Uma das belas invenções do cinema do pós-guerra foi a criação de mundos em que múltiplos tempos eram possíveis. Passado, presente e futuro acontecem de maneira simultânea, até o ponto em que não são mais distinguíveis: um determinado evento – um encontro amoroso, uma morte, uma guerra – acontece e não acontece, simultaneamente. Mais que temporalidades, são mundos que são compossíveis. Mundos que são reais e não reais ao mesmo tempo.
Que mundo teremos pós coronavirus? Claro que não sabemos ao certo, mas uma parte da angústia do momento é viver futuros compossíveis: um mundo que desaba e um outro mundo: com outras velocidades, outras relações de alteridade, outras formas de cuidado.
Isso significar dizer que o coronavirus tem um lado positivo? Não é assim que a questão deve ser colocada diante do acontecimento. Diante do que nos acontece somos atravessados pela angustiante compossibilidade de mundos e com eles temos que conviver: um mundo que se vai e outro que não chega.
No presente em que o futuro como continuidade é tensionado por um futuro como ruptura, o que colocamos em questão é o próprio passado. Temos a estranha impressão que estávamos sendo enganados – por nós mesmos - em nossas urgências e prioridades. Por que vivíamos assim até aqui? O que esse acontecimento nos trás é a impossibilidade de nos esquivarmos das durezas e exigências de um presente que desarruma passados e futuros.
Rejeitar a evidência de que estamos entre mundos pode ser um desastre para a saúde individual e coletiva.
Nesse filme teremos que ficar até o final, mesmo que não estejamos entendendo muita coisa.
-- Diário do entre-mundos 10 --
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