2 de mai. de 2020

Diário do entre-mundos 36

Mais de 40 dias e uma normalidade acaba se organizando. O trabalho, quando possível, as tentativas de exercício, os telefonemas com pessoas que nos avisam que estão bem.
No país, o desastre óbvio de ter um admirador da tortura no comando, as gigantescas filas para retirar os 600 reais emergenciais, a desigualdade e violência social que se intensificam.
Mas, mesmo que uma “normalidade”se estabeleça, necessária para o dia-a-dia, para levantarmos da cama e darmos conta de mais uma jornada, tudo isso - o vírus - é de uma tristeza sem fim. Viver nos Brasil é ver essa tristeza se multiplicar sem limites e a todo momento se dar conta de que poucos têm meios materiais para segurar essa onda.
Às vezes, se agarrar à indignação com os fascistas, com a pessoa do supermercado que não usa máscara, com a estupidez de um comentarista de algum canal de TV, acaba nos ajudando a organizar uma energia, um foco de intensidade. Me pergunto, como manter essa indignação – horrivelmente renovada diariamente - sem abandonar a tristeza? Não que a tristeza seja desejável, não que devamos nos agarrar a esse afeto. Mas, antes, os poderes fascistas querem todas a tristeza para eles. Para isso não param de multiplicar a própria pandemia, se apropriar dela como fonte de mais mortes. Até a tristeza global que essa pandemia traz esses poderes querem domesticar, querem organizar no ódio, para que nada novo possa sair do que nos acontece.
Pessoas mascaradas, ar pesado, ruas vazias, distância dos corpos. O sempre tão belo mês de abril no Rio de Janeiro acabou como se os dias esperassem pessoas e vozes, corpo e festas, como se a leve brisa nas árvores esperasse gargalhadas que as movimentassem de verdade.
Talvez esse esboço de reflexão seja movido pela torta vontade de não entregar as forças que resistem à tristeza desse momento aos poderes de sempre. Se fazemos um grande esforço para mais um dia, como fazer com que esse esforço não se estanque no muro da destruição dos imbecis do poder? Como ter a tristeza por perto, o que parece inevitável, sem dobrá-la, sem colocar nela todas as nossas forças, sem domesticá-la nos afetos que já conhecíamos?
-- Diário do entre-mundos 36 --

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