Como o “F*da-se a vida” de outro dia, descobri um pouco mais dessa profissão contemporânea: os influencers. No caso de Pugliese e sua irmã, Marcela Minelli, aquela que em seu casamento várias pessoas foram contaminadas de Covid, uma boa parte de vida é vivida para ser relatada para seus seguidores.
Cada jantar, creme nas pernas, banho de mar, troca de lençol é transformado em um evento associado a uma marca parceira. No Instagram de Marcela Minelli há inclusive uma foto do casamento com várias crianças em que se pode saber as lojas das roupas, clicar nos pimpolhos e cair nos sites. Um modo influencer de trabalho infantil.
Vida e consumo se confundem e, para isso, a câmera selfie tem um uso singular. Na viagem de Marcela para cumprir lua de mel/quarentena nas Ilhas Maldivias, ela e o marido usam os vídeos selfies para se comunicarem com seus seguidores. A todo momento estão juntos conversando com pessoas imaginárias – pessoal, gente, galera, lindos.
A câmera é segurada com o braço esticado, mais alta que a cabeça e de maneira que se possa ver o máximo do corpo sem perder o fundo. Do outro lado dessa câmera-influencer há um público, um espectador, um follower. A câmera é recorrente no cotidiano em que tudo deve ser filmado. É com ela que se garante mais seguidores e mais marcas parceiras, aquelas que pagam para fazer parte do dia-a-dia e faturam se desligando dos influencers se eles degringolam.
No vídeo da viagem do casal o efeito dessa câmera é impressionante. No momento em que eles colocaram a câmera no chão, para gravar uma sessão de yoga ou massagem, não me lembro, a presença daqueles olhares vindos do alto, que tudo acompanham, sedentos por mais banalidade, por mais consumo, não desaparece. A vida do casal é então tomada por uma instância superior ao qual eles devem prestar contas e se exibir sem parar.
O jogo se inverte. A câmera que documentava o cotidiano passa a domesticá-lo. Os seguidores deixam de ser passivos olhares que devoram uma vida idealizada e se tornam organizadores da vida alheia. Talvez não sejam eles os verdadeiros influencers.
Se nas primeiras imagens do casal em um hotel elegante sobre as águas transparentes temos a impressão de observá-los, depois de muitas câmeras-influencers temos a impressão que os controlamos. Os influencers passam assim a se dirigir sempre para nós, olham sempre para algum lugar vago no alto e a curta distância, esteja a câmera lá ou não, falam com frequência com o pessoal, mesmo se estão sozinhos. “Você falou comigo?” “Não amor, tava falando com a galera”.
Ali no lugar da câmera se materializa o poder, uma força coercitiva que limpa toda a desordem do cotidiano, que organiza a vida, que molda os corpos, que dá as ordens. Ali no alto, para onde os influencers acenam no bom dia e no boa noite, se instala uma força de domesticação, um super-eu que tem ponto de vista e posição de câmera.
Talvez por isso a fala de Gabriela Pugliese tenham me impressionando. Justamente com essa câmera-influencer ela fala f*da-se a vida e destrói – pelo menos por hora – o poder dessa instância de controlar e submeter, poder de produzir centenas de gestos cotidianos dirigidos aos consumidores-controladores.
É claro que a influencer não está separa de nosso mundo. Ali no alto, para onde eles direcionaram suas vidas, ela encontra milhões de nós prontos a domesticar-consumir nossos influencers.
A nós, resta saber que disponibilidade temos para não domesticar vida alguma.
--Diário do entre-mundos 35 --
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