14 de mai. de 2020

Diário do entre-mundos 48

“Eu tenho uma biografia a zelar! “
A expressão de Moro causa medo. Se ele não tivesse uma biografia, um passado e uma imagem, se suas decisões dependessem só do presente, o que ele faria? Se fosse responsável pelo agora, como agiria?
Essa expressão diz assim: se eu não tivesse uma imagem - que me permite dar palestras caríssimas e até pensar em ser presidente - eu chutava o balde. Deixava a PF nas mãos da milícia, protegia 01, 02 e a tabuada inteira. Mas, infelizmente eu não posso, tenho uma biografia. O presente não importa, o que importa é essa imagem que tem valor.
A expressão deixa claro o narcisismo sem fim que move suas ações. Não se trabalha por convicção, mas porque se tem uma história pessoal, uma biografia. Antes de qualquer coisa, o eu.
E mais, por que não alterar a biografia, que apreço tosco é esse em algo parado no passado? O presente para que serve? Para ficar realimentando uma história já escrita. Meu pai me ensinou.... Politicamente é irrelevante o que o seu pai te ensinou. Relevante é o que você faz agora.
Esse apego a escrever uma vida coerente ou escrever uma vida como uma carreira, aponta para a subserviência de Moro à normatividade geral – poder do capital, moralismo. Quem realmente enfrenta os poderes não pode temer pela sua biografia, ela será detonada. Como ser relevante na cultura, na sociedade, com tal apreço por uma história pessoal, como se fosse isso que contasse?
O egocentrismo desse personagem é, na verdade, uma obsessão em sempre estar prestando contas aos poderes. O “eu” aqui se confunde com esses poderes. Eu sou o poder, não devo frustrar esse poder. Devo obediência. Devo zelar.
Eu tenho uma biografia a zelar é a frase da obediência, da subserviência, do sujeito subjugado. No fundo a minha biografia não me pertence, ela não é algo que eu escrevo, mas algo que eu devo satisfazer sem falha.
O paradoxo que ele desconhece: por um lado, Moro não pode perder o controle de sua biografia, por outro, a biografia não é controlada por ele. Como poderia haver um melhor personagem que Moro para a política no Brasil? Um fantoche obsessivo que transforma sua subserviência em atividade.
E nós, e se não tivermos nenhuma biografia a zelar depois da pandemia? Seguramos essa onda, essa liberdade?
--Diário do entre-mundos 48 --

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