O isolamento produz mudanças nas formas de comunicação. A cada dia há o retorno de algumas pessoas, de velhos amigos, amores e afetos. Somos atravessados pela morte. Não necessariamente a nossa, mas de alguns e, certamente, de um mundo.
- Não vou deixar isso tudo acabar sem falar com ele.
- Preciso saber dela antes que acabe, – não sabemos bem o que, mas que acabará é uma certeza.
- Preciso saber dela antes que acabe, – não sabemos bem o que, mas que acabará é uma certeza.
E assim perguntamos por amigos, respondemos a chamadas distantes que fazem a pergunta fundamental: como você está dando conta de toda essa exigência?
Sim! São gerações que não imaginaram que passariam por tamanha exigência. Exigência de um corpo, de uma saúde que dê conta do isolamento, das velocidades enlouquecidas do momento, de uma saúde que suporte as perdas, os medos, o outro como contágio. Logo ele, logo esse outro, essa rua que nos garante um chão! No final das mensagens delicadas, amorosas, desejosas de alegria, aparece um frequente: se cuida.
A cada vez que leio esse “se cuida” preciso fazer um esforço para guardar a alegria da mensagem. Se não bastassem todos os poderes, mídia, informações que não param – e provavelmente com razão – de dizer que nada podemos, que nossos rostos devem ser cobertos, que o outro é mortífero, ainda recebemos o carinho do “se cuida”.
O “se”, do cuida, parece corroborar a distância do outro, enquanto que o vírus nos explicita que não há distância total possível. Por toda parte é com esse outro ao nosso lado que trocamos. Quando entro no taxi troco fluidos, quando vou ao supermercado, universidade, tudo.
Sim, cuidarei de mim te escrevendo, sabendo de você, disponibilizando esse tempo que na casa tem dificuldade de encontrar medidores. Sim cuidarei. É o que temos feito.
Mas o cuidar pode ser também uma não-manutenção, não repetir o que conhecemos. É preciso chegar vivo alí na frente, mas que o cuidado não seja só conservar, que o cuidado seja atravessado por estranhamentos, pela possibilidade de um novo corpo. “Se cuida” poderia ser me cuida. Ou só: cuida.
E o desejo que desse mundo que desaba apareça um cuida.
-- Diário do entre-mundos 8 --
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