3 de fev. de 2010

Audiovisual e Trabalho Imaterial

Precisamos pensar uma renda mínima para jovens produtores de audiovisual recém saídos das universidades.

Finaciar o cinema hoje é financiar a vida de quem produz e não os filmes (apenas).

Temos visto em festivais uma grande quantidade de filmes; curtas, longas, documentários, animação e ficção produzidos com orçamento zero.

Câmeras, microfones e ilhas de edição estão ao alcance de todos que freqüentam universidades e escolas de audiovisual.

A exibição é garantida em festivas quase diários, internet e TVs universitárias e públicas.

O custa da produção tende a zero, em muitos casos. O da distribuição também.

O que leva tantos jovens a pararem de produzir quando saem das escolas e universidades é a necessidade de ganhar 1.500 ou dois mil reais mensais e não a impossibilidade de terem seus filmes patrocinados.

Os filmes deixam de ser feitos pela necessidade de arranjar um trabalho, freqüentemente distante da criação.

Estes jovens não esperam que seus filmes sejam patrocinados, não querem apresentar projetos em editais, não querem encaixar suas produções nos moldes que o mercado demanda.

O problema contemporâneo é que já sabemos que não haverá emprego para todos. Essa é a lógica de um capitalismo industrial.

Garantir a produção audiovisual de centenas de realizadores é uma decisão ecológica.

No capitalismo contemporâneo o trabalho se separou do emprego.

A inclusão social pelo emprego acabou com o fim da hegemonia do capitalismo fordista.

É tarefa do estado liberar as potências criativas - nem moldar, nem modelar - mesmo que estas potências se voltem contra o estado.

Produzir cinema e arte é produzir novos mundo ainda não imagináveis.

Os números:

Se a cada ano forem oferecidas 1000 bolsas mensais de 2000 reais para jovens realizadores durante um ano chegamos ao seguinte número:

1000 X R$ 2000,00 x 12 (meses)= R$24.000.000,00

Uma revolução no audiovisual brasileiro custa o equivalente a dois longas brasileiros de grande orçamento!
Ao trabalho.


ps. Essas idéias foram aventadas em reunião da Universidade Federal Fluminense para a preparação do Forcine ( FÓRUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL). Presentes na Reunião: Prof. João Leocádio. Profa. Elianne Ivo, Profa. Aida Marques, Profa. India Mara Martins, Profa. eliany Salvatierra e Profa. Luciana Rodrigues.

17 comentários:

Bernardo disse...

Faz sentido. Ainda assim, vc está pensando em realizadores que já tem acesso a algum equipamento, além de estar pensando em um tipo de produção e de filme bem específicos. Se esses filmes menores (em termos de produção) se mostrarem um bom desenvolvimento artístico e profissional para os filmes maiores, aí eu acho que a idéia se torna melhor ainda. Isso porque ela somaria a boa produção que teríamos de um determinado tipo de filme, com uma formação de todo um grupo de cineastas capazes de tomar rumos iguais ou diferentes nas suas carreiras, só que com um "savoir-faire" maior. De qualquer forma, acho que essa mesma diretriz de incentivo a produção devia ser levada para o âmbito universitário. N o acesso ao equipamento e o "tempo livre" são mais democráticos.

Migliorin disse...

É isso Bernardo.Vamos pensar nisso juntos.
Temos que pensar outra forma de o estado fomentar a inserção social desses jovens. Um desafio no momento em que no emprego não é mais essa garantia.

Anônimo disse...

Perdoem-me, mas discordo totalmente. (E não quero fazer guerrilha aqui, só vou mostrar meu ponto de vista, na paz e com civilidade, ok?)
Isso só vai aumentar ainda mais a dependência da sétima arte do patrocínio governamental.
O Estado não existe para financiar uma classe específica que encontra problemas de absorção. Se o problema é emprego, devemos brigar por nosso espaço no mercado, não no governo.
Talvez fosse a hora de repensarmos ou nossa estratégia de produção (há quem ganhe dinheiro com cinema, por que esse alguém não somos nós?) ou "perverter" o mercado que nos expulsa (criando demanda, chamando o governo para incentivar a criação de salas de cinema, por exemplo, criar festivais espalhados pelo interior do Brasil, para "criar dependência" num público que nem sabe como aparenta um filme numa tela maior que a da TV). Se queremos ter um trabalho digno, como qualquer outro que trabalha e ganha R$ 1500, R$ 2mil (vamos pensar mais alto, até mais que R$ 4 mil), temos que perder essa visão paternalista do Estado. A grana rola é no mercado, então é pra lá que a gnt tem que ir.
Quanto a questão de "não aceitarem meu filme autoral", isso é assunto pra outro post, rs.
Espero que tenham entendido meu ponto de vista. Na paz, please. :)

Migliorin disse...

Claro que é na paz, meu caro Anônimo.
Meu ponto de discordância contigo é o seguinte:
1 - O Mercado não incorpora todos. Nem pode. Na época em que o crescimento econômico de um país estava atrelado ao emprego de mais e mais pessoas, talvez essa associação fosse possível, mas não é o caso hoje.
A participação na comunidade não pode depender do emprego se não nosso capitalismo será uma fábrica ainda maior de exclusão.

2 - Não estamos falando em "grana”, mas de um pagamento social por algo que o cidadão está produzindo e não é parte da lógica do mercado. Algo semelhante poderia ser pensado para jornalistas blogueiros. Trata-se de uma renda mínima para manter um a produção de grande interesse para a coletividade.

3 - Você imagina trabalho mais digno do que se dedicar em tempo integral a uma produção e uma reflexão audiovisual? O que é mais digno? Ter um emprego na edição das falas do Diogo Mainardi para o GNT, ou fazer a fotografia do Sexy Hot, ou, pior, fazer um estágio no JN.
Dignidade, no meu entender, é assumirmos a responsabilidade pelas potências criativas dos jovens que formamos.

4 - Já que não é todo e qualquer cidadão que pode receber os 2000 mil reais mensais uma vez que não há dinheiro para tal, teremos que fazer escolhas, identificar onde a coletividade está perdendo mais ao não ajudar este ou aquele grupo.
O Bolsa família é parte dessa escolha. Até chegarmos a totalidade da sociedade, provendo o mínimo, escolhemos os mais pobres.

5 - Meu caro, obrigado pelo teu comentário, instigante e necessário,
Meu abraço
Cezar Migliorin

André Brasil disse...

genial,
aqui em bhz, havia um salão de artes, no Museu da Pampulha. O salão - que era aquela história de premiação e especulação e bajulação decadente - foi transformado em uma bolsa. O prêmio, que ia para um ou outro, foi dividido em bolsas de um ano, distribuídas a vários artistas. o mais legal é que a bolsa era aberta a artistas do Brasil todo, com a contrapartida de que eles viessem morar na cidade um tempo, convivendo e trocando idéias com os demais.
muito bom voltar a ler seu blog. é como vento forte no rosto.
abs

Migliorin disse...

é como vento forte no rosto é o mais belo elogio que oo blog poderia receber!

Muito bom lembrar da Bolsa Pampulha. Conhecemos alguns casos de artistas que tiveram um enorme crescimento com o ano passado em BH.

Talvez fosse o caso de essa bolsa estar vinculada a instituições como Universidades, Arquivo Nacional, Inhotin, CCBB, etc.

O Forcine será entre 11 e 13 de Março. Vamos convidar o Cocco para a mesa de abertura.

Ilana Feldman disse...

Fundamental essa discussão, Cezar, mas por que não pensarmos em uma 'renda mínima' para a produção intelectual (o mais imaterial dos trabalhos) sobre o audiovisual também? Algo que estimule a pesquisa, a investigação crítica e uma produção mais ensaística fora dos critérios acadêmicos, ou a conciliação de uma produção teórica com uma produção prática. Se não estou enganada, hoje não existe nenhum tipo de fomento nesse sentido (como no passado havia a Bolsa Vitae, mas em outro patamar). Recentemente o MINC criou um prêmio para monografias sobre cinema e audiovisual brasileiro, mas o prêmio, nacional, contemplava apenas uma única! Ridículo. Iniciativas assim não tem nenhum impacto, a não ser comno marketing governamental. É isso, só há política pública com duração e continuidade. O resto, bem, o resto é publicidade.

Fábio Andrade disse...

No "Estética da Contradição", o João Ricardo Moderno defende que esse é um problema de natureza da atividade: o artista oferece algo ao mundo que não é financeiramente precisável, e que tem um valor de outra ordem (uma certa "finalidade sem fim"), mas ao mesmo tempo ele precisa sobreviver em uma sociedade que não absorve essa ordem a-econômica, digamos assim.

É uma contradição da própria atividade artística dentro do mundo, porque são naturezas conflitantes mesmo, e acho que o mesmo se pode dizer da produção intelectual - ou o sujeito vai pra academia, ou vira filósofo de boutique. Acho esta discussão central, Cezar, fico feliz de vê-la produtiva por aqui.

Migliorin disse...

ótimo!
Radicalização da proposta.
Renda mínima para produção intelectual.

Em relação aos universitários, o que fiquei imaginando é que se eles comprovam alguma produção - filmes, blogs, críticas, clips, etc - durante a faculdade, eles poderiam pleitear essa renda mínima para os dois primeiros anos após a formatura.

Acho que podemos sair do Forcine com uma proposta oficial.
Estamos pensando um Grupo de Trabalho justamente para pensar esses dois primeiros anos.

O prêmio do MINC é absolutamente ridículo. Você esqueceu de dizer que qualquer tese ou dissertação escrita nos últimos dez anos podia concorrer.

O Forcine será entre 11 e 13 de Março, na UFF.

Migliorin disse...

Valeu Fabio,

Acho que nos cabe articular esse debate.
Me parece que estamos construindo as condições políticas necessárias para pensarmos e propormos tais ações.
abs

philippe.fcm disse...

Estou nos números referente aos pós-diplomados-sem-emprego-no-meio. É difícil, as vezes penso estar diante de um eterno retorno e isso dói. E por conta disso, poss estar tomando um lado dissonante abaixo:

Creio eu, há uma consolidação dos diversos meios artísticos/expressivos(provinda da minha crença de "prática sempre adiante do discurso") se formando em diversos meios de comunicação, apesar de ser extremamente difícil uma visualização precisa. Bem: Youtube está alugando filmes, do festival de Sundance se não me engano, e está usando isso como um piloto para os majors. Ok, pode ser um exemplo ruim por não agregar os iniciantes de fato, mas e quanto ao caseiro/independente com o industrial/não-governamental?
Tem esse novo site, http://zappiens.br/, que diz ser referente a valores culturais etc. Festivais, tvs alternativas... Enfim, é possível analisar essa situação de mercado toda e ver que há espaço para os filmes serem "consumidos". Mesmo que os exemplos já existentes tenham o fim de separar/categorizar a experiência/nome/carreira dos diversos realizadores, e até restringir, é legal pensar que o audiovisual não conseguiu ainda um espaço de importância como foi o Myspace para a música na decáda 00, que lançou muitos músicos que iniciarão a próxima década desfrutando de situações prazerosas tanto criativamente quanto financeiramente, dentro e fora dos moldes.

Ok. A questão toda que eu queria jogar, além do já jogado, é sobre o quão sustentável pode ser um trabalho deste iniciante em questão? Aliás, neste momento, me ocorre o filme "ação e dispersão" (ahahahahaha, sempre me fascinou o curta): Quantos poderiam se aproveitar de situações, de certa forma, análogas apenas para o próprio bem? Como julgar isso, exatamente?
E quanto idéia de criar um novo quesito a ser cobrado pelo RH em uma vaga para o cargo de fotógrafo do Sexyhot?

Outra pergunta que me ocorreu, bobeira, mas os valores citados pelo Cézar já estão fora da isenção de imposto de Renda, que vaiu até R$ 1.499,15. Hahahah, há uma alíquota bumerangue aí.

Desculpa a negatividade, mas queria entender o que vocês pensam sobre isso.

OBS: Te vi correndo este último dia 03, te chamei, lembrei das aulas (Arthur Omar, "Rua de mão Dupla" entre outras discussões) e achei este Blog. Incrível, assim como o 7 minutos. Aliás, respondendo: -Tudo beleza sim!!

Julio Ludemir disse...

não à toa esse é o post com mais comentário, pelo menos entre os mais recentes. só discordo da exclusão dos velhos interessados em cinema, como eu, que produziria mais roteiros se tivesse essa grana garantida na minha conta todo mês. também que faria mais livros se dispusesse de uma bolsa similar.

Frederico disse...

Essa é uma boa pauta para o Movimento Estudantil dos cursos de cinema e audiovisual. Só falta a
dotação orçamentária, porque estrutura administrativa, acadêmica e
cultural o MINC e o CNPQ já tem.

Migliorin disse...

Julio,
tem todas razão.

Acredito cada vez mais que a melhor maneira de o estado administrar o excesso do capitalismo contemporâneo é através da liberação da criação de grupos e indivíduos.

Tudo isso passa por um projeto de renda mínima que o Brasil já tem aprovado, mas que é atrelado a uma "vontade" do executivo.

Financiar a produção intelectual, não necessariamente atrelada ao mercado ou a universidade é fundamental.

Em 20 ou 30 anos será risível imaginar que um escritor de grande talento ou vende milhares e milhares - o que não é o caso da esmagadora maioria - ou precisa de outra fonte de renda - o caso da maioria.

Enfrentar os poderes retrógrados que acusam as bolsas de assistencialismo é também nossa tarefa né?

Migliorin disse...

Frederico,

V. é ligado a algum movimento estudantil?
V. tem toda razão, essa é tarefa dos movimentos, vamos pensar juntos.
Partir para a ação.

Volto a lembrar que o Forcine será entre 11 e 13 de Março na UFF. Teremos um grupo de trabalho discutindo essa questão.

"Como pensar a vida do egresso nos dois anos posteriores à formatura?"

Julio Ludemir disse...

as vezes eu penso que o mercado tem mais importancia que nos admitimos. mas e isso ai: o mundo nao pode estar restrito ao mercado. em algum momento essa producao-pela-necessidade-que-as-pessoas-tem-de-produzir pode chegar ao mercado. mas toda producao que pensa no mercado antes de mais nada tende a virar lixo. o mercado, mesmo quando e bom, tem pela sua natureza um monte de lixo. exterminador do futuro e mercado. mas para cada exterminador do futuro, que eu amo independentemente de ele ser mercado, implica milhares de trashs. mas produzir sem a preocupacao com a compreensao do outro, um risco dessas bolsas, pode ser masturbatorio. enfim, papo para muitas cervejas. vc sabe que eu nao bebo, mas mesmo assim sei bater papo de longas cervejas.

luanda disse...

Olá Cezar
Meu nome é luanda e trabalho na produção do programa sala de cinema do sesctv e gostaría de enviar um email para convida-lo para dar um depoimento sobre o montador Mair Tavares. Você pode passar seu email para enviar o convite?
Muito Obrigada
Luanda