Falava com minha avó essa semana e uma coisa ficou clara. Quem entende de quarentena são eles, os idosos.
Com 94 ela tem limitações para sair de casa: o joelho, os olhos e, certamente, uma falta de paciência para a rua mesmo.
Mas, que estranho mundo esse em que os idosos perderam a palavra. De certa maneira, ser idoso em nosso mundo é lutar, as vezes com agressividade, contra a infantilização que vem de todos os lados. O idoso é visto como aquele que não sabe, que é lento, que se atrapalha, que, em resumo, perdeu não apenas algumas forças como aquele que perdeu o desejo de vida.
Quando está fazendo as coisas, decidindo, eles não agem como esperam os mais novos. Não faz as coisas “como deveriam ser feitas”.
O idoso, a criança e o louco ocupam o extremo de um mundo que normatiza todas as convivências, todas as velocidades e funcionalidades. Eles escapam e com frequência sofrem, por acharem que não podem perder o ritmo e devem se adequar "ao normal".
É como se vivêssemos em um mundo com uma faixa muito estreita de possibilidades de vidas desviantes da norma. Uma norma pautada pelo consumo. Enquanto a criança opera consumindo, é a dona do pedaço. Mas quando requer tempo alargado para realizar tarefas, para não fazer nada, para fantasiar entre o jantar e a hora de dormir, ai dançou. “Vai já pra cama”.
Esse é o lugar do idoso. Distante da rua esburacada, do consumo, e da produção, precisa ser tutelado. Seus gestos como sujeito: aqueles que ainda dizem: eu penso, eu decido, eu resisto, são vistos como dispensáveis, porque estão fora dessa linha estreita do que é “como as coisas deveriam ser feitas”.
Na querentena não sabemos mais “como as coisas deveriam ser feitas”.
Na quarentena, os idosos sabem como fazer!
-- Diário do entre-mundos 46
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