22 de fev. de 2014

Freixo no O Globo

Depois do tosco e triste episódio em que O Globo conecta o Marcelo Freixo à trágica morte do jornalista, leio hoje a resposta do deputado no jornal e a acho fraca e no limite ingênua.
O que está em jogo na articulação que a Globo faz entre essa morte, os manifestantes e os políticos é menos um ataque pessoal ao deputado do que um desserviço à democracia e ao jornalismo.
Ao usar o seu espaço para dar explicações, o que o deputado faz é entrar no jogo do jornal. Tudo que parece interessar o Globo é essa disputa pelos meandros do que é fato ou ficção, enquanto a discussão de fundo é sobre o modo como rádio, jornais, sites, tvs abertas e pagas se articulam para produzir verdades fazendo uso de um excesso de poder, nada democrático.
Os absurdos dessa história merecem um reflexão sobre os meios de comunicação, sobre o modo que o jornal desrespeita os jornalistas que até hoje ali trabalham e sobre o país mesmo – com suas organizações de poder e comunicação.
Fora isso, essa tragédia do jornalista, essa vítima óbvia, tem também os próprios jovens como vítimas. Participaram acidentalmente e irresponsavelmente de uma morte, se isso for provado. Parecem ter pouquíssimos recursos argumentativos para se explicarem, foram envolvidos em uma armadilha desejada por um grande meio de comunicação e são defendidos por um advogado que ajuda a incriminá-los. A fragilidade dos jovens veio a calhar para muitos.
Já Freixo deveria antes dizer: minha história não importa diante desse fato com vítimas reais, sobretudo os que até hoje morreram nas manifestações e os que efetivamente tem suas vidas consumidas pelas narrativas jornalísticas! O deputado faz o contrário, individualiza e responde defendo a sua história. Isso é pouco, ou ele acha que até aqui a sua história dependeu da Globo e agora estaria sob ameaça. Pelo contrário. Talvez não haja mais nada a ser revelado sobre os violentos recursos narrativos utilizados pelo jornal, está tudo ali, explicito.
Não há análise de discurso necessária para entender as operações do jornal. O que importa é a máquina em que ele funciona e faz funcionar, com seus recursos publicitários, conexões com o estado e empresários, políticos, etc.
Enquanto isso, hoje, sinto o gosto da derrota ao pagar 3 reais para pegar um ônibus.

12 de fev. de 2014

Porque falar em resistência ao capital?



Com frequência aproximei as manifestações contra a Copa e pela tarifa zero, como movimentos de resistência ao capital e pela democracia.
Essa afirmação pode parece óbvia, mas continua causando espanto em muitos que acham estranho virmos a público dizer que o Capital precisa de limites e que sua ação é sempre violenta contra aqueles que nas ruas ou em práticas cotidianas não se submetem às suas forças como se naturais elas fossem. Para as forças do capital, a democracia, a direito de qualquer um atuar politicamente na cidade, é irrelevante, pois seu foco é outro.
Para ser mais didático, quando critico o capitalismo, seus macro e micro-fascismos, isso não significa nenhum elogio a qualquer outro tipo de sistema político econômico que conhecemos.
É apenas triste ouvir algo do tipo: - se você não gosta do capitalismo, vai para Cuba. Ter que contra-argumentar a partir de uma afirmação desta é parte dos micro-fascismos do capitalismo. Ou seja, retirar a legitimidade da crítica apontando para macro-sistemas, obviamente falidos, como se trabalhássemos sempre dentro de uma dicotomia ou nós – o capitalismo como prática e regime econômico político – ou eles – inviáveis no mundo contemporâneo. O que parece difícil para muitos é entender que é dentro do capitalismo - ou nosso mundo - que pensamos.
Nesse sentido, o fundamental aqui é entender que o capitalismo não é um sistema de governo ou um sistema de trocas escolhido por estados-nação. Bem mais complexo, o capitalismo é hoje o centro organizador de uma infinidade de práticas subjetivas, políticas e, obviamente, econômicas. Dito isso, entendo que a luta é interna a ele.
A universidade pública, por exemplo. Por uma lado ela é evidentemente uma resistência à centralidade das trocas fundada nos ganhos de capital. Sendo estatal, ela depende de enormes esforços sociais para continuar existindo à margem da centralidade do capital. Entretanto, no seu interior as práticas tipicamente ligadas ao capital são presentes: competição, urgência de ganhos, estímulo à distinção por títulos e verbas, etc.
Ou seja, quando falo de uma crítica ao capital, mais do que uma negação genérica do capitalismo – o que seria ingênuo e inócuo – estou pensando nas possibilidade que temos em inventar o comum e a democracia e isso não se faz sem tensão com as práticas capitalistas.
Voltemos à passagem de ônibus. Em um país capitalista como a França, por exemplo, um trabalhador gasta aproximadamente 1/35 do salário mínimo para se locomover livremente e sem limites na cidade. No Rio de janeiro o trabalhador gasta 1/5 do salário mínimo para ir e voltar diariamente de sua casa ao trabalho. Ou seja, não se trata de ser contra a presença de empresários no transporte, mas de um problema de centralidade da prática capitalista e do nível de resistência que uma sociedade foi capaz de construir. É óbvio que tarifa zero é mais democrática que a restrição em ir e vir feita por princípios econômicos, mas se a tarifa zero não é possível no momento, qual o princípio que norteia o preço da passagem? O ganho de capital ou o princípio de que este é um bem comum onde não cabe a distinção pela situação econômica? Isso posto, torna-se risível qualquer argumento que oponha a tarifa-zero à qualidade do transporte. O mesmo vale para a água, para a escola, para a saúde. A riqueza produzida pelo homem deve, antes de tudo, garantir que esses mesmo humanos não sejam alijados do que lhes garante viverem as suas potências de vida, trabalho e invenção.
Necessário repetir? As lutas micropolíticas, são formas de tensionar o capital, porque no mundo contemporâneo, não estamos no tudo ou nada, mas em embates cotidianos em que se disputa no detalhe o direito das formas de vida não serem submetidas às regras totalizante do capital – uma ordenação que não vê problema algum em servir àqueles que podem participar de suas maravilhas e de suas forças de invenção e excluir totalmente os que não podem ou não compartilham de seus princípios e meios.
O que está em jogo nas críticas à Copa e nas manifestações contra o aumento de passagem é, justamente, porque vivemos um momento em que se evidência que as encantadoras forças do capital são também aquelas que nos levam para o fundo e nos sufocam. A sedução da presença do Brasil como um “player” mundial vem acompanhada de uma intensificação de práticas totalitárias e excludentes – o que não é estranho a todo e qualquer movimento do capital – mas como não estamos no tudo ou não e como nosso mundo se constitui nas formas que temos de inventar o comum e o democracia, nos resta resistir. Outra possibilidade é aceitar o mundo feito para uns e não outros – o que definitivamente não é nada natural.

2 de fev. de 2014

Forças repressivas

Quando as manifestação agem na direção da democracia e ameaçam o roteiro do capital, a violência dos poderes é colocado na rua.

Os poderes que operam no cotidiano de forma molecular são obrigados a se fazerem presentes, falar alto, agredir.

Se o capital que opera sobretudo nos processo subjetivos faz água, é na força que os sujeitos serão dobrados e para as isso as instituições repressivas se fazem presentes: 1) novas leis anti-manifestações e reunião de grupo, novas formas de nomear e limitar os poderes dos sujeitos quaisquer. 2) a repressão se faz pela história e somos avisados que o futuro é um peso e não uma invenção. A repressão histórica nos culpabiliza gritando: Atenção! Não se mexa – assim como fazem os ladrões – não invente, não se revolte! Isso não é bom para o país no exterior, ou a direita pode ganhar as eleições. A história é entendida como um movimento homogêneo: exigir tarifa zero é colocar a carroça na frente dos bois.3) Culpabilizando os processos: Estamos em outro momento. Isso vai dar merda.

Todas essas forças repressivas, frequentemente vindas da esquerda, operam na negação das mutações dos desejos – do jovem, da criança, do velho , do pobre – que acontecem no interior mesmo do capitalismo, mas que tem a democracia como norte. E sul.

31 de jan. de 2014

O transporte no centro do jogo democrático.

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1 - o óbvio: moradia e transporte constituem os direitos mínimos na cidade.
Em um país onde uma massa de pessoas anda a pé porque não podem pagar o transporte ou em que o bilhete de ida e volta todos dias do mês consome um quarto do salario mínimo, a luta pelo transporte é central para que a democracia possa existir.
Para que o povo, o homem comum, possa usufrui e ter direito à cidade e à política ele não pode ser isolado de sua circulação.
Tarifa zero não é uma utopia mas o exercício da democracia.
Para a tarifa zero ser um projeto de longo prazo o preço transporte urbano não pode nunca mais subir.
2 - Quando vejo as imagens dos trabalhadores pulando as catracas da central o que está em jogo é a evidência de que as regras acordadas pelos poderes atuais colocam em risco a democracia mesmo, afogando os direitos dos cidadãos.
3 - Uma democracia se fortalece quando ela garante espaço de liberdade aos contra-poderes e a desobediência civil é inerente à democracia. Não aceitar o aumento da passagem é apenas uma antecipação da cidade que está sendo construída. Podemos fazer a tarifa zero lentamente, sem aumento. Mas se houver aumento ela será feita rapidamente, pulando-se a roleta, garantindo-se a democracia.

27 de jan. de 2014

Cada um no seu quadrado

Esbarrei hoje em um texto do Daniel Bensaïd sobre a atualidade do Manifesto Comunista e ele me fez pensar em um conversa com amigos muito críticos àqueles que tem o usado o "não vai ter copa"
Logo no início ele cita aquele passagem clássica:
"Tudo o que era sólido desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar friamente sua posição social e suas relações mútuas”
Depois o Bensaïd continua para pensar a Globalização dos anos 90 (o texto é de 98).

Se há um processo de transformação dos lugares sociais - pela educação, consumo, estética, trabalho - o que a Copa traz - pelo menos em seu imaginário, fortemente sedimentado pelo estado e pelo capital - é justamente o contrário, ou seja, um esquadrinhamento duro das posições sociais e das relações de classe.
Para a Fifa pobre é pobre, rico é rico e a mulata...
Enquanto temos um país que se transforma, a Copa aparece como símbolo da negação dessa transformação.
No meu entender não há uma linha de continuidade melhorias sociais - Copa do Mundo. Pelo contrário. Simbolicamente a Copa é muito mais conservadora do que os processos de transformação social em curso.
Nesse sentido, não acho justo colocar aqueles que se manifestam criticamente em relação à Copa como opositores do país ou como opositores dos pobres.
Também me parece injusto cobrar dos críticos uma adesão ao governo, mesmo que seja o governo que apoiamos. Tal exigência reduz excessivamente a ideia mesmo de democracia.
Ao que tudo indica; vai ter Copa.

11 de jan. de 2014

Na agência de Publicidade 2

- Tá todo mundo achando que o índio é o que tá levando a pior agora.
- Pra esse pessoal, Copa e capitalismo é a mesma coisa.
- Eles misturam tudo: índio, Coca Cola, Copa...
- China...
- Que China porra?
- Sei lá... China, tudo agora é China...
- Caralho!
- Porra, se tiver manifestação por causa de aldeia, por causa de índio, de remoção e essas porras todas durante a Copa, pra gente é uma merda!
- Uma merda.
- Uma merda.
- A gente tem é que dizer que a Copa é de todo mundo.
- A gente já disse.
- eu sei porra... No anúncio do nordestino com o sem perna.
- Já ganhamos um prêmio com aquele filme!
- E premio para manifestação, porra?
- Na China não tem manifestação.
- Porra, tu pode acabar com essa história de China?
- Mas é que...
- é isso.
Silêncio na reunião. Todos olham os iphones discretamente.
- É isso. Temos que trazer o índio para o nosso lado.
- Claro.
- Será que não vai ficar com cara de cota?
- Que?
- Porra de cota!
- É assim: o sem perna e o nordestino estão funcionando.  O pessoal tá entendendo que a Copa é de todo mundo.
- Ontem queimaram uns pneus na Mangueira.
- A Mangueira apaga essa porra de incêndio.
- hahahahaha!
- hahahaha!
- Então é nessa linha que vai.
- Agora é índio.
- Depois os crackeiros!
- Porra, ai também não.
- Manda fazer o cartaz do Indio bebendo Coca, diz que a Copa é de tododumundo e depois a gente pensa nessa história do crack.
- Valeu galera.
- Partiu!
- Fui.
- Já é!

4 de jan. de 2014

A terra

Na imprensa,
Onda de frio e calor no mundo é uma questão de records e não de capitalismo.

2014 - o povo ignorante de O Globo

Editorial do O Globo de hoje.
Não é possível um plebiscito sobre a reforma política porque o povo é ignorante.
"Como o eleitorado pode decidir com equilíbrio entre "lista fechada" ou "aberta" se a grande maioria da população não tem ideia do que se trata?"
A retórica de que o povo não sabe escolher, não sabe voltar, não consegue se informar abre o ano para a elite.
Para esses mesmo é insuportável que o "eleitorado" frequente shoppings, aeroportos, universidades ou saia nas ruas para manifestar, afinal de contas, em suas ignorâncias, eles não sabem o que querem.
O ano promete.


A lógica do Jornal é a mais simples. Existem os que sabem e existem os outros. Existem os que tem legitimidade para falar e os que não. Existem os que tem autorização para decidir sobre o país - pela grana, pelo diploma, pela fama - e os que obedecem. Para isso é importante manter uma democracia controlada pela mesma lógica - grana e fama. Qualquer coisa que possa embaralhar esses papéis ganha nomes bem específicos: caos, vândalos ou povo mesmo.


Lembrando:
ABC da Greve - Leon Hirzman 1979.
Na fábrica o industrial diz: "nos paises comunistas nós não vamos encontrar um diálogo franco entre industrial e empregado. Nós aqui não temos distinção. Então, a abertura que o governo deu, em parte ela é boa. Vamos convir uma coisa: que ainda o nosso povo não está preparado para uma abertura total. O povo brasileiro teria que amadurecer mais um pouquinho para ele entender um pouco melhor o que é democracia"

Reveillon em Copacabana

No maior reveillon do mundo as ruas ficam tomadas por publicidade com "temática de cinema."
é assim que a franquia Rio2 apresenta seu design triste para a política de boa vizinhança do momento.




Há um espaço em disputa, entre aqueles que tem o direito de usufrui a cidade, a vista e tudo que a cidade tem para nos oferecer e a forma como essas coisas se tornam comodities apropriáveis pelo capital.
É duro ver a paisagem de Copacabana ocupada por palcos, vinhetas da Globo e essa publicidade tosca.
Mas, ocupar o espaço é mais do que uma distribuição do território da praia, é uma ocupação simbólica. Aquilo que era a festa para Iemanjá, com as luzes e sons, expulsou aqueles que inventaram a festa na beira do mar, por exemplo.
As coisas mudam, é verdade, mas essa publicidade, mais do que pagar a festa, defini o festa e a cidade, e ai, como sabemos, quando a cidade está entregue ao capital, é a barbárie.


Voltando à publicidade. Ela explicita como estamos em uma cidade que produz limites muito frágeis contra a barbárie do capital.
A mesma força que ocupa o espaço público com logos gigantescas é a que faz o recolhimento compulsório de menores.