30 de nov. de 2007

Links: Foucault e outros

Tese digital
textos e audio

entre muitos outros

(dica da Ilana Feldman)

Estamira 2

Passo por dois artigos de psicanalistas que gostam muito de Estamira, o filme. (post anterior)

O psicanalista Luiz Fernando Gallego inicia sua crítica elogiando o filme , “pela respeito à escuta do outro, do diferente, do estranho”.
Cotardo Caligaris, para a Folha de São Paulo 03/06 segue na mesma linha: “Marcos Prado permitiu que Estamira lhe e (nos) falasse porque quis e soube escutá-la como se escuta, em príncípio, um semelhante". Independente dos gostos pessoais e da qualidade de cada uma das críticas, me chama atenção esse elogio porque o cineasta escuta. Nos dois casos não se trata de textos para iniciados em psicanálise, então a escuta não é um conceito, imagino, mas a escuta mesmo, a atenção que alguém dedica ao outro que fala.

Mas, qual o mérito em escutar? Será que a escuta falta? Será que esse elogio se dá porque os psicanalistas tem a percepção de que hoje ninguém escuta ninguém? Não sei.

Minha primeira impressão é de que as duas críticas parecem, antes de mais nada, um elogio à própria psicanálise, um elogio do lugar mesmo dos críticos/psicanalistas.

Mas psicanálise não tem espectador, no cinema a escuta não basta.

Na verdade, o grande incômodo em Estamira é que a "escuta" é acompanhada da inscrição daquelas falas em um lugar, entre a poesia e arte, Estamira é uma singularidade que escapa. A loucura é o que "libera" Estamira e dessa forma o espectador é protegido. "Estamira, apesar de tudo". Uma linha muito parecida com o que faz o jornalismo.

Coutinho na Cinemais em 2000

Reli agora uma antiga entrevista com o Coutinho, feita logo depois da estréia de Santo Forte.
A entrevista é excelente mesmo. Quem me chamou a atenção para ela foi o Vinícius Reis por conta de o Coutinho falar em democracia, questão que me é cara no momento.
Na verdade o Coutinho fala muito em democracia sem falar o "nome da coisa". Quando ele efetivamente fala é para dizer que não se interessa por um filme que tenha democracia, ou temas tão gerais, como foco.

Mas quando digo que ele fala de democracia e documentário é por conta de uma percepção que o encontro que se dá entre ele e personagem, entre esses dois mundo não pode ser organizados por uma lógica consensual. Isto está presente quando Coutinho diz que "a primeira coisa a fazer é estabelecer que somos diferente" ou que é "essencial fazer o desagradável; no fundo o que é um documentário?"

Cinemais - #22 março/abril 2000, por José Carlos Avelar.

29 de nov. de 2007

“O que dá um medo extremo não é o caos daqui, nem as coisas em labirinto mas a arrumação absoluta de tudo e a súbita aparição do universo numa língua ordenada” (Novarina, Diante da Palavra p. 23)

27 de nov. de 2007

Estamira, de Marcos Prado e democracia

Com atraso assisti Estamira de Marcos Prado.
Por coincidência há uma entrevista com ele no Globo de domingo em que ele conta que sua produtora ajuda Estamira, a personagem, com 500 reais por mês.

Cléber Eduardo já escreveu uma ótima crítica sobre o filme na Cinética. Uma crítica ampla que relaciona Estamira com outros documentários contemporâneos.

Tenho tentado, nesse blog e em outros escritos, pensar o documentário à partir da noção de democracia, sobretudo à partir da idéia de que no doc. é possível a construção de um "campo democrático" e que nesse campo há um encontro, uma tensão entre indivíduos, tecnologias, palavras, enuciações as mais diversas.

A noção de democracia que tenho trabalhado está diretamente ligada aos escritos de Rancière sobre política e democracia mesmo. Já expus essas noções aqui e não se trata de voltar a elas.
Esta difícil aproximação entre o documentário e a democracia como forma de pensar a relação entre os diversos atores que constituem o filme tem me parecido bastante fértil em filmes em que a voz do documentarista está presente e nos momentos em que o filme é demandado pelo personagem, é o caso de A pessoa é para o que nasce, Mato Eles?, No rastro do Camaleão e tantos outros.

Pois Estamira coloca o problema de maneira diversa. O filme se filia a uma história do documentário que parte de de uma transparência entre forma e conteúdo. A voz do documentarista e a negociação estão ausentes.

Marcos prado e equipe estiveram no lixão, conviveram com as moscas e odores, mas o que interessa é Estamira. Este princípio não é problemático em si, poderíamos mesmo dizer que a experiência e presença do realizador aparecem na imagem, na estética e na montagem do filme.

Mas, se assim é, o que pode a noção de democracia diante de uma opção narrativa em que o realizador se ausenta e que, no calor dos acontecimentos, se faz ausente, não responde à personagem, se apaga do compartilhando do filme? Seria então a democracia um conceito que só poderia operar diante da demanda mais explicita da presença do realizador?


Não vou aqui desenvolver muito o que será parte de um outro texto, mas basicamente meu argumento é o seguinte:

No momento em que a voz de Estamira se faz presente através do filme há uma ação propriamente política. A voz do excluído que se singulariza, que passa a habitar um outro lugar, que passa a compartilhar com outros um universo em que ele não se fazia presente. A política é justamente o dissenso presente e existente nessas relações entre heterogêneos.

Em um campo democrático a voz de Estamira pode surgir e afetar aquele que a ouve. E afetar é propriamente uma luta, um embate, não está dado antes da democracia mesmo existir.

O que acontece em Estamira? Antes de ela dizer uma primeira palavra há no filme uma construção "embelezadora", que traz para a personagem uma aura e que inventa, antes mesmo que pudessemos vê-la, um lugar para ela.

Se o filme já inventou um lugar para ela, como podemos pensar que ali se inventa um campo democratico em que uma fala ou um gesto pode reconfigurar os lugares ali presentes? Entre filme e personagem há um unidade em que o espectador não tem vez.

Se o filme já inventou para Estamira um lugar no mundo - o de personagem de documentário - é o próprio lugar do espectador se vê apaziguado. Com o documentário ela não é mais excluída, sofrente, explorada. Tudo isso está resolvido pelo filme e pela lugar que ele criou para Estamira.

A estética de Estamira é uma forma de fazer justiça. Mas, ao fazê-lo, é a democracia e o espaço de embate e dissenso que deve ser suprimido.

Não há política possível em um espaço em que os lugares são imutáveis.

A homogeneidade estética entre a primeira e a última sequência é parte dessa não-afetação.

23 de nov. de 2007

Jornalismo castiga com voyerismo

O Globo publica hoje uma matéria sobre a prisão da esposa de Fernandinho Beira-Mar.
A foto escolhida para a matéria mostra uma mulher que o Globo chama de "Outra acusada" e que aparece na matéria entrando em um camburão de maneira que podemos ver sua calcinha.
O jornal faz uma mistura entre flagrante fotográfico, voyeristico e vontade de fazer justiça com as próprias mãos, humilhando a "acusada".

É sempre perturbador ver o lugar em que se coloca o jornalista que faz uma escolha como esta. Incorpora uma mistura de editor de site erótico com página policial e Revista Caras. Tudo feito com muito prepotência e desrespeito.

Se ela será condenada ou não é secundário. O que interessa é punir com espetáculo.
Enquanto a acusada cobre o rosto o jornal mostra sua calcinha, fazendo a punição retornar ao corpo, não como suplício mas como humilhação que passa pela imagem.

Acho que esta imagem é absolutamente reveladora de um lugar inaceitável que o jornalismo acupa e tende a naturalizar. Uma imagem para não se abandonar com a rapidez.

Minhas longas frases

Interrompo a redação de um artigo para fazer esse post.
Depois de colocar um ponto final em uma frase, o corretor de texto do Word, meu fiel companheiro, marcou a minha frase com um erro de gramática e me apresentou a seguinte mensagem: "Essa frase contém 57 palavras. Deveria conter no máximo 50 palavras."
É difícil escrever com uma polícia tão bem humorada!

22 de nov. de 2007

Economia da experiência

Em apenas um break comercial essa semana:
“Para quem é 4X4” (Mitsubishi), "Aos 15 troquei a festa por uma viagem", diz a menina (Nissan), "porque a vida na cidade é uma aventura" (Fiat).

O que é excessivo e sem controle - a experiência e a aventura - encontra sua forma segura e domesticada em versão 4 rodas, de preferência com tração em todas elas.

20 de nov. de 2007

forumdoc.bh.2007

11º Festival do Filme Documentário e Etnográfico
Fórum de Antropologia, Cinema e Vídeo

Impressionante a programação do forumdoc.

Robert Kramer,
Pedro Costa
Joaquim Pedro
Uma curiosa seleção de Thiago Rocha Pita
Shoah de Claude Lanzmann (inteiro)
Avi Mograbi

Ainda,

Ô, de Casa, da Clarisse Alvarenga
e o belíssimo Sentinela de Afonso Nunes.

Uma loucura, é possível escrever uma boa parte da história do doc com esses diretores e filmes. Não que sejam os melhores, mas certamente tensionaram o documentário de maneiras decisivas. As 9 horas de Lanzmann e a crença do testemunho como forma de subjetivar aqueles que foram esvaziados de qualquer forma de subjetividade, nos campos de concentração. A tensão temporal de Kramer em Berlim 10/90, nesse filme de uma hora em que a memória é confrontada e alimentada pelo vídeo. O embate trágico e cheio de humor de Mograbi com sua história, seu povo e seu país. Os limites do documentário e da ficção em um dos mais radicais projetos cinematográficos contemporâneos que é o de Pedro Costa "Meus filmes são sobre uma revolução que não deu certo", disse ele certa vez. A delicadeza e poesia de Poeta do Castelo, de Joaquim Pedro.

Assistir tudo que o festival propõe é uma experiência radical, ri nervoso quando me imaginei nessa situação. São filmes que demandam enormemente o espectador. O choque pode ser sem volta.



Three Transitions, de Peter Campus

Delicioso vídeo de 5 minutos de 73 do artista americano Peter Campus.
Três auto-retratos explorando a materialidade - ou a falta dela - do vídeo.

19 de nov. de 2007

Zona Oeste, d’Olivier Zabat

Crítica do filme do francês Olivier Zabat.(em Francês)
Minha primeira contribuição para o blog do Le Silo, grupo de crítica e divulgação audiovisual.

18 de nov. de 2007

Lula e Chavez

Chavez, o presidente da Venezuela, se tornou o assunto predilento dos mais conservadores no Brasil. Lamenta-se que Lula não seja como ele. Para a direita estaria tudo resolvido se Lula fosse como Chavez. Para quem está trabalhando e pensando o país Chavez é apenas o presidente da Venezuela; sofreu um golpe, estatizou, é personalista, diminuiu sensivelmente a pobreza no país, estatiza e censura meios de comunicação, etc. Uma figura cheia de ambiguidades e muito menos propenso a uma política a longo prazo como a que Lula vem fazendo.
Querer ligar Lula a Chavez é o que podem os conservadores de hoje.
Optam pela preguiça intelectual.

15 de nov. de 2007

O mestre ignorante

Eu sou homem, logo, penso.

"O pensamento não é um atributo da substância pensante, mas um atributo da humanidade."

Essa breve passagem de O mestre ignorante de Rancière para continuarmos pensando a idéia de uma inteligencia comum que o capitalismo tenta controlar.

O embate agora se dá na Universidade Federal do Espírito Santo que foi condenada a pagar multa e destruir seu material de projeção - equipamentos públicos - porque projetou filmes em DVD da distribuidora Europa, dentro da Universidade.

11 de nov. de 2007

O ocaso da vítima

Descubro depois de 4 anos esse brilhante artigo da Sueli Rolnik.
O ocaso da vítima.
De Deleuze e Guattari a Negri, de Negri a Lula.

10 de nov. de 2007

Na sala de aula

Para lembrar nas próximas aulas...
"Nunca se sabe como uma pessoas aprende, mas, de qualquer forma que aprenda, é sempre por intermédio de signos, perdendo tempo, e não pela assimilação de conteúdos objetivos" GD -Proust e os signos

Aliás, fiquei pensando essa semana o que eu deveria/poderia fazer se a polícia viesse à minha sala de aula prender um aluno como fez com um dos jovens que foram presos por tráfico.
Que tipo de mandato o policial precisa ter para poder interromper a aula?
Não que a aula seja muito importante, mas os signos são.

O documentário no mundo

O documentário tem três momentos necessáriamente intrincados.

1 Estar sob o risco do real. Porque o mundo pode aparecer nesses sons e nessas imagens.

2 Se deixar afetar pelo real e fazer o que surge ressoar. É a democracia que obriga a pensar. O deslocamentos que o real impõe à realidade conhecida e que demandam o pensamento.

3 Se o pensamento é convocado, deslocando o conhecido...a inteligência é bem-vinda.


Estes três momentos tem uma dimensão necessariamente política uma vez que implicam uma resistência contra as forças que em nós e nos outros tendem para a repetição do mesmo, do não deslocamento dos lugares de fala. É político a possibilidade da irrupção de novos atores no que é dado a sentir e dizer.

O que nos abriga a pensar?

Continuando o post anterior.
O que nos abriga a pensar?
Pois eu eu diria que é a democracia. A possibilidade de uma enuciação que desestabilize os lugares, que desestabilize a partilha do que está dado a sentir e a dizer por um determinado indivíduo ou grupo. A presença intempestiva de uma palavra ou a reinvidicação que me obriga a rever meu lugar é o que me obriga a pensar.

Resposta de Suely Rolnik: "O que nos força (a pensar) é o mal-estar que nos invade quando forças do ambiente em que vivemos e que são a própria consistência de nossa subjetividade, formam novas combinações, promovendo diferenças de estado sensível em relação aos estados que conhecíamos e nos quais nos situávamos. Neste momentos é como se estivéssemos fora de foco e reconquistar um foco, exige de nós o esforço de constituir uma nova figura. É aqui que entra o trabalho do pensamento: com ele fazemos a travessia destes estados sensíveis que embora reais são invisíveis e indizíveis, para o visível e o dizível."

Ainda Rolnik citando Deleuze: "a inteligência só é boa se vem depois do pensamento."

Sob o risco do real, Comolli e Deleuze

Estar sob o risco do real, escreveu Comolli para se referir a um princípio básico do documentário. A frase de Comolli é excelente o que a torna altamente operacionalizável. Todo documentário, por pior que seja, está de alguma forma sob o risco do real, o que faz com que qualquer improviso, qualquer gesto não programado que surja no documentário justifique o elogio: "um filme feito sob o risco do real". O real só é arriscado se o que aparece de intempestivo e não programado é aceito, ouvido e vem a transformar o que está dado a ver, a ouvir e sentir.

Usar um câmera de um celular em um programa como Retrato Celular, no Multishow significa incorporar imagens feitas no calor dos acontecimentos, na intimidade, inesperadas; sob o risco do real, como se tornou clichê dizer. Mas qual o risco se todas essas imagens são subordinadas a uma estrutura que antecede o risco e o real?

Em Diferença e Repetição Deleuze escreve:"
só se pensa porque se é forçado". Esse é o risco, que o real nos force a pensar. Talvez seja o que pode o documentário.

8 de nov. de 2007

Pontos de Cultura e democracia

Entrevista como Célio Turino, o secretário de Políticas e Programas Culturais do MinC.
Ele fala da ampliação dos pontos de cultura, dos atuais 650 para 20.000 até 2010.

O projeto "representa o ensaio de um outro tipo de democracia que está fervilhando no Brasil e não é percebida."

Ariel, de Mauro Baptista e Cláudia Jaguaribe

Alguns filmes me colocam em uma situação em que tenho vontade de deixar os compromissos mais imediatos para lhes dedicar algum tempo , entender seus efeitos e construções.
Assim aconteceu com Serras da Desordem, esta semana.

Pois ontem assisti ao curta Ariel, de Mauro Baptista e Cláudia Jaguaribe. Um curta-metragem sobre o pai de Mauro, Ariel.
Novamente o blog é a saída para não abandonar o filme muito rapidamente.

O off em Ariel tem um tom impressionante. Ao mesmo tempo em que é feito na primeira pessoa e enumera datas, fatos e características do pai de maneira compulsiva, ele é também seco, frio, objetivo. O tom encontrado por Mauro faz coexistir de maneira muito forte o filho e o cineasta. O filme para o mundo e as palavras íntimas e pessoais. Essa dupla presença não dá ao filme um excesso dramático que já está na própria narrativa e é isso que nos "permite" estar com essa história, com esse pai, com essa família, com o Uruguai.

Em nenhum momento temos a sensação de estarmos vendo ou descobrindo o que não devíamos, apesar da intimidade não nos tornamos voyeurs. Isto acontece graças a esta escritura, ao off que me conta a história de Mauro e Ariel como uma necessidade, à frequente não coincidência da imagem com o som, aos vazios das casas que aparecem mais como buracos de uma narrativa e de uma relação que o filme explicita e mantém viva.


Crítica de Cléber Eduardo sobre Ariel, na Cinética

7 de nov. de 2007

Digital, cinema e política

Em Juiz de Fora, durante o festival Primeiro Plano, depois da fala do Professor Nilson Alvarenga, que fez uma excelente problematização histórica do dispositivo cinema à partir do efeito digital no universo das imagens, acabei tornando minha intervenção ainda mais política do que imaginava à princípio trazendo três questões centrais à partir das convergências e digitalização das mídias.

O primeiro relativo à responsabilidade sobre as imagens. Ou seja, que ética é possível em um universo em que as imagens surgem de lugar nenhum, como que inventadas, produzidas e distribuidas por um aparato técnico, em uma perversa reinvenção da não-mediação que atravessaria as imagens fotográficas. - (Bazin, obviamente) Como escreveu Foucault: O que é a ética se não a prática da liberdade com reflexão?

Pois voltamos aos casos Cicarelli e Saddam (ver artigo com André Brasil) e toda uma estética da não-medição que ocupa o cinema e a TV em forma de câmeras de vigilância, flagrantes, imagens amadoras etc. Tentativas talvez de compensar um problema de legitimidade das imagens em geral.

O segundo ponto foi em relação à questão democrática mesmo. O que significa pensar o digital e suas potências como lugar de criação e não somente como meio de comunicação. Como pensar essas democratização dos meios de produção e distribuição como algo "escandaloso"? Ou seja, além de produzir imagens, como elas se tornam operantes e existentes. O desafio, claro.

Terceiro ponto, da impossibilidade do capitalismo restringir o acesso ao saber. Talvez das dimensões mais radicais da digitalização geral das imagens e dos sons.

Iracema e Serras da Desordem

Em uma mesma noite, em Belo Horizonte, tive o grande prazer de assistir Iracema, uma Transa Amazônica (1974) de Jorge Bodansky e Orlando Senna e Serras da desordem, (2006) do Andréa Tonacci - um filme estupendo. Se Iracema é um clássico e um filme que permanece absolutamente atual, tanto no tema como na forma, o filme do Tonacci certamente vai se tornar um desses filmes obrigatórios, parte da história do documentário brasileiro. Filme complexo, rico, instigante, para ver e rever.
As opções de montagem e narrativa são desconcertantes. Vi o filme dois dias atrás e tenho saudades.
Etnográfico e godardiano, o filme consegue narrar uma história impressionante sem entregá-la ao excentrico, fazendo e refazendo constantes conexões com o mundo, pela imagem.



Essa sessão foi parte da programação da Mostra Cine BH, com curadoria do Cléber Eduardo.


Ótima crítica da Daniel Caetano sobre o filme.

4 de nov. de 2007

Cinema digital - Notas para um debate

Primeiras notas sobre Cinema digital, tema do debate de terça-feira em Juiz de Fora - Festival Primeiro Plano

Cinema Digital
Um anacronismo
Por um lado falamos de um dispositivo instalativo para exibição de imagens, inventado, como sabemos há mais de 100 anos. Isso parece ser o cinema, um lugar onde espectadores tem hora para entrar e sair e que devem se dispor a recebe luzes na sua frente e som por todos os lados sendo entretanto convidados a não se mexer e a não utilizar o olfato e o tato.
O espectador de cinema é esse sujeito que aceita reduzir suas condições de percepção do mundo para assim ganhar outras, perceber outras coisas.

Esse espectador, se ele nos interessa pouco mudou nesses cento e poucos anos.

Entretanto quando me direciono ao digital, me parece aqui efetivamente estamos diante de algo efetivamente transformador.

Uma transformação que se limitada ao dispositivo cinema – a sala, os espectadores, a imobilidade, etc, é uma transformação muito pequena. O que efetivamente acontece e muito maior e diz respeito a toda uma mudança no universo das imagens e consequentemente, da cultura e dos indivíduos.

É dessa dimensão que me parece necessário partir quando pensamos a imagem digital.

O principal problema me parece então o cinema sob o efeito do digital.

Minha crença no digital depende de sermos capazes de perturbar de maneira compulsiva e significativa os lugares que a produção cinematografíca inventou. Diretor, espectador, produtor, distribuidor, etc.
Lugares esses que são pautados por práticas fortemente anti-democráticas.

Duas palavras então sobre a democracia, uma vez que o efeito do digital é frequentemente pensado como o que democratiza a produção, por ser mais baratos etc. Outros posts sobre o tema, inspirados nas leituras de Jacques Rancière.

A democracia é a possibilidade de qualquer um se fazer contar como participante da comunidade, sem título que legitime tal participação
Ou seja na oligarquia tinha direito a fazer a fala valer àquele que possuem bens.
Na aristocracia, esse direito estava reservado aos “melhores”.
Na democracia - e ai o escândalo da democracia - o direito a fazer valer a fala, o gesto, é direito de todos, sem um título ou legitimação que anteceda a própria fala, o próprio gesto.

Desdobra-se daí a segunda observação em relação à democracia, O direito à fala – pensemos em produção de imagens, por exemplo, - implica que esta fala precisa ser escutada enquanto tal, ou seja que uma imagem, além de produzida precisa ser vista e precisa ter a potência de se fazer presente como o que pode reconfigurar os lugares de fala e de escuta.
Mais claramente, na aristocracia, e na oligarquia, quem tinha direito de dizer o que seria escutado eram os que tinha o título para tal. Os mais ricos, os mais sábios – poderiam ainda ser os enviados por Deus, por exemplo. Na democracia esse título não existe, cabe à própria produção de uma imagem, de uma palavra a função de existir e criar o “ título” necessário para se fazer presente na comunidade dos homens.

O que isso tem haver com o cinema digital?

Se estamos de acordo que o cinema digital implica uma democratização do cinema como um todo. Isso quer dizer duas coisas. Qualquer um pode fazer suas imagens, mas para que essas imagens possam contar como imagens que efetivamente existam, como imagens que fazem uma diferença na comunidade, no que é dado a dizer e sentir, é preciso que elas inventem sua legitimidade e essa é uma tarefa estética e política – inseparavelmente.

2 de nov. de 2007

Udflugt no Rio de Janeiro

Participei hoje da deliciosa performance "walking poem in Rio" do grupo dinamarquês Udflugt
Trata-se de um percurso nos arredores dos Arcos da Lapa. Recebi um mp3 player e fui orientado a caminhar até o final da rua onde uma pessoa me esperava. A partir dai fui sendo levado por pessoas que me fizeram circular pela cidade, escutar sons, me colocam deitado em um carrinho tipo burro-sem-rabo e me levam pela cidade, etc.
Um dos momentos mais fortes foi quando um dos "guias" pediu para eu fechar os olhos e me pediu para andar por lugares diversos, até me colocar deitado, sobre um papelão em que permaneço por longos 5 ou 10 minutos, escutando os carros, motos e ônibus que passam por perto. Ao receber a instrução de abrir os olhos e já dentro de uma relação de grande confiança como meus guias me descubro deitado, um pouco como um morador de rua, no canteiro central da Lapa.
O início da performance também é especialmente interessante porque não sabemos se o que estamos vendo, um grupo de pessoas jogando cartas, por exemplo, é parte de uma cena feita para a performance ou não. Esse efeito vai se diluindo mas não se perde. A performance provoca assim um olhar muito aguçado e estético em relação as coisas mais ordinárias.
Há ainda uma opção por frequentes momentos de breves esforços físicos, o que contribui para mais entrega, mais relaxamento e menos esforço crítico.
A utilização dos sons do MP3 é muito boa. Somos levados a ouvir sons que se confundem com os sons dos lugares em que estamos passando,às vezes multiplicando-o, às vezes se concentrando em um elemento específico.
Descobrir a cidade através destas estratégias que aguçam a percepção, nos demandam vários sentidos e relações de estranha e intensa confiança me parece um projeto intensamente político, apesar do momento mais óbvio, em que somos colocados deitados sobre o papelão.
Se há um problema é de duração, me parece que o tipo e diversidade de experiências que o grupo propõe acabam um pouco diluídas pela brevidade. Cada proposta poderia durar, se estender para além de um tempo que nos entretenha. Talvez por isso eu tenha gostado do momento dos olhos fechados; menos estímulos dilataram o tempo.

1 de nov. de 2007

breve

Toda vida é um processonecessariamentecoletivo.

(post inspirado nas palavras em alemão do blog da Paola Barreto)