A vida é feita de pequenos e grandes nós, circulamos entre esses nós. Imagine uma rede de um pescador, mas sem fim, com nós de tamanhos diferentes e espaços variáveis entre eles.
Uma relação de trabalho, um processo criativo com um grupo, uma terapia, uma relação amorosa, uma revolta com o vizinho, um grupo de estudos, a leitura de um autor, as noites de sonho, as relações familiares, etc. Circulamos entre esses nós colocando mais luz e energia em um, deixando outros nós se desfazerem. Entre os nós há uma circulação, um caminho, passagens que levam ressonâncias de um nó a outro.
O sofrimento está frequentemente ligado à ênfase excessiva que eventualmente colocamos em nó: “não consigo parar de pensar na minha respiração durante a pandemia”, “esse presidente assassino não me deixa pensar em mais nada”, “se não fosse meu irmão, minha vida seria completamente diferente”. Mas, também o grande prazer ligado à intensificação de um desses nós pode se desdobrar em sofrimento: a mãe que com o filho vai perdendo as circulações entre outros nós, colocando toda sua força desejante em apenas um nó e as ramificações que saem dalí: alimentação infantil, literatura e música para crianças etc. O mesmo pode acontecer na paixão.
O enfraquecimento de uma multiplicidade de nós da circulação entre eles, em algum momento cobra um preço. Uma saúde não é separa da possibilidade de uma máxima intensificação em um nó, sem o abandona da circulação entre outros.
É na circulação que deixamos de ser uma coisa e precisamos acessar outras formas de ver, viver, relacionar. É na passagem entre nós que levamos os afetos de um ponto a outro ou nos livramos do que nos intoxica. Nessa circulação há um espalhamento do eu na rede, uma saúde. Essa circulação entre os nós é intelectual, afetiva, sensível, mas também material. Efetivamente se sai de um lugar e se vai para outro.
O que acontece com isso tudo nesse momento? Vivemos uma instabilidade nos modos de manutenção e construção desses nós e das circulações que se dão entre eles. A pandemia traz uma instabilidade nos nós que de alguma formam garantiam um chão necessário para movimentos mais dispersos, mais excêntricos aos grandes nós. Nas relações de trabalho, de grana, de amizade, o que parecia relativamente estável, agora ganha uma suspensão, uma soltura. O nó se fragiliza.
A tendência pode ser um grande apego aos grandes nós: “Fulano nunca comprou tanta coisa como agora na quarentena”, “Beltrano voltou para a casa dos pais e se garrou nisso”, o nó do consumo ou das relações parentais ganham ênfase na tentativa de um chão, por exemplo.
A tendência pode ser um grande apego aos grandes nós: “Fulano nunca comprou tanta coisa como agora na quarentena”, “Beltrano voltou para a casa dos pais e se garrou nisso”, o nó do consumo ou das relações parentais ganham ênfase na tentativa de um chão, por exemplo.
A fragilização das múltiplas estabilidades da rede é um grande desafio para todos. Como se autorizar que nesse momento alguns nós se fragilizem sem a busca desesperada de uma rede com o mesmo tensionamento, com a mesma amarração? Como se autorizar uma rede mole sem buscar hipertrofiar nós?
Ao mesmo tempo, é nessa suspensão dos nós estáveis que se abrem outras possibilidades de circulação. Talvez não se volte para o mesmo lugar quando for possível ir. Dá medo, mas em mar revolto o manejo da rede não é nada fácil.
-- Diário do entre-mundos 37 --
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