Crianças em casa, escolas fechadas, ensino a distância, home-schooling, radical baixa de poder aquisitivo, etc. Que grande desafio esse momento traz para a educação.
Uma das marcas da educação do pós-guerra, e Paulo Freire foi muito importante nisso, é a impossibilidade de separarmos a educação das coisas do mundo. Ou seja, a educação não é uma coisa que está pronta, enquadrada e que se faz sem que o mundo do estudante seja considerado.
A entrada na universidade pública de uma massa de estudantes de baixa renda nos últimos anos, por exemplo, deixou claro para todos como essa presença muda tudo. Mas muda porque nossa sensibilidade, marcada por essa pedagogia que acolhe a alteridade, é permeável aos novos mundos que ali chegam. Ou, assim deveria ser.
Nesse entre-mundos de Covid, a educação que se quer sensível ao universo dos estudantes – e dos seus trabalhadores – não pode deixar de lado a complexa situação que estamos vivendo. De outra maneira, só a alienação e a violência.
Subitamente muitas escolas falam em home-scholling, começam a colocar em prática online uma série de atividades, conteúdos, palestras, exercícios. Isso em si não é um problema, desde que esteja claro para todas as partes que esse processo não substituirá a escola em si, onde o universo do estudante é parte da educação.
Como falar em home-schooling onde falta home? Ou, como falar em educação a distância – EaD - com estudantes que não possuem computador ou privacidade? Como exigir dos pais o acompanhamento dos trabalhos se muitos não têm onde deixar os filhos e não pararam de trabalhar?
O súbito ensino a distância impôs à muitos professores, em universidades inclusive, a migração imediata de suas aulas para um universo virtual. Essa passagem imposta é mais uma camada do tipo de exploração que a educação hiper-comercializada exige. Isso significa que a EaD é ruim? De forma alguma, significa que ela precisa ser respeitada como uma prática que requer trabalho, tempo e investimento pedagógico. Não se trata de um tapa-buraco para quarentenados.
No universo das escolas privadas, muitas se negam a negociar as mensalidades com os pais. Tratam a questão financeira como se absolutamente nada estivesse acontecendo. A alienação é radical. É compreensível que Paulo Freire tenha se tornado o paradigma do esquerdista: nesse caso, sua pedagogia levaria as escolas a terem que reconhecer que o mundo existe. Que talvez tenham que diminuir seus lucros, negociar alugueis, gastar menos em publicidade. Sair da alienação é considerar que a educação se faz com com pessoas, estejam elas em casa ou não.
No momento em que um mundo desaba, a educação pode olhar esse mundo e acolher o que se passa ou simplesmente subir os muros que a separam das ruas.
Enquanto as vidraças não quebram, se agarram aos restos.
-- Diário do entre-mundos 12 --
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