia, isso é horrível! Eles descobrem que além de consumidores existem sujeitos.

27 de jun. de 2013

A falsa dicotomia das manifestações

Essas são as dicas do capitão da PM de Minas antes do jogo do Brasil. http://www.youtube.com/watch?v=rSdzyhcb-I4&feature=youtu.be

Diante dessa fala o Diego Migliorin foi preciso: “ele quer que os manifestantes sejam tão turistas quantos os estrangeiros que vem para a Copa”.

Essa percepção reforça a narrativa “pessoas de bem X vândalos”, como se houvesse duas manifestações. Não há. Não há de uma lado os que tem demandas específicas e são a favor da Copa e de outro os loucos irresponsáveis. Nas imagens de BH, um grupo de umas duzentas pessoas enfrentava a polícia e atrás deles milhares de outras as protegiam, por exemplo.
http://www.youtube.com/watch?v=_p3DvkDsicM

A tentativa de organizar esteticamente as manifestações em dois lados apenas reforça a necessidade daqueles que não desejam o embate por princípio se juntarem aos que forçam passagem pela polícia, nem que seja para se diferenciarem da “alegria das ruas” e da “festa da democracia”.

Um descompasso entre os processos subjetivos e o sucesso do capital.

Na semana passada eu dizia que havia uma mal estar que atravessava grande parte dos manifestantes, ligado a uma sensação de que, mesmo depois de todos os ganhos do governo Lula, o acesso às possibilidades da cidade, da cultura, do tempo livre, etc, continuava sendo uma prerrogativa dos ricos.

Por não vivermos em uma sociedade de riquezas coletivas, ela continuava tendo que ser individualizada.

A Tatiana Roque, inspirada pelo Lazzarato, escreveu: As manifestações no Brasil mostram que a crise não é econômica. há crise quando se intensifica o descompasso entre o modelo produtivo e a produção de subjetividade.

Pois talvez esse seja um bom resumo do que vivemos:

Um descompasso entre os processos subjetivos e o sucesso do capital.

Nesse sentido, a Copa é exemplar. Ela materializa o sucesso do país no capitalismo global e o fracasso das aspirações subjetivas frente a esse sucesso. Esse choque concretiza a crise.

A Copa é ainda exemplar pois ela marca uma radical aproximação entre os interesses privados e estado. Não é por acaso que a grande mídia e a direita estão constantemente tirando o foco da copa para recolocar sobre os “políticos”.

Se as manifestações estão ligadas a uma crise do modelo produtivo, é fundamental que o estado não seja o alvo exclusivo daquilo que oprime o que podemos.

23 de jun. de 2013

os jovens e os pobres

Minha geração possui a memória das diretas já e do impeachment do Collor como grandes movimentos populares em que participamos, os atuais acontecimentos trazem uma marca singular: não somos mais os protagonistas.
Claro, vamos às manifestações, discutimos com amigos, organizamos encontros nas universidades, podemos ter um papel ainda importante, mas não somos os protagonistas.

Talvez esse “outro lugar” configure uma das dificuldades de pensarmos o que acontece. Se colocarmos nos jovens protagonistas - muitos deles pobres - as mesmas perspectivas que valeram para o nosso engajamento, não entenderemos nada.

Assim, o vermelho e a bandeira brasileira, por exemplo, ganharam outros sentidos. Não posso abandonar o sentido que esses símbolos tiveram para nós, mas não posso julgar a partir de uma perspectiva reacionária, de quem só vê esquerda quando tudo está vermelho, ou só vê lutas legítimas feitas por iguais.

A critica à forma da copa organizar a cidade, o passe livre, a rejeição do conservadorismo evangélico representado pelo Feliciano, foram bandeiras fortes nas manifestações e essa bandeiras são agregadoras de jovens que não necessariamente se identificam com um projeto tradicional de esquerda.

Com diversas bandeiras, estão à beira dos estádios/bunkers. Isso diz muito.

Pode até ser que os milhões de jovens que estão nas manifestações não nos digam exatamente porque estão ocupando as ruas e enfrentando a polícia, mas certamente eles sabem/sentem.

22 de jun. de 2013

Riqueza compulsória


A fala da presidenta tem uma aproximação com o tom da grande mídia que me parece relevante destacar.
Lamenta-se os protestos em relação à inserção do Brasil no cenário mundial.
Tudo vinha tão bem.... A Copa apareceria como um coroamento de uma trajetória que colocou o Brasil como um “player” central nas questões globais. E, logo agora, essas manifestações.

Os protestos precisa ser pensados não apenas como um problema na inserção em uma ordem vigente, regida por agencias de risco e padrões homogeneizantes de estádios de futebol, mas como problematização dessa ordem.

As manifestações não ocorrem porque o projeto desenvolvimentista e centrado no consumo industrial não deu certo, mas porque não é o projeto adequado. Ou, se foi durante dez anos, ele parece ter chegado ao limite. Nesse sentido, o Brasil assume efetivamente um protagonismo, questionando o projeto que o mundo admira. Os índios e a nossa imobilidade urbana testemunham os desdobramentos desse projeto. As agências de risco não incluem o risco de ser Guarani-Kaiowa.

Dilma pede que recebamos bem nossos convidados, mas como, se não fomos convidados para a festa? O Brasil é um detalhe para a Copa.
As manifestações dão um limite para a FIFA, símbolo da forma como fomos alijados do que nos pertence, o futebol.

No projeto de inclusão no consumo, estamos entendendo que para alcançar um patamar relevante de cidadania com cultura, educação, futebol e tempo livre é preciso ser rico.

Minha pauta – já que tantas são possíveis - : eu não quero que meus filhos sejam obrigados a serem ricos.

21 de jun. de 2013

por uma agenda libertária e inclusiva

Encontro uma amiga na rua e ela me pergunta se fui à manifestação de ontem. Digo que sim. Ela reage:
Foi fascista né?
A polícia?
Não, as manifestações, cartazes, etc.
Não! De forma alguma!
Fiquei impressionado com o imaginário que se criou sobre o que aconteceu ontem.

Alguns breves comentários: A pauta de reivindicações era enorme, mas havia uma agenda de esquerda que predominava: crítica à Copa, pelos serviços públicos de qualidade e contra o Governador, jamais contra a Dilma. No meio disso, bandeiras do Brasil e o hino, elementos que minha geração estranha em uma manifestação de esquerda, mas que também cantamos nas diretas.

A manifestação de quinta foi muita mais popular que a de terça e talvez menos engajada. Mas, me parece impossível pedir para jovens que cresceram com o PT no poder estejam nas ruas com uma agenda que não questione o poder vigente.

Na verdade, pautar o discurso das manifestações pela questão eleitoral é um equívoco. É isso que o capital, o PT e o PSDB desejam.

Obviamente brigo pela institucionalidade de todos os processos, mas uma manifestação que começou com a questão do transporte não pode eximir um governo que nos últimos 10 anos fez maciços investimentos na indústria automobilística.

Que tenhamos força para uma agenda propositiva, alegre e libertária, mas que não afaste das ruas os que não pensam exatamente como nós.

20 de jun. de 2013

As manifestações e a Copa

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                   Pelo o que vemos nas manifestações, nos gritos e cartazes, parece evidente a conexão entre esses atos e a Copa do Mundo, representada, nesses dias, pela Copa das Confederações. Essa conexão é cotidianamente obliterada da grande mídia. Eu arriscaria dizer que tudo isso acontece agora por conta da Copa em curso. Entretanto, seria singelo achar que se trata apenas de uma revolta com os gastos ou com a eventual corrupção que pode ter acontecido em algumas das obras.
                   Me parece que o modo como a Copa se configurou no país explicita questões políticas e sociais muito mais graves. De alguma forma a Copa se tornou o símbolo de um país que apesar de todas as melhoras dos últimos anos, não resolveu um problema fundamental que pode se expressar assim: para se ter direito à cidade, para se ter serviços públicos de qualidade, moradia, educação ou para poder ir ao jogo que sempre frequentamos, é preciso ser rico, é preciso pertencer a uma elite.
                   O futebol, uma marca constituinte do país, foi furtada daqueles que o apreciam e entregue como moeda de troca para o espetáculo, para a especulação imobiliária e para o comércio que cobra 12 reais a cerveja no interior do estádio. Para se ter direito ao que nos constitui é preciso ser rico. É isso que há muitos meses nós escutamos em todos os lados.
                   A multidão que está nas ruas não está respirando gás lacrimogêneo para poder ir ao estádio, mas é como se a Copa explicitasse o modo de operação de todo o estado associado ao capital e à grande mídia. O preço da passagem e a Copa materializam a forma como a população foi alijada do que lhes pertence, o forma como há uma desconexão entre consumo de bens básicos e participação efetiva no que constitui a elite: tempo, lazer, saúde, entretenimento.
                   É curioso que tudo isso aconteça sem que o Brasil esteja propriamente em uma crise econômica, deixando claro que o que provoca uma revolta não é uma crise, mas a política, a forma como alguns são excluídos. Ou como, apesar de incluídos em alguns consumos, fazem parte de um país que produz constantemente novas exclusões.
                   A Copa, de espetáculo virou metáfora.