28 de nov. de 2012

Secretária de Cultura do Rio de Janeiro

O novo secretário de cultura do Rio de Janeiro expressa não apenas uma lógica da cultura, mas de todo o governo da atual prefeitura do Rio.

Existe a cidade e as vidas que dão lucro de um lado e os dos "marinheiros de primeira viajem" de outro. Para as primeiras, aquelas que já estão inseridas, que já fazem parte do mercado, o estado organiza e fomenta o lucro; para os amadores, incompetentes e de

sligados do mercado, vale a burocracia, a distância do estado, "os critérios subjetivos", as regras rígidas.

Não há mais nada para esconder, esse é o terror de um governo que faz do fomento à desigualdade uma política de estado.

Somos todos crackeiros.

http://oglobo.globo.com/cultura/quero-uma-cultura-lucrativa-diz-novo-secretario-municipal-6825875

8 de nov. de 2012

o território dos poderes

Crack

Garantir um território é a primeira coisa a se fazer para se exercer um poder.
É na construção de um território que os poderes se estabelecem, que traçam fronteiras, que excluem estrangeiros. Sem território não há autoridade. O estado e o capital estão sempre construindo novos e maiores territórios, cada vez mais amplos, cada vez mais totalizantes.

Mas, nesses largos braços dos territórios dominantes, à muitos sujeitos e comunidade são reservadas a mera exclusão, o encarceramento, a eliminação. No território que esses poderes tracejam, alguns não tem lugar e para eles é reservado a polícia travestida de assistência social e, para isso, o jornalismo tem papel fundamental.

Em resumo: na construção do território feita pelos poderes centrais delimita-se uma fronteira em que alguns não tem lugar e desse território é preciso eliminá-los.
No Rio de Janeiro hoje, esse "alguns", esses "sujeitos quaisquer",são os usuários de crack. Eles se tornaram o paradigma daqueles que devem ser eliminados, mas antes, se tornam essenciais para que o estado e o capital não parem de reforçar o seu direito de fazer território, de eliminar e de excluir.

Ver matéria da Globo
https://www.youtube.com/watch?v=8Yp0iAD2HYI

Impressiona a habilidade, velocidade e destreza dos sujeitos em fuga.

30 de set. de 2012

Modulação da vida, possíveis da arte

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Modulação da vida, possíveis da arte
Por Cezar Migliorin

(artigo publicado no Catálogo da Exposição Era Uma vez. Patrocinada pela OI com curadoria de Elianne Ivo e Pascalle Pronnier)

            Costumamos nos perguntar que cidade desejamos, que cidades os homens produzem, que ordens, que organizações, que partilhas? De um lado algo móvel, modelável – a cidade - de outro os homens, a cultura, o capitalismo, o poder público, as grandes obras, a desordem, a banca de jornal e a arte urbana. A cidade aparece assim como algo a ser escrito por múltiplas forças – leis, estéticas, circulação de dinheiro e pessoas. Entretanto, poderíamos fazer um exercício e inverter a questão central. No lugar de perguntar que cidades produzimos ou que cidades desejamos, poderíamos formular assim: como somos produzimos pela cidade? Quem são os humanos que as cidades desejam?
            Tal deslocamento já reconfiguraria a reflexão sobre a relação sujeito/cidade. Entretanto, esse deslocamento não esvazia a sua base metodológica que coloca a cidade de um lado e o sujeito de outro, como se um fosse massa modelável e o outro modelador. Pois, para levarmos adiante nossas considerações sobre a cidade e a arte precisamos partir de um interesse bastante específico, ou seja, as passagens entre a cidade e os humanos. Reside ai, no ir e vir entre um e outro, a verdade da cidade.

*

            Como laboratório, as cidades atravessaram um século de utopias. Desde as nossas; modernas, ordenadoras, até aquelas pautadas pela experiências de encontros e perturbações das ordens subjetivas, como na teoria da deriva, de Guy Debord, em que os pessoas e grupos são incitadas a largar seus trabalhos e lazeres para produzirem outras circulações, forjando novas experiências de território. O que mais tarde seria encapado pela arte relacional estava esboçado pelo projeto de cidade pensado pelos situacionistas. Na deriva, o acaso é importante, mas o gesto de entrada e saída de zonas psicogeográficas  - como chamava Debord - é o movimento decisivo. Para isso, a circulação efetivava um mapeamento das possíveis trajetórias entre diferentes meio ambientes em uma cidade. A utopia situacionista dos anos 50 tratava antes de uma desfuncionalização e de uma desmodelização das cidades e tal gesto só era possível à partir de uma circulação entre sujeitos e grupos. Tratava-se de um ideal de cidade que por conta de suas transformações constantes, de seus amplos e grandes espaços de convivência seria, em si, a possibilidade de intensas situações, mudanças e comunicações acentradas. Artes e técnicas teriam papel central na “na construção integral de um meio em conexão dinâmica com as experiências de comportamento” (Debord) Em grande parte, é a utopia situacionista que ainda sustenta boa parte de nosso sonho de cidade. Esse ir e vir entre formas de habitar e formas de vida mediadas por uma criação constante.
            Entretanto, esta oposição entre uma cidade disciplinada e fruto de um projeto racional com espaços funcionalizados e uma cidade aberta ao descontrole das ruas parece ter sido bastante alterada no atual estágio da relação cidade/vida/capital, trazendo outros desafios para as artes e interferências urbanas e para todos que pautam a invenção da cidade pela relação criativa com os indivíduos. Em outros termos, diria que a especificidade da disputa urbana hoje passa, em grande medida, pelo banal, pela vida ordinária, pelas invenções que aparecem no descontrole cotidiano, sem que a potência dos encontros não programados se configure como garantia de um habitar mais democrático em que todos os modos de vida participem e produzam a cidade.

*

           As armas do capital são claras, trata-se de tornar os modos de vida consumíveis e os espaços públicos cenários. Da mulher brasileira aos novos museus em portos renovados, o habitante é divido em duas categorias; aqueles que decoram a cidade – vendedores nas praias, torcedores nos estádios, capoeiristas no centro -  e a massa que consome e é espectadora do povo e da cidade que se escreve com ele.
            Estranho paradoxo. Por um lado são as pessoas e suas formas de vida que alimentam o imaginário da cidade, ao mesmo tempo são elas mesmas que são consumíveis. Trata-se de uma tensão, entre liberdade e controle, entre criação e captura que dialetiza a própria vida tornando-a o que há de mais valioso e de mais incômodo aos poderes que vêm a cidade como espaço de realização de ganhos (monetários, simbólicos, eleitorais).
            Recentemente, com a proximidade dos megaeventos, a Prefeitura da Cidade produziu um vídeo (http://www.videolog.tv/RioFilme/videos/603112) em que a cidade é o produto a ser vendido. Nos discursos a ênfase na riqueza da cidade recai sobre “os personagens”. “As pessoas que vivem no Rio de Janeiro é que fazem o Rio de Janeiro”, em diversos depoimentos a cidade é definida pela sua criatividade “fresh”, pela riqueza “por natureza heterogênea” que possibilita “tipologias e maneiras de se comportar diferentes” e faz com que “o que para outros lugares seja absurdo, para o Rio seja normal”. Esses elementos permitem que “a imprevisibilidade da perspectiva carioca seja inspiradora sempre”.
            Em meio a esse mar de opiniões pautadas pelo lógica de que o povo brasileiro é um criador nato, o vídeo tem uma ideia muito clara: a cidade é um produto e esse produto está intimamente ligado às formas de vida, aos modos de ser. O povo é arte que inspira. O vídeo é exemplar de como transformar formas de vida em mercadoria. É curioso, por exemplo, que entre todos os depoimentos, haja um de uma moradora de uma favela, a cineasta Luciana Bezerra que em sua fala é única a dizer onde mora. “Eu moro no Vidigal” Essa é sua frase de abertura. Nenhum outro entrevista diz “Eu moro em Ipanema”, ou “Eu moro no Leblon”, mas isso é apenas um detalhe que reflete minha atenção excessiva com o que é dito.
            Se esse vídeo é perturbador é porque ele aponta para o futuro do Rio de Janeiro, esse laboratório do capitalismo cognitivo. Outro exemplo. Logo depois do Choque de Ordem, uma ação da prefeitura que ordenava e as ruas e calçadas uniformizando as práticas de camelos e guarda-sóis das praias. Enquanto os vendedores de cerveja ambulantes eram expulsos, a Brahma entrou com carrinhos de rua, também ambulantes, para vender chopp ao lado dos antigos da Nestlé que vendem picolé. Liberar e controlar, assim funciona a modulação urbana.
            Enquanto a favela tornou-se nossa obra-prima o pobre é nosso performer. Há ali a força de invenção que pode ser, quando interessar, ordenada. Ambos inventam as formas que resistem às ordens globais, uniformizantes, homogêneas.
            Resistir na forma, claro; assim vemos o povo na cidade. Resistir na forma, princípio primeiro para a arte, apresentar-se como um objeto problemático e possibilitar uma atenção qualificada em relação à cidade. Ao mesmo tempo, ter nas formas de vida a medida possível para o sem medida das relações na cidade. Como parece evidente, essas duas dimensões são inseparáveis das maneiras como o capitalismo mesmo se relaciona com o espaço urbano. Enquanto a publicidade organiza o mobiliário urbano e as grandes empreiteiras investem em transporte público, determinando os fluxos, a organização do espaço, o tempo de trabalho e lazer, outros poderes se apropriam do que há de mais banal e cotidiano das formas de vida. O nome da operadora de telefonia que patrocina esse catálogo é uma evidência: o que há de mais banal e corriqueiro que OI?

*

          Assim, o esforço para pensar o que é cidade hoje se faz em relações com esses múltiplos poderes - entre eles a arte. Se faz com aquilo que ainda não ordenou o humano e naquilo que ainda não desenhou a cidade. A arte como intervenção pública é parte dessa escritura e da própria instabilidade da cidade que é inseparável de um duplo destino: por um lado, o aparecimento da arte deve explicitar uma separação em relação à forma da cidade, operar um dissenso em relação à ordem dos poderes que a constituem, uma distanciamento em relação às organizações que definem os lugares dos sujeitos, dos grupos e identidades (ver Rancière). Por outro, se a arte na cidade se bastasse na resistência formal ao que é a cidade – produzindo descontrole onde há controle, colocando retas onde há curvas, sons onde há silêncio - , incorreríamos facilmente na abstração ou na relação dialética com a cidade e com os poderes que a organizam temporal e espacialmente. Resta à arte então não perder o vínculo com as formas de vida, com o que podem as vidas que habitam as cidades.
            A arte na cidade resiste em sua forma mas ela não antecipa a organização da urbe. A arte explicita, talvez, os espaços híbridos, aqueles em que as formas de vida ainda não se inscrevem as formas da cidade mas que já se fazem presentes, aqueles em que as formas da cidade já produzem formas de vida não inscritas em seus planejamentos.
            Sem esse duplo destino, a arte torna-se apenas uma continuidade com o que a cidade já é – bela, horrível, violenta, doce - uma continuidade em relação à possibilidade de uma experiência estética individual que pode vir de qualquer lugar – de uma publicidade mesmo; ou uma descontinuidade absoluta, separada das formas de vida que a produzem, logo, irrelevante para aqueles que a habitam. Duplo destino da arte politica – a única que interessa quando a cidade está em jogo - , ter continuidade e descontinuidade com o que é a cidade, em um só gesto. Resistir na forma sem que as formas de vida sejam excluídas.  
            Assim, para nós, interessados na arte, parece relevante uma abordagem em que as formas dos homens e dos objetos  - nem sempre tão distinguíveis – estarem no mundo não estejam isoladas das formas de ser e das possibilidades sensíveis das obras. O esforço em fazer da arte um campo isolado da politica – da cidade – é fundado na necessidade de funcionalizá-la, seja para efetivar seus ganhos simbólicos em centros culturais, em cadernos de cultura, seja para efetivar seus ganhos financeiros, em galerias e feiras. Isso significa dizer que esses mediadores deveriam desaparecer? Não. Se a arte resiste na forma, e esse era um de meus pressupostos, tal resistência é o que garante a sua inscrição na polis, apesar de tudo. Uma inscrição que enquanto resiste na forma insiste nos possíveis das formas de vida.

Bibliografia.

BRASIL, André. Formas de vida na imagem: da indeterminação à inconstância. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, Vol. 17, No 3. 2010.


DEBORD, Guy. (org) Internationale Situationniste #1. juin 1958. Disponível em : http://i-situationniste.blogspot.com/2007/04/internationale-situationniste-numero-1.html
RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora 34, 1996.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

Viveiros de Castro, Eduardo. Uma figura de humano pode estar ocultando uma afecção-jaguar. In. Multitudes 24  print. 2006.

http://multitudes.samizdat.net/Uma-figura-de-humano-pode-estar



Abaixo coloco uma brevíssima lista de artistas e obras que me inspiraram na escrita desse artigo. Com eles pude pensar e entender o que acredito ser o possível na relação arte e cidade.

Avenida Brasília Formosa, (2010) – longa-metragem de Gabriel Mascaro - Recife
O céu sobre os ombros, (2011) – longa-metragem de Sérgio Borges – Belo Horizonte
Weng Fen – Fotógrafo Chinês
Marepe – Artista plástico nascido na Bahia
Cidadão Instigado – Banda do Ceará








[1] http://www.videolog.tv/RioFilme/videos/603112

28 de set. de 2012

Cultura - Considerações sobre apoiadores do atual prefeito.



Nesta lista existem pelo menos três tipo de votos no Eduardo Paes.

www.eduardopaes15.com.br/manifesto/

O primeiro é louvável. São petistas que acreditam que a aliança com o Paes é necessária para um projeto maior, apesar de tudo. Acreditam em um projeto de país que passa pelo poder local e que requer sacrifícios.
Me distancio desse voto, apesar de ter estado sempre próximo ao PT, por achar que esse projeto de país é hoje pautado por uma constrangedora falta de limite ao capital.

O segundo tipo de apoio ao Paes é pautado por uma avaliação positiva da atual prefeitura, normalmente vindo de pessoas mais ligadas ao campo liberal e que entendem as remoções, a força da especulação imobiliária, as internações compulsórias, a “incompetência” para o transporte de massa e o autoritarismo do atual prefeito como gestos menores e sem real importância se considerarmos o atual clima positivo da cidade.

O terceiro tipo de apoio é cínico mesmo. É pautado pelo retorno imediato e pessoal, o que não é raro na área da cultura.

O voto do petista é respeitável, o do campo da direita é parte de nossa velha disputa em torno de modos de vida e compreensão de mundo e o voto cínico é apenas odiável.

8 de ago. de 2012

esse tempo


A menina comprou um relógio com despertador para não perder a hora da escola, hora que passou a ser dela também.
Infelizmente o vendedor entregou o relógio com a hora de algum país distante onde o relógio fora fabricado.
Nos 5 dias seguintes a menina gastou a ponta de um clips tentando apertar os minúsculos botões que davam acesso às muitas funcionalidades do relógio.
Depois de muito tentar, desistiu. Todas as vezes que chegava às 23:59 o relógio voltava para o 00:00.
- Como organizar a vida se todos os dias tem o mesmo tamanho?

11 de jul. de 2012

Jornalismo


Fotografar mensagem recebida em celular e colocar na primeira página de um jornal?
Esse é o mesmo jornalismo que fica indignado quando alguém invade o computador da Carolina Dieckmann.

http://oglobo.globo.com/pais/forca-na-peruca-diz-afilhada-de-demostenes-pelo-celular-5448160

10 de jul. de 2012

Professores

Meu objetivo não é fazer um CV, mas fazer uma pesquisa.
A atual corrida por CVs leva alguns a fazer copy/paste de si mesmos.
Devemos esquecer que a pesquisa é uma narrativa e agora devemos escrever em inglês?
As pesquisas são fundadas em chamadas de projetos com muito dinheiro para as ciências duras. Isso nos obriga a pesquisar ao mesmo tempo em que pensamos nos próximos projetos.
Os laboratórios de pesquisa participam hoje de uma corrida por projetos entre instituições, com muitos pesquisadores...
 O que falta aos professores e pesquisadores na universidade é tempo.


(Declarações retiradas do Cahier du Cinéma de março de 2012 dedicado às escolas de cinema – na França)

7 de jul. de 2012

Breves notas sobre a noção de diferença: uma conversa entre amigos.



Caro amigo, poderia te indicar alguns livros sobre a noção de diferença tendo o Deleuze como personagem central, isso pode ser feito ainda se o que te interessa não estiver nessa carta. Devo te lembrar que não sou filósofo, o que me permite uma reflexão selvagem em torno na noção. Devo te dizer também que essa noção é fundamental para o Bergson, mas não é com ele que sigo, apesar das ressonâncias.
Como nosso problema é a arte e os sujeitos que com a arte – ou na falta dela – estão na vida, isso implica, primeiramente, em pensarmos esses sujeitos em relação com forças, poderes e criações que os transformam e que são transformadas por eles. Comecemos dizendo que o sujeito é sempre parte de um todo em transformação e que é, ele mesmo, variação. Assim, não se trata de pensar, primeiro, em sujeitos que são diferentes uns dos outros,  mas de sujeitos que diferem em si mesmo. Complicado? É. É complicado porque estamos sempre tentando codificar os sujeitos a partir de seus modos de vida: classes, identidades, ideologias, etc. Mas, pensar com a diferença significa que, além da diversidade de modos de vida, cada modo de vida não para de se diferenciar de si mesma e que para cada código, para cada identidade há um resto. Esse resto pertence a sujeitos e comunidades, não é ainda do indivíduo, não se atualizou como uma forma, um modo de ser. Esse resto está ali, existe, mas, quando pensamos em termos de códigos e identidades tenderemos a descartar justamente o resto que desestabiliza esses lugares definidos, esses modos de vida que reconhecemos: favela, fanqueiro, intelectual, gay.

“diferenciar-se é o movimento de uma virtualidade que se atualiza” (Deleuze sobre Bergson – Ilha deserta p. 57)

O Simondon, filósofo importante para o Deleuze, tem uma ideia que é linda. Ele diz assim, o sujeito é uma fase do ser. E o ser não para de se defasar, ou seja, ele não cessa de deixar de ser o sujeito que ele é. Ou seja, é a própria vida que é um processo de diferenciação, de defasagem em relação si. O movimento, a variação, a diferença, não é assim uma diferença de algo em relação a algo, ou o movimento de alguma coisa, a diferença é uma coisa em si, inseparável do que constitui a vida. Essa percepção traz fortes implicações para pensar o papel da arte e do que o sujeito é hoje.
Primeiro, se o sujeito não para de se diferenciar, o que está em jogo são as forças com as quais ele se associa, os afetos que o estimulam e potencializam e não a história desse sujeito em um processo de causa e efeito que justificaria o que ele é hoje. A diferença torna-se um problema relacional, dos modos de operar a memória, o que volta no presente, e as materialidades que liberam e constrangem o as possibilidades de novas associações, afetos, invenções. Nesse sentido, importa o que o sujeito pode hoje e não o que ele é. Importam as conexões e não as teleologias. O sujeito configura-se como atualizações de um agenciamento, de um emaranhado heterogêneo de afetos, estéticas, poderes, etc. E o  que aparece a partir desse emaranhado, que sujeitos são possíveis, nós não sabemos, esse agenciamento é um não-sei-o-que de possibilidades, uma virtualidade. Em outras palavras, diferenciar-se passa por um processo inventivo não funcionalizável – algo bem diferente da necessidade de criação para a solução desse ou daquele problema.
Mas, como disse, o sujeito não varia sozinho, ele traz junto todos as linhas com as quais ele se conecta para a sua própria variação. Não sei se percebes, mas o que está em jogo não é um sistema em que um contexto define um sujeito ou uma história define uma comunidade, mas a multiplicidades de afetos e acoplamentos, de componentes heterogêneos, que permitem que sujeitos e comunidades ampliem as possibilidades de experiências sensíveis, de “experimentar-se”. A política, nesse caso, se faz por uma inflação das possibilidades de experiências e não pela escolha do estado, ou qualquer outro poder, desta ou daquela experiência. Os chamados processos subjetivos não se dão no sujeito, não se trata de conhecer e transformar o sujeito a partir de uma realidade. Diferenciar-se é inseparável de transformar a realidade.
Começamos essa conversa fazendo uma crítica à noção de diversidade, se bem me lembro. A crítica mais selvagem à noção de diversidade poderia ser feita dizendo-se que em um mundo diverso, todos já são alguma coisa e já têm o seu lugar ou devem lutar por ele. O problema disso é que esse mundo seria um conjunto fechado, delimitável e, em grande parte, a noção de diferença vem para trazer a possibilidade da invenção fazer parte desse mundo diverso. Se a invenção faz parte, são os próprios lugares dos sujeitos que se instabilizam. Não há dúvida que existe um desafio político. Como lutar pelos direitos de minorias sem que essa luta se torne um empecilho pra o “diferir-se” desses sujeitos? Talvez se partirmos do fato de as identidades serem uma narrativa excessiva que impede que certas ações, a diferença, faça parte dos processos subjetivos. 
Por exemplo, um negro em uma sociedade que o discrimina. Isso faz com que ele seja impedido de viver plenamente seus processos subjetivos uma vez que a cada relação afetiva, de trabalho em suas redes sociais e institucionais, a sua presença é mediada por uma narrativa – ser negro – que trava a própria possibilidade de diferenciar-se nessa rede, nesse processo. Ele precisa assim se afirmar como negro para ter o direito de não sê-lo. Parece paradoxal, mas não é. Trata-se justamente do reconhecimento de que existem forças que o impedem de se defasar em relação a ele e à comunidade. Trata-se de afirma-se para ter o direito a entrar em uma dinâmica de variação em que ele seja mais e menos que essa narrativa central, que ele não seja um produto do meio que lhe dá uma identidade mas que possa entrar em um processo de subjetivação que é individual e coletiva simultaneamente. Sua identidade se torna assim necessária para que um “ser negro” se torne um possível de todos; uma linha de diferenciação que atravesse brancos, negros e amarelos. A identidade necessária para a diversidade não pode assim tornar-se um recorte pertencente à tal ou tal sujeito, a esse ou aquele grupo de determinada cor, opção sexual ou religiosa, mas uma potência que seja parte da comunidade e que com ela os processos subjetivos, as formas de os sujeitos diferenciarem-se, se torne mais rico em experiências, complexo e múltiplo.
A identidade não é uma transcendência, é preciso que ela faça parte da vida, da diferença. Ou seja, quando o “ser negro” volta ao debate, volta como necessidade politica – e ele volta sempre -, não é o mesmo que volta, não é o igual, não é a representação de um ideal definido pela história, pelo movimento, pela polícia ou pela nova linha de cosméticos, mas de um ser negro que é em si uma transformação, diferença de si e do que esperamos que seja.
Politicamente, trata-se de tornar-se incapturável. Todos os poderes sabem exatamente como lidar com o que conhecem, o problema é administrar o que não é nunca o mesmo, as forças ativas, de invenção.
Nesse texto do Deleuze sobre o Bergson, ele diz: a diferenciação é a produção de objetos.
Se pensarmos em termos de uma política, estamos distantes então de uma política da representação, mas próximos de uma política da invenção em que, como escreveu Plotino "a resitência de um ato resiste no ato" ou "A experiência é ela mesmo a autoridade" (Blanchot).
Um política da diferença ganha proximidade com a arte, sem que uma se confunda com a outra, uma vez que a imaginação e a criação são decisivas nos processos de diferenciação. A arte, nesse caso, é um intensificador do que faz o emaranhado, o agenciamento, variar, logo, faz variar tudo que se atualiza, sujeitos e comunidades. A arte permite uma intensificação da própria diferenciação, das formas de variação do agenciamento, das formas de experiência. A arte é um acelerador de linhas de subjetivação, intensificador dos possíveis de sujeitos e comunidades. Uma política da diversidade dá poderes aos sujeitos e comunidades que já sabemos o que é - estamos no campo da representação -, uma política da diferença é bem mais arriscada: como facilitar os possíveis se não sabemos que sujeitos e comunidades se atualizarão?

O papo segue,
Meu abraço
Cezar

1 de jul. de 2012

Capitalismo e açucar - Deleuze aula de 1980 / MIl Platôs


Gilles Deleuze, Março de 1980
Pensando o estado e o capitalismo

“É fascinante a situação do Brasil.
Uma situação de suspense. Estamos diante da possibilidade de um estado social democrata e eleições livres ou a possibilidade da volta de um estado totalitário.
Até onde irá o entendimento entre esses polos?
Caso raro na história em que esse suspense se apresenta.”

http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k1282807.r=deleuze.langFR


A aula tem dois focos: Uma reflexão sobre a diferença entre o estado social democrata e o totalitarismo feita a partir da forma como o estado cria ou esvazia os axiomas. Retomado Virilio, Deleuze diz que o  estado totalitário é, na verdade, o estado mínimo - fundado apenas em dois axiomas, da acumulação de reservas e da inflação. O resto são teoremas - desdobramentos desses axiomas.
O estado SD tende a multiplicar os axiomas: um axioma para as mulheres, um para os negros, etc.

O segundo foco da aula é sobre o marxismo. Muito bom!
Qual o limite do capital para Marx?
Trata-se de um limite interno e não externo - ecológico, humano ou energético. Um limite imanente. Quanto mais ele se aproxima, mais ele o empurra.
Esse limite traduz uma contradição.
O capitalismo inventa a produção pela produção. Ao mesmo tempo que inventa um produzir por produzir; um produzir para o capital, uma contradição aparente.
Para explicar esse limite interno do capital, Deleuze volta ao Brasil com o Livro “O Açucar e a fome” de Robert Linhart. No livro o autor pesquisa o desenvolvimento do capital ligado ao açúcar e como este capital está envolvido em uma rede de poderes que ao mesmo tempo em que é pautado pelo axioma exportador é produtor de capital, de açúcar e de fome. Fome produzida pela evolução do capital com a monocultura, com homogeneidade da plantação, pelo latifúndio. Nossa conhecida indústria da seca que Deleuze apresenta como um produto do próprio desenvolvimento, um limite imanente ao próprio capital.
O limite que não paramos de empurrar. Não é que as pessoas morrem de fome, esse seria o limite definitivo, mas não, o que acontece é uma produção incessante e crescente de famintos, diz Deleuze, ou, pobres, se quisermos.
Esse exemplo permite Deleuze explicar como não há volta atrás no caso do capitalismo e essa é a nossa desgraça.
Quando há excesso de açúcar, começamos a usar em carros – álcool. Até um certo ponto podemos usar os mesmo motores, mas, quando é necessário colocar mais álcool nos carros, as indústrias precisam fazer novos motores, operando um movimento essencial na transformação do capital constante, ou seja, é preciso desvalorizar um capital constante para produzir outro.
No momento que a indústria começa a fazer carros com motores para álcool, não há mais volta na monocultura e na forma de vida que esta implica. Eis a flecha irreversível do capitalismo.
 Tão parecido com os argumentos pró-Belo Monte!



29 de jun. de 2012

A sala de ópera e o que podemos: notas para uma conversa sobre cultura em Fortaleza.


Gostaria de compartilhar um artigo que escrevi no ano passado para uma conferência de cultura de Fortaleza.

http://www.calameo.com/books/00036052414d150654663

O artigo foi editado agora em um caderno com vários outros textos.
Como seria bom se no Rio tivéssemos pelo menos um Conselho de Cultura!

27 de jun. de 2012

nostalgia da centralidade ou do esvaziamento da política

Link para uma pubicação na revista da PUC/RJ.
Artigo em coautoria com Ednei Genaro

Resumo:
Através de um mapeamento de discursos e práticas, o artigo identifica movimentos em que se produz uma nostalgia das centralidades que legitimam, julgam e hierarquizam comunidades, indivíduos e estéticas. Argumentamos que tal nostalgia perfaz, na verdade, uma forma de se esvaziar a política e, consequentemente, de se retirar dos jogos de poder aqueles que não são acompanhados de uma legitimidade que anteceda suas práticas. Ou seja, em oposição às centralidades nos esforçamos para pensarmos as construções em rede e a política como a possiblidade do “um qualquer” fazer diferença na comunidade.
Palavras-chave
Política; Internet; Rede; Mediação; Educação.

Greve de estudantes (para os alunos da UFF)


A greve de estudantes é absolutamente legítima, uma vez que eles se negam a participar do papel que lhes cabe na sociedade nesse momento da vida.
Os estudantes em greve estão deixando de participar da ordem social, estão demostrando que uma instituição não está funcionando.
Negar a possibilidade de greve para estudantes é entender a greve apenas como um problema privado – o meu salário, o meu trabalho - e não como uma possibilidade de intervenção pública.
Nesse momento, o mais importante movimento politico no Quebec, em anos, acontece por conta de uma greve de estudantes por melhores condições nas universidades e custos menores. Essa greve coloca todo estado em questão.

20 de jun. de 2012

Festival de Inverno da UFMG em Diamantina



Em julho acontece o Festival de Inverno da UFMG em Diamantina.
Olhei com calma a programação e diria que esse festival é dos gestos mais bonitos e políticos que vi a universidade fazer nos últimos tempos.

Trata-se de um festival complexo, feito de pequenas intervenções e o tempo todo atento ao conhecimento local, à comunidade e as possibilidades estéticas dos encontros entre atores muito diferentes.

O Festival faz um grande esforço apostando em um universidade forte, com grande capacidade de ação, mas, ao mesmo tempo, permeável à toda invenção que não passa por ela, por modos de vida que não são facilmente incorporáveis à lógica do mercado, da mídia e da academia. Impressiona a capacidade de dar corpo e promover ações com tanta ressonância com as reflexões políticas e estéticas que são feitas hoje em certos meios acadêmicos.

Uma das belas facetas do festival é a facilidade com que se passa de uma intervenção mais ligada ao universo das artes a um escritório público de arquitetura com a presença de um advogado ou de como aproxima, como proponentes de ações, doutores e crianças. Estética e politica fazem parte de ações que não são restritas a artistas ou a gestores e advogados.

Mais do que uma simples aposta na diversidade, o festival consegue traçar uma continuidade entre as questões estéticas, urbanas, discursivas, legais e expressivas. Essa linha de continuidade é propriamente um não isolamento das forças e desafios das próprias vidas no esforço de inventar um comum, ou seja, “uma comunidade de partilha” em que essa comunidade parece desejar rever-se reexperimentar-se, indo buscar em múltiplos cantos e saberes – populares, acadêmicos, indígenas – as potências para uma invenção no presente, para uma forma de estar junto e sermos muitos.

Diamantina,
Julho – de graça!



13 de jun. de 2012

O capitalismo organizando o descontrole e a inventividade


A chamada para um recente simpósio realizado pela ABA (Associação Brasileira de Anunciantes),  patrocinado pela Petrobrás, Governo Federal, Caixa e empresas privadas, não poderia ser mais explicita:
O evento tem como objetivo “discutir os desafios, as oportunidades e as melhores práticas comerciais e mercadológicas que possibilitem transformar o Rio de Janeiro no grande produto nacional e internacional do momento" 

Eles provavelmente mostraram esse anúncio da Coca-Cola: 


Não só transforma as estratégias policiais em publicidade como organiza a desordem a inventividade das vidas para o capital.
Se a cidade e a vida são os produtos, o pessoal anda no caminho certo.



10 de jun. de 2012

Coréia do Sul


O Globo em 10.06.2012:
Lições do 'milagre econômico' da Coreia do Sul para o Brasil Puxado por Samsung, LG e Hyundai e movido à tecnologia, o país asiático cresce e vira exemplo.

Guattari 1989:
"A instauração a longo prazo de imensas zonas de miséria, fome e morte parece daqui em diante fazer parte integrante do monstruoso sistema de "estimulação" do Capitalismo Mundial Integrado. Em todo caso, é sobre tal instauração que repousa a implantação das Novas Potências Industriais, centros de hiperexploração tais como: Hong Kong, Taiwan, Coréia do Sul etc."

9 de jun. de 2012

A crise e a dívida


A crise é o momento em que todos os processos libertários são estancados.
-Agora não, não podemos arriscar, é preciso se controlar, etc.
E nós, que não estamos em crise?
Temos as dívidas. Podemos crescer emprestando, diminuído os juros e aumentando as parcelas. Podemos comprometer os ganhos de uma vida.
Se você tem um dívida é preciso se controlar, não é bom arriscar. O dia de amanhã é o dia de pagar o que se deve.
Crise e dívida são operações muito parecidas.

Nos dois casos há produção demais e consumo de menos.
Nos dois casos é bom não arriscar.

8 de jun. de 2012

Violeta Foi para o Céu

Passei a semana lendo um capítulo do mil platôs - 1837 - A cerca do Ritornelo. Na edição brasileira está no Livro 4 -  que parece descrever o Papel da música nesse filme.

Primeiro a música pode aparecer como um assobio. Uma criança anda pela rua e cantarola, isso garante um território, afasta a criança do caos, um esboço de um centro estável.

Depois a música e a sonoridade inventam uma casa, um território que é sempre criação. As forças do caos são mantidas do lado de fora e no seu interior um rádio ou uma música garantem o território.

E, simultaneamente, os limites do lar nunca são absolutos, há sempre uma fresta por onde entra o caos, um estrangeiro ou por onde podemos sair e retomar o caos, lançarmo-nos nas forças da improvisação e do descontrole.

Violeta parece passar por todas essa potências da música. Com ela o Chile circula e lhe garante uma estabilidade, com ela se constrói um forte, uma cabana, mas esse território é invadido por diversos poderes e desejos, refazendo o contato com forças excessivas, maiores que ela própria.