E depois de um mês de quarentena, vivemos mais um estranho processo no acontecimento. Uma mistura de naturalização do disparate: a cidade vazia, as pessoas com máscara, o excesso de casa, a impossibilidade dos encontros, a omnipresença digital, as dores e mortes, a terceirização de tudo pela elite.
Tudo que não parecia nosso mundo é o mundo com o qual temos que conviver. Ele não deixa de ser triste e estranho, mas vai se tornando nosso mundo.
Vamos espremidos entre a aceitação dessa condição e o espanto, o susto em estarmos vivendo uma rasteira nas bases e expectativas, no passado e no futuro. Vamos naturalizando o disparate.
Subitamente nos damos conta: não é uma ficção, tá rolando mesmo.
Esses sustos, em que somos surpreendidos em nossa adaptação, flagrados em nossa acomodação ao que era inimaginável, são importantíssimos.
Esses sustos, em que somos surpreendidos em nossa adaptação, flagrados em nossa acomodação ao que era inimaginável, são importantíssimos.
É dessa linha que estranha nossa capacidade de aceitar que poderemos extrair forças para fazer disso tudo um corte, uma pausa, uma exigência ao pensamento, uma eleição das prioridades e urgências.
É desse susto com nossa própria capacidade para suportar que poderemos também lembrar de nossa energia para o que não é suportável, agora e depois que isso tudo acabar.
Fazer do acontecimento uma memória do inaceitável, talvez seja uma ética para esses tempos.
Fazer do acontecimento uma memória do inaceitável, talvez seja uma ética para esses tempos.
-- Diário do entre-mundos 23 --
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