24 de abr. de 2011

Cidade-produto





Postei esse vídeo há alguns dias no Facebook e desde então não o tiro da cabeça.
            No meio desse mar de clichês, uma ideia central: a cidade é um produto. Certo, quando precisamos vender o Rio para o turistas, para os consumidores de Copa do Mundo e Olimpíadas, vendemos a produto Rio de Janeiro. Mas, essa dimensão produto não para por ai. Se a cidade é pensada como produto, o que acontece com os investimentos públicos, o que acontece com os moradores, será que o melhor produto é também a melhor cidade para os moradores, sobretudo os pobres?            
            Se esse vídeo é perturbador é porque ele aponta para o futuro do Rio de janeiro, esse laboratório do capitalismo cognitivo em que o desafio é transformar modos de vida em produtos vendáveis, em informação. 
Turismo e democracia
            Para isso esse deslocamento, das vidas ao produto, o turismo é decisivo. O turismo talvez seja hoje o elo que transforma todos os espaços em matéria maleável e desubjetivada. O turismo é o choque de ordem que funcionaliza a desordem. De Paris à Rocinha, a presença humana local precisa ter a medida correta das demandas do comprador: Favela chique em Paris, café expresso na Rocinha. O turismo torna os espaços uma abstração, regula as experiências e objetiva os moradores, todos eles prontos para se tornarem parte de um cenário gentil em que até o mau humor pode ser capitalizado.
            O risco do turismo é ser apenas o choque de ordem que estanca a criação e interrompe a invenção para capitalizar, para transformar vida em produto. Na linha de Henri Lefevre, quando ainda nos anos 70 falava de um direito à cidade, precisamos lembrar que este direito não passa pelo direito de consumir a cidade, mas de vive-la democraticamente, ou seja, direito de fazer de uma vida qualquer uma vida que faça diferença na cidade. Ou seja, o direito à cidade implica que qualquer vida que não faz pleno uso de suas possibilidades em uma cidade, se torne um dano a ser reparado.  Trata-se de uma noção radical de democracia, mas esse é um dos escândalos da democracia, como diria o Rancière. 
Vidas em disputa
            Na cidade, é o cotidiano - o banal e corriqueiro  - que está em disputa. As armas do capital são claras, trata-se de tornar os modos de vida consumíveis e os espaços públicos cenários. Da mulher brasileira aos novos museus em portos renovados, o habitante é divido em duas categorias; aqueles que são consumidos e decoram a cidade com seus modos de vida singulares – vendedores nas praias, torcedores nos estádios, capoeiristas no centro, etc -  e a massa que consome e é espectadora do povo e da urbs.
            Estranho paradoxo. Por um lado são as pessoas e suas formas de vida que alimentam o imaginário da cidade, ao mesmo tempo são elas mesmas que são consumíveis. Parece ter chegado a hora em que os mais diversos poderes decidiram que é o momento de capitalizar, transformar em produto, com os dois mega eventos, esse descontrole inventivo que atravessa a cidade e que é parte de seus moradores.

Direito à cidade
            A cidade não é o lugar onde as coisas acontecem, os comunidades e os sujeitos aparecem e se constituem, a cidade é formada por esse aparecimento. Rua de mão dupla, a cidade é condição de possibilidade para a existência social e desdobramento dessa espaço de sociabilidade em que há a possibilidade de se conjugar o interesse social e o interesse individual. Nesse sentido é possível falar de um direito à cidade que é inseparável dos direito dos cidadãos.
            Antes de ser um espaço onde os indivíduos reclamam seus direitos, é a organização espacial e estética da cidade que permitirá ou não que esses direitos possas existir para serem reclamados quando não contemplados. A partilha da cidade é anterior a um ordem entre aqueles que tem direitos e outros que não tem, a partilha é entre aqueles que tem direito de ter direitos e os que não tem direito de ter direitos. Tal partilha esvazia a cidade como condição de possibilidade para a sua própria transformação.
            Quando a cidade se torna apenas um produto é toda sua dimensão política e conflitual que deve ser deixada de lado. Ter direito à cidade hoje é uma urgência política concreta, um problema ético urgente. Os mega-eventos podem facilitar um choque de democracia. Esse parece ser o desafio.

 


11 de abr. de 2011

Universidade e mercado no capitalismo contemporâneo






Universidade e mercado no capitalismo contemporâneo: reflexões sobre o caso do cinema e do audiovisual
Por Cezar Migliorin

No último final de semana de março, dezenas de professores de cinema ligados ao FORCINE  (Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual) se reuniram nas confortáveis instalações da FAAP para debater o ensino de cinema e audiovisual no Brasil. Uma das questões centrais desse último encontro foi a relação entre as universidades e o(s) mercado(s). O debate não é novo, mas nesse momento em que o trabalho, não só no cinema, mas em toda a economia, vem sofrendo profundas transformações, a discussão parece ganhar urgência.

Deslimites do trabalho

            De certa maneira estão todos a se perguntar; para onde vão nossos alunos? que tipo de trabalho farão? Estarão preparados para “o mercado”? Apesar das inquietantes perguntas, precisamos dar um passo atrás para refletir sobre elas. Talvez uma das mudanças mais significativas hoje no campo do trabalho seja a dificuldade de separarmos o que é o mercado e o que não é. Trata-se de um evidente desdobramento contemporâneo que tende a borrar as fronteiras entre o que é o dentro e o fora do trabalho. No Facebook estamos trabalhando ou não? Quando escrevemos uma crítica, de graça, para um blog, quando fazemos um vídeo e colocamos no Youtube,  quando conversamos sobre cinema em um cineclube que acontece em um bar, quando mandamos comentários para um jornal, etc. Estamos trabalhando ou não? Em muitos campos o deslimite do trabalho é a regra.
            Em recente campanha da Rufflles a marca de batata frita, quem inventar um novo sabor a ser adotado pela empresa ganhará 50 mil reais e passará a receber 1% do lucro, a empresa pede ainda que a pessoa mande a imagem que o inspirou, facilitando a campanha publicitária que será feita; todos com mais de 18 anos podem participar. Em uma outra companha, a seguradora Heritage Provider oferece 3 milhões de dólares para o pesquisador que inventar um software que permita a seguradora calcular com mais precisão os riscos de saúde de seus clientes. Algo que certamente só pode acontecer com a vigilância da vida, através das redes sociais, provavelmente. Mais diretamente ligado à universidade, recentemente tivemos outro exemplo desses estado de mobilização total do trabalhador, como chamou André Gorz. Trata-se do projeto da Rede Globo “Parceiro do RJ. Neste projeto os universitários de bairros pobres atuam como repórteres, fazendo matérias para o jornal local, trazendo um olhar e uma legitimidade – sobretudo – de quem está dentro. As chamadas imagens amadoras se profissionalizam. No próprio FORCINE, por exemplo, tivemos a apresentação de uma distribuidora de filmes que contrata estudantes universitários para fazer o marketing de seus filmes, dentro das universidades. Claro que quanto mais popular e conectado o aluno for, melhor, mais chances de ele ser escolhido. Nesse caso, o mercado depende do fato de ele ser estudante e estar na universidade. Algo muito parecido acontece com os festivais de cinema que contratam jovens universitários para a produção e divulgação, fazendo com que o público e o trabalhador/estudante venha a se confundir. Uma outra confusão entre o público e o profissional eu ouvi em relatos de pessoas que trabalham em canais a cabo, onde as experimentos com novos programas são mais prováveis. O que faz um bom jovem funcionário que trabalha em um programa do Multishow, por exemplo, é o fato de ele conhecer muito bem o público alvo - ele mesmo - e o universo retratado pelo programa; moda, festas, viagens, etc. Se o jovem for da classe C - frequente eufemismo para falar de pobres consumidores -  sua forma de vida terá ainda mais valor e será transformada em informação.
           
            Esses exemplos evidenciam que a universidade não forma para o mercado. Mas que o mercado e a universidade estão em diálogo o tempo todo, sem a separação frequentemente fictícia entre estar estudando e estar trabalhando, no limite, sem a separação entre vida e trabalho. Enquanto no capitalismo fordista os trabalhadores só podia atuar depois de despidos de seus saberes e gestos cotidianos – gostos, hobbies, família, lazer - no capitalismo cognitivo, imaterial, são estes mesmos gestos e modos de vida que tem valor.  Como escreveu o Gorz : « O que as empresas consideram o seu capital humano é uma fonte gratuita, uma externalidade, que se autoproduz e que não para de se produzir e que as empresas captam e canalizam a possibilidade de se produzir » (GORZ 2003:19)
            A educação continuada, aquela escola que nunca nos abandona, como chamava atenção Deleuze no Post-scriptum sobre as sociedades de controle, é também um mercado continuado, que penetra a universidade e vai buscar os modos de vida que interessam ao mercado. Como dizia Guattari nos idos dos anos 70, “ao capitalismo não interessa mais que o trabalhador saiba fazer, mas que ele saiba ser.” Ou seja, tornar-se um trabalhador valorizado é inseparável de uma produção de subjetividade. Antonio Negri desdobrou tal reflexão falando de uma feminização do trabalho contemporâneo, que não trata apenas de uma maior presença da mulher no mercado de trabalho, mas de um trabalho em que “os investimentos afetivos da reprodução da comunidade tornam-se fonte de riqueza da sociedade; porque a mercadoria-serviço nada vale se não for sustentada por capacidades relacionais; porque a gestão do intercâmbio vital e a educação dos cérebros tornam-se os desafios centrais de toda a sociedade produtiva.” (Negri) Estamos no limite de um trabalho sem fim, velha característica do trabalho feminino.
            A falta de limite entre estudo e trabalho, entre atividade economia comercial e as atividades econômicas de compartilhamento, abarca muitas das atividades posteriores à universidade. O caso da crítica é exemplar. Nos últimos anos, muito por conta da internet, vimos surgir uma geração de críticos que levou o “amadorismo” da crítica para além da universidade em um modelo de profissionalização não-remunerada. Ou seja, aquilo que os alunos faziam quando na universidade se prolonga para o trabalho fora dela. Entretanto, essa prática iniciada na universidade se torna o pilar da inserção no mundo do trabalho remunerado.
            Assim, as características do trabalho contemporâneo perturbam na base a pergunta: devemos preparar para o mercado ou não? No limite essa pergunta perde o sentido.

O lugar da universidade

            A permeabilidade entra as práticas e invenções da vida universitária e a inserção profissional parece evidente. Por que isso interessa? Primeiramente porque  a precariedade, a intermitência do trabalho nos primeiros anos após a universidade - e que talvez não acabe nunca mais para aqueles que desejam o cinema e as artes - é a condições de trabalho no mundo hoje. Se antes o trabalho intermitente era fundamentalmente o lugar dos artistas, hoje ele parece abarcar todos os tipos de inserção profissional em que cada um deve ser um empreendedor de si. Gostemos ou não, é para a precariedade e para a constante demanda de mobilização total que nossos estudantes precisam estar preparados. Mesmo que seja para criticar tal pressuposto.
            Nesse sentido, na universidade podemos muito mais do que preparar nossos alunos para o mercado, como se “o mercado” existisse antes daquilo que  ele virá capturar na universidade e na vida dos estudantes. O que vemos hoje é que o mercado invade as universidades atrás de inovação e modos de vida. Preparar para o mercado suporia que ele é reconhecível e possui parâmetros duráveis, enquanto, na verdade, a velocidade de suas mudanças é parte de sua enorme força. Nossos alunos devem operar na transformação e para isso a formação não pode se centrar nas demandas de hoje, mas na possibilidade de inventar demandas, nas possibilidades de transitar entre diversas demandas e eventualmente, um dia, fazer uma opção de aprofundamento. Dai nascem os fotógrafos, montadores, distribuidores, etc. O que a pergunta “preparar ou não para o mercado” corre o risco de colocar à sombra é a importância da universidade como espaço de invenção de novas formas de intervenção na sociedade e nos territórios. Formas que passam pela criação entre professores, pesquisadores e estudantes.
            Se inventar lugares em que nossas capacidades e talentos sejam exigidos é algo que se faz necessário em lugares com mercados consolidados, como o Rio de Janeiro e São Paulo, o que falar das escolas de cinema e audiovisual que se encontram em Natal, Goiânia, Manaus, Aracaju? A existência dessas escolas é inseparável de uma criação que pense o cinema e o audiovisual para além do que o mercado nos oferece hoje.
            Como vemos, todas as vezes que pensarmos dentro da uma dicotomia colocada em termos de ser contra ou a favor do mercado na universidade, estaremos desconsiderando o que já é a realidade da universidade e do mercado. Ou seja, a universidade é atravessada pelo mercado, mas não pode ser pautada por ele, sob o risco de formamos técnicos sem perspectivas, incapazes de efetivamente acompanharem, questionarem, inventarem e se inserirem no mercado.
            Nesse sentido, formamos pessoas para a vida e não para uma capacitação imediatista, o que não significa, obviamente, que os estudantes de cinema e audiovisual hoje não terão trabalho, nem que este universo pós-emprego é o melhor dos mundo. Isso significa que não terão renda e que essa perspectiva é apenas para a elite, apta a se organizar na precariedade? Não, mas é aí que parece estar o embate e grande parte da luta. Que a precariedade é o destino do trabalho contemporâneo, não há dúvida. Se nos interessa a inserção democrática nesse campo, nesse mercado, para além de trabalhadores descartáveis, mesmo dos mais pobres que passam pelas universidade, não me parece que com a nostalgia do emprego ou com uma formação pautada pelas demandas imediatistas resolveremos o problema. Não é com nostalgia das linhas de montagem ou dos sindicatos fortes que encaminharemos bem o problema. O desafio não é pequeno, mas a universidade é certamente um lugar privilegiado para inventarmos formas de estar no trabalho e no mundo, de maneira socialmente responsável e ganhando a vida.

Referências:
DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In Conversações. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.

MORINI, Cristina.  A feminilização do trabalho no capitalismo cognitivo. LUGAR COMUM Nº23-24, 2008 - pp.247-265

GORZ, André. L’immatérielConnaissance, valeur et capital. Paris : Éditions Galilée, 2003.

NEGRI, Antônio. Feminização do trabalho. Folha de S.Paulo, Caderno Mais, 14-06-1998, p.5.


* Agradeço o Marcus Faustini e a Moira Toledo pelas leituras e incentivos.

Essa reflexão se completa com dois outros artigos sobre o tema:

Audiovisual e trabalho imaterial: é preciso financiar vidas e não apenas filmes

e




 

5 de abr. de 2011

José Padilha no RioContentMarket, por Alex Patez - UFF/Ancine





O Alex Patez, trabalha na Ancine e é professor de Economia do Audiovisual da UFF.
Abaixo eu copio um relato que ele preparou para o corpo docente da UFF sobre a fala do Padilha no RioContentMarket. Depois do relato o Alex faz algumas considerações.
Agradeço a ele a possibilidade de compartilhar a reflexão e o relato.



Relato resumido da palestra de José Padilha no RioContentMarket, com algumas considerações. Por Alex Patez.

- Segundo Padilha, nos EUA são as grandes empresas distribuidoras quem financiam a atividade de produção - mesmo dos produtores 'independentes'. Ao assumir os riscos econômicos as distribuidoras retêm para si os lucros dos filmes.
- Já no Brasil, segundo o Padilha quem financia o longa é a empresa produtora que, portanto, é quem corre todos os riscos. Vale uma consideração aqui: é muito provável que Padilha, ao omitir a centralidade dos recursos públicos no financiamento da realização de longas e omitir também o fato de que há, de modo geral, pouco dinheiro privado na realização de filmes no Brasil, estava querendo acertadamente enfatizar que, no Brasil, é a empresa produtora quem corre atrás dos recursos para o financiamento dos filmes. É o contrário dos EUA, onde quem faz isso, (muitas vezes, mas nem sempre), é a empresa distribuidora, mesmo no caso dos filmes ditos 'independentes'. Vale observar ainda que no Brasil, ainda que a empresa produtora corra atrás dos recursos, parte considerável dos mesmos não precisem ser devolvidos (implicando risco quase zero para a empresa produtora), como é o caso da utilização de recursos incentivados na produção.
- De acordo com Padilha, o produtor brasileiro tem de assinar um contrato leonino com a distribuidora, de forma mais draconiana do que ocorre nos EUA.
- No modelo vigente a maior parte do lucro ficaria com a distribuidora, frequentemente uma major. Padilha não disse, mas muito desse modelo deve-se à existência do mecanismo do art. 3º da Lei do Audiovisual, que confere às majors (e a algumas distribuidoras de capital nacional) recursos públicos que podem ser alocadas por essas empresas na co-produção de filmes nacionais†.
- No Brasil, a empresa distribuidora faria, de acordo com Padilha, muito pouco: terceiriza todas as atividades, da cópia e logística ao marketing.
- Sendo assim, o produtor poderia, em tese, abrir mão da distribuidora e fazer a mesma coisa, contratando no mercado vários serviços que estão disponíveis às distribuidoras.
- Porém, haveria uma diferença de escala: uma distribuidora major controla, segundo Padilha, um fluxo de filmes americanos lucrativos e com isso detém um poder assimétrico na relação com a empresa exibidora, o que garantiria às grandes distribuidoras o poder de vetar o produto das produtoras independentes; (Padilha mencionou que isso ocorreu de fato com os filmes dele).
- Para o exibidor, só faria sentido exibir um filme independente se este tivesse perspectiva de grandes bilheterias (como Tropa2), e isso, além de  possibilitar o cumprimento da Cota de Tela das salas, compensaria uma eventual ‘represália’ das majors.
- Assim, a saída seria uma união das empresas produtoras brasileiras para, aproveitando a exigência da Cota de Tela,  manter um fluxo contínuo de filmes brasileiros de qualidade; ele propôs que  produtoras brasileiras constituíssem uma distribuidora.
- Sobre a nova distribuidora, Padilha  revelou que está negociando com outras produtoras e que a nova empresa faria apenas a prestação do serviço de distribuição, recebendo, para isso, apenas a comissão correspondente; esta distribuidora focaria seu papel de intermediário na atividade, mas a empresa exibidora repassaria diretamente para a produtora toda a parte da bilheteria que caberia à distribuidora/produtora e esta última, por sua vez, repassaria a parte da comissão para a distribuidora (normalmente é a distribuidora quem recebe do exibidor e repassa para o produtora).
- Padilha disse que o modelo por ele proposto não é absolutamente novo, ainda que não seja preponderante em nenhum lugar do mundo; ocorreria nos EUA com a Lions Gate, por exemplo, que topa apenas ‘prestar o serviço de distribuição’, especificamente nos casos em que o produtor consegue alavancar todos os recursos do filme.
- Com a nova distribuidora, Padilha acredita que as receitas das empresas produtoras, que hoje ficam na casa de 5% a 10% da bilheteria, cresceriam 5 vezes (a afirmação é baseada na experiência de Tropa 2).
- Para que um novo modelo prospere, o Estado deveria, segundo Padilha, destinar recursos (do Fundo Setorial do Audiovisual - FSA) prioritariamente para a distribuição, de forma que o produtor pudesse abrir mão de trabalhar a distribuição com uma major, e pudesse, assim, remunerar-se na bilheteria e gradualmente deixar de depender do fomento à produção.
- Padilha não fez distinção entre distribuidoras brasileiras (de capital nacional) e majors que, segundo ele, ‘explorariam’ igualmente as empresas produtoras.
- Padilha criticou o modelo de incentivos fiscais dizendo que comprovadamente não deu certo, e propôs que todo o dinheiro do FSA  fosse para o P&A dos filmes que fossem distribuídos por empresas que fizessem apenas o serviço de distribuição nos moldes proposto por ele.
- O novo modelo daria margem, segundo Padilha, para a revisão do modelo atual – fortemente centrado em recursos de renúncia fiscal – e propôs que as leis de incentivo fossem progressivamente extintas.
- A análise de Padilha, corajosa por revelar a dinâmica de relações e poderes entre os três agentes econômicos do segmento de exibição e importante por propor uma nova dinâmica mais propícia à rentabilidade do produtor, tem algumas fragilidades (o que absolutamente não desmerece sua análise):
- (i) omite a centralidade dos recursos públicos no financiamento da atividade e no comportamento das empresas produtoras quando financiam os seus filmes; no Brasil, o risco para a atividade de produção é certamente muito menor do que nos demais países (é só olhar para o lado, para a Argentina, e ver como funciona o financiamento dos filmes por lá), pelo fato de que grande parte dos recursos alocados na produção serem a fundo perdido (indiscriminadamente, sejam para filmes ‘pequenos’ ou ‘grandes’, e  indistintamente, sejam para produtoras ‘pequenas’ ou ‘grandes’);
- (ii) foca a possibilidade de sustentabilidade dos filmes brasileiros nas bilheterias das salas de exibição, algo que não ocorrem em nenhum país com uma indústria cinematográfica importante. Nesses países a televisão (aberta e por assinatura), tal como ocorre no Brasil, tem receitas de uma a duas dezenas superiores às salas de exibição. Não é possível uma atividade cinematográfica sustentável sem o envolvimento dos canais de televisão (pagos ou abertos) no financiamento prévio dos filmes (através de pré-licenciamentos) e/ou na rentabilidade dos mesmos (por meio da competição para sua veiculação, o que eleva o valor de licenciamento dos filmes para serem exibidos nas TVs).
- (iii) ignora que o FSA pode cumprir, dentro os instrumentos de política pública voltados ao fomento, funções maiores do que apenas financiar P&A dos filmes de longa-metragem; há que se considerar a estruturação, por exemplo, de toda a produção independente de televisão (incipiente no país) e mesmo o papel FSA na equação de financiamento da realização de filmes de longa-metragem (ainda tão dependente dos recursos de renúncia fiscal).

 

31 de mar. de 2011

Ana de Hollanda, Direitos Autorias.

Respondendo no Facebook!
Uns dizem que ela não entende nada de DA, outros que ela quer diálogo...

Cara amiga,
Independentemente de Ana de Hollanda saber ou não sobre o que está em jogo na reforma da lei dos direitos autorais, sobre o que é o Creative Commonc, etc. O que podemos observar é que ela vem atuando com clareza e que essa opção tem sido sempre na direção do conflito e do acirramento de posições.

Tirar o CC do site – e ele tratava apenas do que estava no site – foi um ato menor. Muito pior foi ter levado para cuidar da reforma da LDA uma advogada que é co-autora de um livro sobre Direitos Autorais com um advogado que atua para o Ecad, o Hildebrando Pontes Neto.
Ao fortalecer o Ecad fazendo essa nomeação e dizendo que o ECAD não pode ser fiscalizado, a ministra está fortalecendo as posições mais retrógradas e anti-democráticas hoje no mundo da cultura que são as posições das gravadoras multinacionais e, para isso, diz falar em nome dos artistas. Uma falácia.
Não sei se todos sabem mas a diretoria das principais Associações de Músicos ligadas ao Ecad – Abramus e UBC – é formada por pessoas ligadas às multinacionais – JA Perdano (EMI) e Marcelo Campello Falcão da universal music, por exemplo. Isso não é mera coincidência. O Ecad virou a forma de as gravadoras ganharem dinheiro depois do fim do CD. O faturamento deles passou de 80 milhões para quase 400 em menos de 10 anos. E os métodos para que isso acontecesse nós conhecemos né? Em relação ao Ecad, a Ministra precisa, primeiramente, cumprir a lei. Que lei? Em dezembro de 2010, a  Lei 12.343 foi sancionada e ela, instituiu o Plano Nacional de Cultura:

Veja o que determina essa lei :
1.9.1  Criar instituição especificamente voltada à promoção e regulação de direitos autorais e suas atividades de arrecadação e distribuição. 
1.9.2  Revisar a legislação brasileira sobre direitos autorais, com vistas em equilibrar os interesses dos criadores, investidores e usuários, estabelecendo relações contratuais mais justas e critérios mais transparentes de arrecadação e distribuição. 
1.9.3  Aprimorar e acompanhar a legislação autoral com representantes dos diversos agentes envolvidos com o tema, garantindo a participação da produção artística e cultural independente, por meio de consultas e debates abertos ao público. 
1.9.4  Adequar a regulação dos direitos autorais, suas limitações e exceções, ao uso das novas tecnologias de informação e comunicação. 
1.9.8  Estimular a criação e o aperfeiçoamento técnico das associações gestoras de direitos autorais e adotar medidas que tornem suas gestões mais democráticas e transparentes. 

As falas da Ana de Hollanda se negando a regular o Ecad e defendendo, cínica ou ingenuamente, os artistas , não só protegem os intermediários, como vão contra a lei.

Em relação às questões dos direitos autorais, não há consenso possível, desde o séc. XVIII. Escrevi sobre isso lá no blog: http://a8000.blogspot.com/2011/03/direitos-autorais-e-democracia.html

Mas o problema não é apenas o Ecad, é toda a lei dos DA que hoje é absolutamente anacrônica, sendo um entrave para a própria cultura que o Ministério deve promover.

Não acho que haja posições extremistas em jogo não. O que existe são visões de mundo bem definidas e infelizmente hoje a Ministra da Cultura do Brasil tem defendido os poderes mais privatistas e menos democráticos.

beijos
c.

 

20 de mar. de 2011

Sobre: Menos silêncio, por favor, de Carlos Alberto Mattos


 Texto da Carlos Alberto Mattos (Link)


Salve meu amigo,
Visto a carapuça. Tenho apontado para esse cinema como algo importante no Brasil hoje. Me dediquei mais longamente a apenas quatro filmes; Avenida Brasilia Formosa, Pacific, Sábado a Noite e O Céu Sobre os Ombros. Acho os três especialmente tocantes pelas formas que abordam as cidades, a pobreza, as disputas com a cultura de massa e a própria relação do cinema com as formas de vida. Mas, quando trabalhei com cada um desses filmes fiz o esforço de não fazer a passagem entre as obras e um “novo movimento”. Os diálogos dessas obras é complexo. Serras da desordem e Moscou estão próximos, mas também um corte eventualmente ligado ao melodrama, os filme-dispositivo, o documentário moderno e toda crise do lugar do realizador que nunca mais resolveremos – felizmente.
Digo isso porque me parece extremamente complicado, diante do que temos visto – com os filmes que citas ou que estão implícitos no texto – que façamos um julgamento desse cinema baseado em uma análise das obras; o que não quer dizer que elas não interessem, pelo contrário.
Temo que tua leitura caia na mesma armadilha da do Felipe. Esses filmes, se desejarmos pensar o conjunto, não podem ser julgados sem que consideremos as redes para as quais eles apontam e mobilizam. Ou seja, metodologicamente meu esforço tem sido partir da obra e dela fazer as conexões necessárias para a reflexão ou partir da rede à qual os filmes fazem parte. Quando parto da obra, percebo que são filmes que fazem parte da história do cinema, com eventuais singularidades, é claro. A indistinção entre documentário e ficção, por exemplo, ganha novos traços. A performatividade, como você chamou atenção em Tiradentes, também, assim como uma relação com história do cinema que, nesses filmes que trabalhei mais a fundo, não é nada ingênua. Mas, quando parto da rede e das condições de possibilidade para que essa eventuais traços estéticos surjam, percebo que estamos diante de algo forte e singular.
Uma singularidade que tem nos forçado a pensar novas estratégia de mercado, novas formas de atuação do estado, novos tipos de licença para proteção da propriedade intelectual, novas formas de relação com a universidade, novas formas de fomento e incentivo ao acesso, etc. Perceba. Se não fossem os filmes, em suas heterogeneidades e qualidades diversas e não consensuais – nós mesmo em Tiradentes discordamos sobre determinados filmes – esse movimento que hoje mobiliza bem mais do que uma patota e festivais que não são tão irrelevantes assim, não estaria acontecendo.
A rede que tenciona a distribuição, as formas de acesso, os festivais, as políticas públicas, a universidade, a crítica e é recheada de inquietações estéticas, é mobilizada por algo que está nos filmes, não é pouca coisa.
Não se trata assim de um movimento, como se houvesse um conjunto relativamente fechado, como nos tantos movimentos que conhecemos na história do cinema, nesses caso, acho que essa noção não faz muito sentido. Trata-se de uma outra lógica, acentrada, dispersa, que hoje está focada em alguns diretores e no ano que vem em outros ou outras cidades. Sim, talvez seja uma geração, uma geração que soube inventar meios de fazer do cinema um modo de vida fora do eixo Rio-São Paulo – mas nele também, como v. chama atenção -, fora das amarras da indústria mas, mas encontrando seus espaços, fazendo uso e inventado redes econômicas, afetivas, criativas e, claro, de legitimação.
Diria então: estamos diante de imagens que tem força suficiente para nos revelar a potência e a singularidade dessas redes que incluem os filmes e suas criações. Isso já é, em si, motivo de entusiasmo, mas também é pouco para uma leitura histórica, panorâmica. Nesse sentido, torna-se problemático deslocar para toda uma rede aquilo que se pode encontrar no específico; infantilismo, pretensão, etc.
Há um ponto no teu texto que é um desafio para nós. Quando falas do patrulhamento semântico que nega “arte”, “qualidade” e “autoria”, optando por termos menos palpáveis como “vida”, “afeto”, “fluxos” e “lugar”. Primeiramente, acho patrulhamento forte, entretanto, duas colocações me parecem fundamentais. O primeiro é referente às obras mesmo. O fato desses outros termos ocuparem a cena, alguns marcadamente pós-estruturalistas, não fala da necessidade de nos relacionarmos com outros campos do pensamento para falarmos dos filmes? É claro que essa utilização pode ser caricata, mas, novamente, faria o esforço de não ver no particular um retrato do todo. O outro ponto é ainda mais problemático. Estamos dispostos a lutar pela noção de qualidade no cinema com a Globo e um certo cinema em que a “qualidade” se auto-justifica? Estamos dispostos a lutar pela noção de autoria? Com que ganho? Novamente, nos filmes que citei acima, tal noção não se faz sem problema. Ainda, quando por todos os lados, a palavra de ordem é crie, eu entendo perfeitamente que falar em arte seja difícil, eu não desisti ainda, mas, sem deixar a polis de lado.
Meu abraço
Cezar Migliorin

12 de mar. de 2011

Direitos autorais e democracia



            Diria que o texto do Cacá Diegues, publicado hoje no O Globo, contribui para que certas posições sejam explicitadas. O Luiz Carlos Barreto havia dito: o cinema vai entrar na briga! Bem o cinema já está na briga há muito tempo. O que eu acho é que nunca se imaginou que a mobilização crítica ao que o MInC tem feito ganhasse tamanha proporção. Pois, se essa parte do cinema não estava na briga agora está. O duro é vermos os maiores críticos da gestão Gil/Juca felizes com os rumos do governo que ajudamos a eleger. Mas, como sempre, estamos apenas começando.

O autor é uma invenção 

Antes de ir à questão do direito autoral, ou dos direitos intelectuais, é importante relembrarmos o que é um autor. O autor é algo relativamente recente, é um fato histórico, não é algo dado. Cacá argumenta que o artista – tratado como autor – encontrou no mercado uma liberdade, livrando-se de reis e papas. Entretanto, o argumento do cineasta, que passa pela Capela Sistina, é bastante problemático, por um fato simples: naquele momento não existia a figura do autor.
            A noção de moderna de autor é do século XVIII. Nesse momento, ele ainda era basicamente entendido de duas maneiras, como aquele que tem uma inspiração divida, logo ele é um meio para algo que não lhe pertence, ou ele é um artesão, tendo o domínio de uma certa quantidade de regras e técnicas. Em nenhum dos casos, o autor é entendido como responsável por sua obra. Assim, estamos longe da ideia do gênio, do criador que cria do nada.
          Ora, mas se o autor “não existia”, porque então surge a noção de direito autoral?  A brilhante antropóloga " Manuela Carneiro da Cunha diz o seguinte:  “Na verdade, desde seu surgimento na Grã-Bretanha no início do século XVIII, os direitos autorais - os primeiros direitos de propriedade intelectual surgidos no ocidente - não foram instituídos para proteger os autores, e sim o monopólio de editores londrinos, ameaçados por edições piratas feitas por escoceses”.
            Esse processo é parte de uma virada na compreensão do autor, segundo a Martha Woodmansee, que estudou a invenção da ideia do gênio e a propriedade intelectual no século XVIII, por múltiplas razões, certamente iluministas, o elemento artesanal é praticamente retirado da concepção do autor e a fonte inspiradora é internalizada. Nem musa nem Deus, mas o self.
            Dai para a concepção que hoje ainda é usada para fazer do artista um criador autônomo e isolado é um pulo. O autor é o que cria (do Lat. Auctor: fundador, criador) e nós, reles humanos, só vivemos, sem criar. Como eu costumo dizer, na atual lei do direito proprietário, as netas do Vinícius recebem direitos autorias e as garotas de Ipanema nem um centavo.
(com alguma ironia desenvolvi isso nesse post:)

Não há consenso possível
            Essa semana a Ministra Ana de Hollanda dizia: "Não posso endossar um projeto que está sendo questionado", se referindo à decisão de trocar a equipe que encaminhara a reforma da Lei dos Direitos Autorias e fazer o projeto voltar a ser debatido depois de 70 reuniões com setores interessados na proposta, 80 encontros setoriais e nove seminários realizados no Fórum Nacional de Direitos Autorais de 2007 a 2009 (informações do MinC). Pois, não sei se fica claro, mas essa brevíssima história do autor e da propriedade intelectual nunca foi desprovida de crítica.  Entre 1777 e 1793, na França, por exemplo, a pesquisadora Carla Hesse mostra que a noção de autor era criticada por ser um instrumento repressivo da monarquia e “um instrumento legal para regular o conhecimento”. Como dizia Foucault, o autor é  uma das formas de estancar a proliferação do sentido. Rancière, em um breve texto chamado "Un communisme Imateriel?" nos lembra, por exemplo, que Flaubert, Mallarmé e Proust, representantes máximos do culto ao autor, sempre afirmaram a impessoalidade da escrita. O que me faz lembrar essa bela passagem do Benjamin: “Método deste trabalho: montagem literária. Não tenho nada a dizer. Somente a mostrar. Não surrupiarei coisas valiosas, nem me apropriarei de formulações espirituosas. Porém, os farrapos, os resíduos: não quero inventariá-los, e sim fazer lhes justiça da única maneira possível: utilizando-os “(BENJAMIN, Passagens)
            Não sei se fica claro, mas a internet, as trocas digitais, etc, são decisivas para o debate que se faz hoje, mas não é dela que surge o debate. Quando Caetano diz, a internet que se dane, ou algo assim, o que ele nega é o pensamento e não a internet. Agora e sempre, para tocar um processo como esse, que passa por disputas com multinacionais, leis internacionais, televisões, artistas e a própria sociedade, a Ministra terá que enfrentar questionamentos. A outra opção é mais tranquila: coloca-se uma advogada ligada ao Ecad no ministério, retoma-se os debates do projeto e espera-se o próximo governo.
O capitalismo hoje
            Pois, se noção de autor é uma invenção e é sempre parte de um contexto, precisamos então considerar o contexto contemporâneo e isso passa pelo capitalismo mesmo. Como desenvolvi no artigo, Por um cinema Pós-Industrial, (citado por Cacá Diegues, sem que eu cobrasse nada, porque assim funcionam as ideias, que bom!) desenvolvo o que seria uma era pós-industrial. Pois o que importa aqui é que o criador contemporâneo, desejado pelo capitalismo, é aquele que inventa mundos com suas próprias vidas. Inventar mundos é o desafio do capitalismo e, para isso, precisa das vidas fora das regras e linhas de montagem. Como diz o Peter Pal Pelbart, “O fato é que consumimos, mais do que bens, formas de vida”. É claro que em algum momento essa invenção precisa ser capitalizada. E ai, novamente, a ideia do autor vem a calhar. Entretanto, mesmo para o mercado e para o capitalismo, a atual lei dos direitos autorais é retrógrada. Ela faz de tudo para dificultar a circulação da criação e do saber. Os que defendem essa lógica se baseiam assim em um autor do século XVIII para defender um capitalismo industrial do século XX. Eis a esquizofrenia.
            Toda a defesa do mercado feita por Cacá Diegues em seu artigo é pautada pela lógica da escassez industrial. Ou seja, uma lógica em que os produtos eram materiais: se eu desse o meu para alguém eu ficaria sem ele. Pois estamos em outro contexto e desconsiderá-lo pode nos custar muito caro. Sem contar, obviamente, que a proposta de lei dos direitos autorais não prejudica os artistas, mas, provavelmente, os intermediários. (Ver texto:http://www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral/lei-961098-consolidada/). Pensar a sociedade pautada pelo mercado, como se nele houvesse a respostas para nossos problemas, conflitos, criações e liberdades, certamente não é a melhor maneira se inventar um país, mas é uma boa maneira de se excluir do debate todos aqueles que operam fora do mercado, ou seja, a vida mesmo.
            Nesse sentido, há frases um tanto estranhas no texto do Cacá Diegues, como essa: “o mercado estabeleceu o direito de o artista dizer o que pensa sobre o estado do mundo, independentemente do que pensam os que mandam nele”, certamente que essa luta foi, e é, é, feita por outros atores também muito importantes. Mas a que me parece mais grave nesse momento corre o risco de passar despercebida: Para defender os autores ele diz que quem fabrica a “alma de um povo” são os homens que a criam. Pois, diferentemente do que o Cacá afirma, quem inventa “a alma de um povo” é o povo. Retirar de todo e qualquer homem esse papel é promover a aristocracia ou a oligarquia, como queira. Mas, definitivamente estaremos nos distanciando da democracia. 

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Links para o debate:

Enviados pela Patrícia Cornils:
 

4 de mar. de 2011

Polêmica MInC



O que está em jogo não é a disputa entre duas gestões, essa é a forma cínica de colocar o problema, mas entre duas visões de mundo.

Texto de Leonardo Brant defendendo Ana de Hollanda, com comentário meu.

http://www.culturaemercado.com.br/opiniao/analise/quem-tem-medo-de-ana-de-hollanda/

Texto no Site 300 comentando o texto de Brant, com resposta de Brant:


http://www.trezentos.blog.br/?p=5580

1 de mar. de 2011

Politizar a gestão




           Todo o debate em torno das ditas economias criativas, trazido a tona por conta do protagonismo que a Ministra Ana de Hollanda vem dando à noção, é acompanhado de uma naturalização da noção de gestão no interior do estado.
           A semana passada, em entrevista à Isto é dinheiro, a ministra nos informou que a secretaria por ela criada, dedicada à economia criativa, será transversal ao ministério. Ou seja, o que será transversal será a potencialização de uma economia que trabalha com a noção de “exploração da propriedade intelectual” nas palavras da ministra. 
            Novamente, fico sem saber se essas palavras são pautadas por um desejo de acirrar o debate com uma grande quantidade de grupos e pessoas ligadas à cultura que apoiaram a presidente Dilma e que trabalham questionando essa ênfase na exploração e na propriedade imaterial, ou se estamos apenas diante de uma inabilidade da ministra com as palavras caras ao meio cultural contemporâneo. 
            Depois de sua primeira entrevista para um grande jornal ter sido dada para o Caderno Mercado da Folha de São Paulo e a primeira para uma revista semanal sair na Isto é Dinheiro, tendo a achar que o acirramento é parte de uma estratégia de choque do MinC. Uma estratégia que pela repetição da mesma lógica visa afastar as críticas e marcar de maneira decisiva um novo marco para o ministério. O paradigma da gestão.
            Um ministério ou uma secretaria precisa ser gerenciada, precisa organizar e estimular potencias e evitar problemas, precisa concentrar esforços e verbas em determinadas áreas em detrimento de outras, precisa desenvolver e administrar pessoal, etc. A gestão pública ou privada é fundamental, seja ela bem feita ou não. Nesse sentido, ela é necessariamente transversal à qualquer órgão público ou empresa.
            Entretanto, o paradigma da gestão guarda uma perversidade, ele tende a ser apresentado como procedimento fim. Ou seja, como a gestão é necessária, ela se torna a finalidade e a referência de qualidade. 
            A importância dada à economia criativa traz esse paradigma para o centro da administração pública. O problema do estado passa a ser uma gestão da criatividade, naturalizando-se a figura da gestão como se ela apenas fizesse escolhas técnicas e despolitizadas em favor daquilo que precisa ser feito, a gestão. 
            A perversidade da lógica reside na pior das consequências, a coincidência entre estado e mercado. Baseado no modelo da gestão, o estado naturaliza os procedimentos do mercado, sem crítica ou política. Para que isso se dê, há um facilitador essencial, os resultados da gestão são mensuráveis, traduzíveis em números enquanto a cultura não. A economia criativa se apresenta  como o que pode encontrar medida – através da gestão – para o sem medida – a cultura. 
            Na entrevista, a Ministra cita a moda, o design e a arquitetura como exemplos de indústrias criativas e diz que é preciso trazer para a formalidade os que estão fora, - os artesãos, os músicos, os artistas plásticos. Ou seja, precisamos trazê-los para a indústria, para a possibilidade de inclui-los na economia criativa e explorar a propriedade intelectual. O paradigma da gestão pressupõe assim que as coisas já existem, estão dadas, e agora só precisam ser geridas de maneira impessoal e sem política. Incorpora-se assim o cinismo do mercado, como se sua lógica fosse natural, como se ele fosse apenas gestão, o que torna qualquer crítica imediatamente obsoleta, inclusive essa, que por muitos será lida como uma crítica à existência do mercado e da gestão. Pois não isso, trata-se de politizar o mercado, politizar a gestão.

(Esse post tenta organizar uma conversa com André Brasil em Belo Horizonte)

22 de fev. de 2011

Ana Paula Santana, entrevista no O Globo




Tentando entender a entrevista da Ana Paula Santana, nova secretária do audiovisual (SAV/MINC).
            Na verdade, meu esforço é para não entender rápido demais a entrevista, uma vez que ela é repleta de elementos que indicam que a Secretaria do Audiovisual está abrindo mão de ser um contrapeso ao mercado e à retórica da indústria para se adequar à lógica que domina o audiovisual comercial no cinema e na TV. O discurso da secretária está distante do que tem aparecido de forte e potente no cinema e no audiovisual contemporâneo, uma força que passa pelas periferias, coletivos, festivais, cineclubes, distribuição digital, pontos de cultura, etc. Ou seja, uma produção e um acesso pautados por uma relação pós-industrial de trabalho, criação e também estética. Uma relação que não é um projeto utópico de cinema, mas uma contingência, um estado de coisas no qual estamos inseridos. (escrevi sobre isso em: Por um cinema Pós-Industrial na revista Cinética).
            Vamos a alguns pontos da entrevista:
            A ideia de coletivos criativos pode ser ótima. Como sabemos, grande parte da produção mais inventiva que tem circulado em festivais e mostras no Brasil e no mundo foi gerada em coletivos que em suas equipes e formas de trabalho questionam a tradicional hierarquização que o cinema herdou da indústria. O que Ana Paula parece desconsiderar na entrevista é que muitos coletivos criativos já existem no Rio e em São Paulo, como sempre, mas também em Belo Horizonte, em Fortaleza, Recife ou em Porto Alegre, apenas para citar os grupos mais ativos e bem sucedidos. Explicita-se nesses grupos uma ruptura tipicamente pós-industrial entre centro e periferia. Entretanto, o que a secretária espera desses grupos é que eles façam planos estratégicos, inventem marcas, sejam empreendedores. Espera que eles se adequem ao mercado e à lógica industrial. O que a secretária talvez não tenha tido ainda a possibilidade de ver é que esta produção já passa pelo mercado – ser exibido em Roterdã, por exemplo, é uma forma de estar no mercado -,  mas que ela se faz longe dos moldes da indústria, longe da lógica que faz com que o processo seja uma passagem ideal da ideia ao produto. Temos hoje a felicidade de ver uma produção que está em Berlin e Cannes, ganhado Brasília e Tiradentes, mas que não é feita dentro da lógica da indústria. No meu entender, apostar em processos é perceber o que existe e potencializa-los, o que é completamente diferente de uma modelização para as demandas do mercado ou para os buracos da cadeia produtiva. Na verdade, o próprio mercado não espera uma modelização, ele é feito com uma intensa demanda de invenção. Pensar com o mercado é pensar em formas de incorporar e potencializar o descontrole da criação existente.
            Assim, temo que o que a secretária chama de processo criativo é, na verdade, uma engenharia de produção em que o filme é um produto que deve fazer parte uma cadeia produtiva. Ou seja, os “processos” que não fomentarem a cadeia, não gerarem produtos competitivos, não devem existir. Dentro da lógica interna de sua reflexão, não há problema em pedir que os coletivos façam planos de negócio, criem marcas, e tudo que acompanha tal lógica – publicidade, público alvo etc - mas dentro da lógica do cinema pós-industrial, o mercado não os antecede. Ou seja, o mercado é o que pode se aproveitar dessas invenções, mas domesticá-la é uma forma de matar a criação.
            No momento em que a cultura se torna o paradigma do capitalismo, não podemos, nós da cultura, nos tornarmos nostálgicos da disciplina das indústrias. O exemplo de processo criativo dado na entrevista é paradigmático desse equivoco. O processo que Ana Paula Santana descreve do FICTV é, em certa medida, parecido com o bem sucedido DocTV, com uma diferença fundamental. O Processo do DocTV potencializava a criação descentralizada em que o mercado era um possibilidade, não o fim. Assim, não se estabelecia público alvo ou adequação a essa ou aquela classe. Quando o próprio estado decide fazer a separação entre arte para rico e arte para pobre – classe C, D e E, como falou Ana Paula – ele se torna um legitimador da falta de democracia em que alguns tem direito a certas experiências sensíveis outros não. Não é papel do estado decidir o que pode a sensibilidade do pobre.
            Se a arte ainda tem alguma potência é justamente a de dar a qualquer a possibilidade de uma relação estética com o mundo. Quando a escolha do que cada um deve ver é entregue para o mercado, como insinua Ana Paula, estamos, por um lado mimetizando o que a Globo, o SBT e a Record já fazem, por outro esvaziando toda possibilidade criativa tanto do público como dos produtores. O que a secretária coloca na entrevista é que para ela o gosto do espectador já existe, só precisa ser mapeado e atendido. Entretanto, se o cinema guarda alguma potência é justamente a possibilidade inventar formas de estar e se relacionar com o mundo, para criadores e espectadores,  formas que não são antecipáveis por planilhas, público alvo, marca, ou mercado.
            Se o cinema é uma indústria, minha argumentação não tem sentido algum. Entretanto não só o cinema não é uma indústria, como estamos em uma era pós-industrial e é no mundo atual, com suas possibilidades e limites, que somos demandados a pensar.
            Há ainda um outro ponto. Ana Paula Santana diz na entrevista algo que ouvimos também o cineasta Cacá Diegues dizer em recente palestra em Tiradentes: “que a produção se desenvolva no sentido de achar o público para sua obra”  Tal colocação parte do princípio que toda obra tem as mesmas possibilidades mercadológicas, o mesmo acesso às salas, a mesma publicidade, etc. Assim, privatizamos o fracasso e culpabilizamos os artistas e produtores. Não ser um sucesso torna-se um desacordo entre filme e público e não parte de condições dadas: falta de salas, salas ocupadas de maneira nada democrática, falta de filmes nacionais nas TVs, etc. Dizer que o filme nacional não atinge o público porque os realizadores o desprezam é o que mais interessa aos donos do mercado atualmente. Além, é claro, de colocar de lado o valor histórico e simbólico que uma obra pode ter, para além da imediata aprovação do mercado. Uma semana em Tiradentes com centenas e centenas de pessoas que raramente vão ao cinema assistindo a filmes que circulam na Europa, bastaria para vermos que o problema é menos das obras do que da organização do audiovisual contemporâneo.
            Finalmente, ao comentar a Carta de Tiradentes, ela diz que o circuito alternativo gera público mas não gera renda. Pois essa feliz constatação vai no âmago do problema contemporâneo. Os filmes existem e podem existir em número muito maior, o público os deseja, mas as salas não são feitas nem para esses filmes nem para esse público, pelo menos por enquanto. O que fazemos? Enquadramos a criação e inventamos produto para as roletas ou potencializamos a criação e o acesso? É o papel do estado que está em jogo.

19 de fev. de 2011

Zizec e Globo News - "O Afeganistão se tornou fundamentalista porque ficou enredado na política mundial."

O Zizec falando é sempre divertido e com bons exemplos.
A Globo News consegue fazer um corte no momento que ele vai falar de Lula.
Minuto 14:38. Chega a ser patético.
http://www.youtube.com/watch?v=qdkrKeRPpYg

16 de fev. de 2011

O MinC e a economia criativa



            Se era o embate que a nova equipe do MinC desejava com os interessados na instauração de novas regras para o uso da internet, o que passa por uma revisão dos direitos autorias, esse embate foi amplamente instaurado.
            Depois de um mês de governo há um profundo mal-estar em muitos atores da cena cultural brasileira, principalmente entre aqueles que mais apoiaram a eleição da presidenta Dilma. O mal-estar e a frustração talvez nos cegue para a discussão em torno da entrada das economias criativas no ministério. Me pergunto então: o protagonismo dado à chamada economia criativa no MinC é parte de uma mesma concepção privatista e liberal, como a que pretende abandonar os anos de debates feitos em torno do Direito Autoral?
            No momento em que o Minc vem sendo bombardeado por todos os lados é importante tentarmos encontrar as linhas de continuidade ou descontinuidade entre, por exemplo, a retirada do Creative Commons do site e a instauração de uma Secretaria da Economia Criativa.
Vamos ver...

            A noção de economia criativa foi usada pela primeira vez na Inglaterra, no governo de Blair em 1997, com o nome de Indústrias Criativas. Nesse momento, a definição de indústria criativa é: “indústrias baseadas na criatividade, nas qualidades e no talento individual” que tem “o potencial de criar prosperidade e empregos fazendo uso da propriedade intelectual” (Creative industries mapping document, 1998). Se é essa a definição que move o ministério, não há dúvida que a mesma lógica que o fez o abandonar o CC, move também a pasta da economia criativa. Mas, podemos estar enganados.
            De qualquer maneira, parece que há duas formas de entendermos essa economia. A primeira é focada no potencial econômico da criação. Ou seja, onde há criação o estado deve intervir para poder tirar dali sua função econômica. Nesse sentido, a questão dos direitos autorais tal como vem sendo recolocada pela Ministra Ana de Hollanda, é absolutamente pertinente. A restrição de acesso à criação pode ser importante para a economia, pelo menos de forma imediata e localizada. Nesse primeiro caso, trata-se de funcionalizar e fomentar aquilo que pode, de maneira rápida e palpável, gerar dividendos. A cultura se torna uma comoditie e como comoditie, pode valer a pena a monocultura. Nessa mesma linha, aquilo que não pode ser funcionalizado, que não trará dividendo ou que não pode ser transformado em capital, material ou imaterial, segundo o julgamento do ministério, não deve ser fomentado. Nos perguntamos então: o Ministério da Cultura é o ministério que irá compartimentar a cultura entre aquelas que são economicamente interessantes e aquelas que não são?
            Bem, é claro que o ministério pode ter vários papéis ao mesmo tempo, entretanto, se a cultura é o que interessa, não seria papel do capital identificar o que pode se transformar em produto ou mercadoria? Ao que me parece, no momento que o ideal econômico vem para o interior do ministério estamos invertendo os papéis. Que a cultura é capturável pelo turismo, pela moda, pelas redes sociais, etc. Não há dúvida. O desafio do capitalismo é inventar modos de vida e isso a cultura faz cotidianamente. Mas, trazer para dentro do ministério uma secretaria que cuide dos modos de captura, é excessivo.
            Entretanto, pode ser que estejamos falando de outra coisa. É preciso pensar economicamente a cultura como invenção cotidiana, na arte e fora dela. É preciso pensar na vida antes de chegar no produto; a cultura na sua imanência. Talvez o ministério da Cultura venha a nos surpreender propondo uma renda mínima universal (RMI). Ou seja, se a cultura é o que interessa como valor no capitalismo contemporâneo, se a cultura e os modos de vida desgarrados, não repetitivos e inventivos, são aptos a serem transformados em mercadoria – da cidade, à camiseta, da favela à Garota de Ipanema. Então, deveríamos pensar em uma agência de recolhimento para taxar todo produto que se inspire nas formas de viver dos sujeitos e na inteligência coletivamente, ou seja, tudo. Tudo seria taxado e cada humano receberia uma renda mínima para viver e continuar alimentando a economia criativa.
            Os indícios que temos nesse início de governo indicam que o primeiro tipo de economia criativa será privilegiado, mas, como já estamos nos acostumando a tomar sustos. Vamos ver.


Outros textos:


A genial matemática da Miriam Leitão;

Salário mínimo conseguiu recuperação histórica em 16 anos

O texto dela diz: "Em 16 anos, a partir de 1995, período que pega os governos Fernando Henrique e Lula, o aumento acumulado foi de 121,78%. Ou seja, o salário mínimo conseguiu uma recuperação histórica."

 Veja os gráfico: o primeiro referente ao mínimo em dólar e o segundo relativo à quantidade de cestas básicas que um mínimo pode comprar.